sábado, 30 de maio de 2009

Tennesse Wiliams


Tennesse Wiliams, cujo verdadeiro nome era Thomas Lanier Williams, foi um dos mais importantes nomes do teatro pós I Guerra Mundial. Suas obras deixam inúmeras possibilidades de leitura que ultrapassam as análises psicológicas que geralmente são feitas no que diz respeito ao tema da loucura e da cultura sulista.
Em Um Bonde Chamado Desejo, peça que estreou na Broadway em 1945, com direção de Elias Kazan, o autor tem constante atenção com a delicadeza, fragilidade e complexidade psicológica de suas personagens derrotadas pela mudança dos tempos e vencidas pela circunstancias. Arthur Miller, outro grande autor americano do século XX, ressaltava que a peça era como se fosse um grito de dor. Miller também observa que, com “Um Bonde Chamado Desejo", inaugura-se na dramaturgia norte-americana um tipo de texto que coloca a linguagem a serviço das personagens e não (como até então era feito), a serviço da trama, do desenrolar da historia.
As personagens mostram-se livres em suas falas a ponto de conseguirem expor verbalmente suas contrariedades. As falas expressam o dito e comunicam o não dito.
Tennessee põe nos objetos de cena itens que funcionam como símbolos para o subtexto da peça e deixa para o expectador descobrir outros símbolos e paralelismos,a começar pelo do ‘Bonde, Desejo. “Um Bonde Chamado Desejo”, valeu ao autor o prémio Pulitzer e o ator Marlon Brando personificou como objeto de desejo sexual, que inaugurou na historia dos Estados Unidos o reconhecimento de que existe a luxuria feminina. Com isso, Tennessee teria tocado em um importante tabu da sociedade norte americana daquela época: as mulheres sentem atração sexual pelos homens.
A crítica literária acadêmica coloca Tennessee Wiliams entre os grandes nomes da dramaturgia norte americana do século XX, na companhia de Eugene O’Neill, Arthur Miller e Edward Albee.Gore Vidal nos conta que Tennessee Wiliams (Thomas Lanier Wiliams, 1911-1983) , nascido e criado no sul dos Estados Unidos, tinha em sua família de origem inspiração para a maioria das personagens sobre as quais ele escreveria durante toda a sua carreira de ficcionista: Rose, a irmã que foi submetida a uma lobotomia, e Edwina, a mãe. Que concordou com os médicos que recomendaram a lobotomia da filha.
O pai, Cornelius, extrovertido e alcoolista, sempre brigando com a esposa que, diante de toda e qualquer situação, jamais perdia a pose de uma lady:um pai sempre beligerante em relação ao filho homossexual; um ai que pode ter tentado abusar sexualmente da filha. O avô, Reverendo Dakin, que inexplicavelmente passou para estranhos todo o seu dinheiro (ao que parece chantageado por causa de um encontro que teve com um rapaz), a avó, Rose, como a neta, mulher generosa que tudo aceitava sem questionar.
Em Um Bonde Chamado Desejo, temos na personagem Blanche Dubois uma herdeira de refinamento e da fragilidade de uma aristocracia decadente do sul dos Estados Unidos, a representante de uma linhagem que vive das lembranças de sua velha tradição. Paralelamente a isso, Blanche vive também das lembranças do auge de sua juventude.
Tennessee teria dito ao amigo Gore Vidal que era incapaz de escrever uma historia que não tivesse pelo menos uma personagem pela qual ele sentisse desejo físico. Em Um Bode Chamado Desejo, temos no cunhado de Blanche, Stanley Kowalski, um trabalhador braçal que Blanche descreve como “um animal”. Contudo, vemos que a simpatia do autor não está com o belo Stanley, mas deposita-se em sua vítima, Blanche.
Tennessee põe nos objetos de cena itens que funcionam como símbolo para o subtexto da peça. As coloridas lanternas de papel chinesa fazem um paralelo com a fragilidade de Blanche. O gesto de Stanley, em sua primeira aparição em cena, gritando pela mulher e depois jogando para ela um pedaço de carne, faz um paralelo com seu comportamento não civilizado de homem das “cavernas” ou animal.O escritor utiliza nomes estrangeiros para simbolizar personagens cheios de vida, estabelecendo um contraste com os anglo saxões sexualmente insípidos. O autor indica a influencia do escritor inglês D.H.Lawrence que propõe o sexo como uma ação libertadora do homem e da mulher da sociedade puritana e repressora, inscrevendo, portanto , a sexualidade humana como um agente libertador e político, muito antes das inúmeras revoluções de comportamento durante os anos 1960. desse modo, o estrangeiro pode ser visto como o elemento estranho e perturbador que atrai a mulher norte americana.
Quando a forma, Tenneesse parece valorizar a concentração das personagens em uma determinada crise, em que tudo adquire o valor de uma falsa revelação ou conciliação insatisfatória. A mesma conciliação insatisfatória pode ser encontrada na conclusão de “Um Bonde Chamado Desejo”, quando não há uma indicação precisa de destino de Blanche e das demais personagens.O mistério e um elemento comum na caracterização dramática para que haja a suspensão do espectador na criação das suas expectativas, quanto à cena apresentada no palco.
O autor não se interessa em apontar um culpado para a tragédia de Blanche. A analise critica de uma sociedade corroída pelo egoísmo e pela loucura é o que interessa ao dramaturgo.Na opinião de S.Falk “ T Wiliams é imparcial, pois ele valoriza tanto o homem primitivo quanto a aristocracia decadente. “ o autor teria o habito de se identificar com o ponto de vista das suas personagens femininas, cuja fragilidade opõe-se ao mundo viril dos homens. De qualquer forma, o escritor não está interessado no otimismo ingênuo do norte americano ao valorizar a vitoria de Stanley sobre Blanche, a não ser a derrota coletiva da sociedade incapaz de lidar com as diferenças. A perspectiva temporal de Stanley é típica da sociedade contemporânea, orientada pela mentalidade pratica. O passado da família Dubois não tem valor porque não é mais utilizável, assim com a cultura, a sensibilidade e tantas outras abstrações que não parecem ter serventia para uma sociedade tão preocupada com o lucro.A tragédia de Blanche é muito mais uma tragédia coletiva de que individual, pois ela escancara as estruturas de pode de poder de uma sociedade incapaz de lidar com seus doentes, suas derrotas e perdas pessoais.
Por outro lado, a tragédia de Blanche também pode ser vista como uma falsa tragédia, pois não há catarse possível e não há legitimidade para a personagem nem diante do seu passado, nem diante da sua condição presente de vida.
Não sabemos até que ponto as próprias reminiscências de Blanche são verdadeiras.
Tennessee mostra que Blanche ao executar a tarefa de entreter Mitch em um encontro e fracassa, a personagem reconhece o papel das mulheres na sociedade tradicional que devem satisfazer seus homens a partir de uma representação da mulher frágil e submissa ou entregar-se aos homens como prostituta. Para o patriarcado protestante, há apenas um vértice de representação feminina e este parece oscilar entre a imagem de Santa e da Prostituta.
É interessante rever os sinos da Igreja como o despertar para uma nova consciência da personagem. Blanche ouve os sinos da catedral antes de ir para o hospício.
Podemos concluir que embora Tennessee Wiliams pertença a uma tradição de um teatro calçado no drama familiar, ele buscou analisar o macrocosmo da sociedade de classe media americana a partir do espaço individual. Mesmo quando a família aparece no material apresentado, não é ela, necessariamente que está em foco, e sim as distorções que são produzidas em seu interior pelo sistema ideológico dominante, pela ideologia do sucesso e do consumo.
Tennessee é herdeiro de uma tradição de teatro moderno iniciado por Ibsen, Tchekhov e Strindberg. Ibsen dissecava a sociedade burguesa e apresentava sua decadência moral.Tennessee defendia uma crítica aos padrões estabelecidos pelo “mainstream” que pode ser compreendido como uma representação de valores do patriarcado protestante, cujo ensejo é preservar o direito à propriedade e a manutenção da unidade familiar, sobretudo, desconsiderando o marginalizado, “os perdedores”e os fora do padrão normativo”. Com um material perfeito para um melodrama, o autor frustra as expectativas do público de classe média, quando encerra a maioria de suas peças com um final não conciliador, ou seja, em aberto. Dessa forma, ele lança um olhar crítico e distanciado sobre a sociedade norte americana, uma vez que se recusa a julgar as personagens e estabelecer morais de conduta.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Konstantin S. Stanislavski (1863-1938)

T. Cole e H.K Chinoy

No mundo dos atores, poucos nomes são mais reverenciados do que o de Konstantin Sergeivitch Stanislavski (Alexeiev). Nascido em Moscou, em 17 de janeiro de 1863, numa família de comerciantes ricos, sua vida inteira foi devotada ao teatro. Quando criança aparecia em representações teatrais amadoras realizadas no teatro particular de sua casa de campo. Apaixonado pelo palco, estudou a fundo a arte de interpretar com grandes atores russos como Sadovski, Maria Savina e Iermolova.

Influência

Foi durante esse período que o ator italiano Ernesto Rossi teve grande influência na formação dos conceitos de interpretação de Stanislavski, descritos por ele em "Minha vida na arte". Escrevendo sobre o trabalho de Rossi no papel de Romeu, Stanislavski diz: "Ele representou sua imagem interior de forma perfeita". Essa idéia maravilhosa que requer do ator "retratar o que há de melhor e mais profundo em seu espírito criativo, armazenar em si um grande conteúdo interior e identificar esse conteúdo com a vida espiritual do personagem que está representando" tornou-se a pedra fundamental do sistema Stanislavski.

Busca

Em 1888, Stanislavski, junto com outros partidários do teatro de vanguarda formou a Sociedade Literária e Artística. Como ator e produtor, Stanislavski começou sua busca por um teatro que banisse do palco o artificialismo. A Sociedade fundou o Teatro de Arte de Moscou e preparou o caminho para a futura associação artística com Nemirovitch-Dantchenko.

Repertório

Como produtor e diretor artístico do Teatro de Arte de Moscou, Stanislávski encenou mais de 50 peças de autores como Ostrovski, Tchecov, Maeterlinck, Goldoni, Ibsen e Tolstoi. Em 25 anos representou um grande número de papéis memoráveis, tais como Uriel, em "Uriel Acosta"; Astrov, em "Tio Vânia"; Stockman, em "Um inimigo do povo"; Verchinin, em "As três irmãs";Gaiev, em "O jardim das cerejeiras".

Singularidade

Stanislavski não foi um teórico sistemático, mas um questionador pragmático cujos livros, ensinamentos e produções revelaram, por inteiro, toda a sua busca pela verdade na arte. A singularidade de sua abordagem é formulada de forma clara pelo norte-americano Lee Strasberg, diretor e professor de teatro: "O sistema de Stanislavski representa um corte abrupto com o ensino tradicional e um retorno às verdadeiras experiências teatrais. É uma tentativa de analisar o que realmente acontece quando um ator representa. Teatro e atores diversos realizaram trabalhos de extrema importância com base em princípios propostos por Stanislavski. Esses trabalhos nunca são cópias ou imitação uns dos outros, mas realidades criativas originais. Tal é o propósito do sistema de Stanislavski, que ensina não como interpretar este ou aquele papel, mas sim como criar organicamente".

Fragmentos

Stanislavski não vivei para concluir a extensa obra sobre a arte de representar que havia planejado. Ao morrer deixou anotações e fragmentos esparsos. O governo soviético designou uma comissão especial para organizar os 12 mil manuscritos deixados por ele. Sete volumes dos oito que constituem as "Obras completas" de Stanislavski foram agora lançados em russo; eles apresentam todas as mudanças por que passaram suas idéias. Em inglês a evolução do seu sistema é contada em três volumes: "A preparação do ator", "A construção do personagem" e "A criação de um papel", todos publicados e traduzidos por Elizabeth Reynolds Hapgood, todos já traduzidos em português. Em "A criação de um papel", a ênfase do autor sobre as ações físicas trouxe uma mudança na compreensão do método.
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( Cadernos de Teatro, nº 126/1991, edição já esgotada).

terça-feira, 26 de maio de 2009

MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO - MIT 2009


Centro Cultural Banco do Brasil reúne espetáculos de alguns dos mais importantes grupos da
Argentina, Itália, Rússia e Espanha.


Realizada desde 1995 pelo Centro Cultural Banco do Brasil – em parceria com o Festival Internacional de Londrina (FILO) – a Mostra Internacional de Teatro – MIT 2009, que já trouxe importantes grupos do teatro mundial como Odin Teatret, da Dinamarca, Peter Brook, da França, La Tropa, do Chile, e Akhe Group, da Rússia, inicia sua quinta edição no Rio de Janeiro, no dia 05 de junho, no Teatro I do CCBB.


Para essa edição, a mostra reúne espetáculos de linguagens bastante diversas, mas que apresentam um ponto em comum: todos investigam questões relacionadas à convivência do ser humano consigo mesmo e com os outros. O espetáculo de abertura, Semianiky, da Rússia, apresenta o trabalho clownesco do renomado Teatr Licedei, nos dias 5, 6 e 7 de junho.

Na semana seguinte, La Omissión de la Familia Coleman, da companhia Timbre 4, da Argentina, traz uma tragicomédia sobre a incapacidade de convivência, nos dias 12, 13 e 14.

Na terceira semana, a fisicalidade do grupo espanhol loscorderos s.c., apresenta Crônica de José Agarrotado, nos dias 19, 20 e 21. E, fechando a mostra, nos dias 26, 27 e 28, será a vez de Pépé e Stela, um belo e profundo trabalho do Teatro Gioco Vita, da Itália, que conta, na linguagem do teatro de sombras, a história de amizade entre um menino e um cavalo.

Sob a curadoria de Luiz Bertipaglia, o evento ficará em cartaz no Teatro I, de sexta a domingo, às 19h30. A mostra acontece também no CCBB de Brasília.


ESPETÁCULOS:

· A OMISSÃO DA FAMÍLIA COLEMAN – Cia Timbre 4 (Argentina)

Uma família argentina de classe média baixa atravessa uma situação econômica muito difícil. Memé, a mãe, é muito infantil para lidar com tudo o que enfrenta, os seus filhos, quatro jovens adultos, têm, cada um, seus próprios problemas, e a avó é a autoridade moral da casa. A vida vai correndo com normalidade até ao dia em que a avó fica doente. No hospital, todos aproveitam para se aquecer, comer, tomar banho porque em casa já não é possível. Os conflitos acentuam-se e a família Coleman vai debatendo-se entre o absurdo do cotidiano e a violência. O humor é negro e corrosivo e vai levar o espectador a reconhecer nos Coleman algumas de suas próprias tragédias familiares.

A Família Coleman vive no limite da dissolução, uma dissolução evidente, mas secreta; convivendo numa casa que os contém e detém, construindo espaços pessoais dentro de espaços compartilhados, cada vez mais complexos de conciliar, os Coleman traduzem, com muita graça, situações contemporâneas. Uma convivência impossível, na qual a violência se instala como natural e patética e onde se ignora o outro.

A OMISSÃO DA FAMÍLIA COLEMAN é a primeira obra do autor e encenador Claudio Tolcachir, conhecido pelo desempenho como ator no filme O Passado, de Hector Babenco.

Ficha técnica
Texto e direção: Claudio Tolcachir
Intérpretes: Jorge Castaño, Araceli Dvoskin, Diego Faturos, Tamara Kiper, Inda Lavalle, Miriam Odorico, Lautaro Perotti, Gonzalo Ruiz
Assistência de direção: Gonzalo Ruiz e Macarena Trigo
http://www.alternativateatral.com/critica115-la-omision-de-la-familia-coleman



· PEPE E STELLA – Teatro Gioco Vita (Itália)
Uma trupe italiana e o texto de uma sueca que está entre as maiores escritoras contemporâneas de literatura infantil. Uma linda história de amizade entre uma criança e um cavalo de circo que tem o sopro e a universalidade do mito. Uma Odisséia de bolso que fala de separação, espera e retorno, na qual o cavalo Stella, consegue salvar-se do matadouro, atravessar a morte e enfrentar milhares de outros perigos. Uma viagem ao desconhecido, traçada pelas estrelas, que conduz nossos dois heróis a deixarem para trás a potência da infância em nome da frágil beleza da vida de um homem.

Entre Pepe e Stella, nascidos na mesma noite, no grande circo da cidade, uma amizade indestrutível é forjada. Uma amizade de um tipo muito especial, levando o menino e o cavalinho a trabalharem juntos numa atração circense. Inseparável, o duo partilha tudo: jogos e números cada vez mais perigosos. Até que um dia, no momento de executar o número, o cavalo Stella tem medo e fraqueja. É quando o diretor do circo decide desfazer-se do animal. Começa então uma longa jornada de Stella ao desconhecido, uma sucessão de aventuras pelas quais terá de passar para finalmente reencontrar seu amigo.

A história foi escrita por uma das mais importantes autoras de literatura infantil no mundo contemporâneo, a sueca Barbro Lindgren. Seu leve toque dá graça e poesia à história simples de uma amizade, com uma trama cheia de idéias e emoções fortes. As sombras do Teatro Gioco Vita restituem a delicadeza de cada cena, sempre suspensa entre o real e o fantástico.

O Teatro Gioco Vita (de Piacenza, Itália) é um dos responsáveis pela renovação do teatro de sombras na Europa. A companhia nasceu como Teatro Estável e Centro de Produção, Promoção e Pesquisa Teatral no campo da experimentação e do teatro para a infância e a juventude. O grupo se formou em Turim no final dos anos 1960 e transferiu-se para Piacenza em 1976, onde funciona até os dias atuais.

Ficha técnica
Direção: Fabrizio Montecchi
Formas: Nicoletta Garioni
Música: Michele Fedrigotti
http://www.teatrogiocovita.it/


· SEMIANYKI (A FAMÍLIA) – Teatr Licedei (Rússia)

Mais recente espetáculo do grupo de clown russo Teatr Licedei, criado em 1968 pelo grande Slava Polunin e considerada a mais importante companhia de teatro-clown da Rússia. SEMIANYKI (A FAMÍLIA) é uma tragicomédia sobre uma família desestruturada e marginal. A história começa com o pai ameaçando a mãe de abandona-la quando está grávida do seu quinto filho ou filha. É o retrato de uma família enlouquecida, uma luta incessante de poder entre um pai alcoólatra que constantemente ameaça largar mulher e filhos, a ponto de deixar as crianças loucas e querendo matar seus pais pelo simples fato de existirem.

Todos estes acontecimentos terminam com um final sublime e feliz, explorando um mundo em colapso, esmagado entre um parto eminente e a volta ao lar do pai pródigo: “A Família supera o caos total e a vida continua!” Loucura poética, fúria criativa, humor corrosivo são características da encenação, que prescinde da palavra como forma de comunicação. A peça aposta na linguagem dos palhaços e homenageia estes artistas misturando o tradicional e o contemporâneo, sem deixar de aprofundar-se na maravilhosa sensibilidade russa.

O Teatr Licedei tem muitos anos de estrada. Foi criado a partir de um espetáculo do mesmo nome (que traduzido significa literalmente mímica), em 1968, na antiga Leningrado, como o primeiro teatro russo de clowns e marionetes por Slava Polunin, considerado por muitos como o maior palhaço do mundo e responsável por alguns dos mais prestigiados números de clown do Cirque du Soleil.

Ficha técnica
Direção artística e cenografia: Boris Petrushansky
Intérpretes: Olga Eliseeva, Alexandr Gusarov, Kasyan Ryvkin, Marina Makhaeva, Elena Sadkova, Yulia Sergeeva
http://www.licedei.com/


JOVEM PRÍNCIPE E A VERDADE – Studio Théâtre de Stains (França)

Espetáculo criado sobre roteiro de Jean-Claude Carrière, conhecido roteirista, diretor, dramaturgo e escritor de cinema e encenado pela Studio Théâtre de Stains, companhia atuante em Paris desde 1984. Um conto filosófico atemporal, baseado nas fontes da sabedoria universal. Uma oportunidade de abordar questões sobre a exploração da história dos outros e da nossa própria história.

A encenação utiliza a linguagem do teatro de máscaras e de marionetes para falar da eterna busca do homem pela verdade. Um jovem príncipe se apaixona pela filha de um camponês. Mas este promete lhe dar a mão da filha apenas se o pretendente encontrar a Verdade. Começa assim uma longa viagem através do mundo, e além dele até... Encontrar a verdade é a ambição do jovem príncipe, mas é projeto tão grande que irá se revelar impossível.

Nesta encenação, marionetes e máscaras são bastante assustadoras. São caricaturas de personagens e ilustram, de forma muito assertiva, uma crítica à gente mentirosa e egoísta com a qual as pessoas se deparam no cotidiano: o juiz incompetente, os cozinheiros trapaceiros e vários outros que conhecemos por aí. O JOVEM PRÍNCIPE E A VERDADE apresenta uma visão um tanto obscura da sociedade, talvez até pessimista, que confronta a eterna busca humana pelo conhecimento e o encontro de cada pessoa consigo mesma. A cenografia é composta de malas, um símbolo da viagem através do mundo, da descoberta do conhecimento, que todo homem busca e ninguém nunca encontra.

Ficha técnica
Roteiro: Jean-Claude Carrière
Encenação: Marjorie Nakache
Intérpretes: Pauline Delerue, Xavier Marcheschi, Sonja Mazouz, Marjorie Nakache, Béatrice Ramos
Cenário e máscaras: Geneviève David
Concepção de marionetes: Alexandra Shiva-Mélis - Marionetes: Pauline Delerue
http://www.studiotheatrestains.fr/

domingo, 24 de maio de 2009

A Arte Poética de Aristóteles

Em sua Arte Poética, Aristóteles introduz um conceito moderno de ação dramática como “[...] a imitação de uma ação nobre e eminente que tem certa extensão, em linguagem adequada [...] cujas personagens atuam [...]”.
Homero desenvolveu múltiplas situações dramáticas em cada uma das suas obras épicas. Segundo Doc Comparato, as obras homéricas são precursoras na utilização de recursos como o flash-back, que faz recordar Ulisses e narrar suas aventuras; ou o suspense, que interrompe, no Canto XIX, uma situação-limite – se antiga ama-de-leite o irá reconhecer e, talvez denunciar –, intercalando com outra história, a da cicatriz, que irá fazer com que ela efetivamente o reconheça e identifique.Sob o ponto de vista estético e teórico, Aristóteles, em sua Poética constitui um ponto de reflexão obrigatória para o estudo da dramaturgia.
Está na raiz de tudo o que se sabe sobre a arte de escrever para o teatro.
A Arte Poética chegou ao século XVI bastante mutilada. Perdeu-se o capítulo II, que, muito provavelmente falava a respeito da comédia, mas os 26 capítulos da obra, como um todo tem capital importância para a dramaturgia universal, para a história do pensamento e da crítica literária.
É o primeiro documento do ocidente, ao menos, que se tem notícia a oferecer-nos parâmetros específicos de construção literário-dramática.
Ainda que repouse sobre o texto de Aristóteles, os equívocos cometidos pelos seus intérpretes, sobretudo os franceses dos séculos XVII e XVIII que, durante o neoclassicismo francês se apropriaram das supostas unidades de ação, lugar e tempo, presentes na Poética e a usaram, como um modelo a ser seguido.
Em resumo, o livro se propõe a estabelecer uma introdução geral sobre a essência da poesia, seus diferentes gêneros, suas origens psicológicas, a história de seus inícios; procura estabelecer uma teoria da tragédia; fragmentos de uma teoria da epopéia e uma comparação entre epopéia e tragédia.
São idéias principais do livro: a idéia de que a poesia é uma imitação pela voz e distingue-se assim das artes plásticas que imitam pela forma e pela cor; a dança que imita pelo ritmo; a tragédia e a comédia que imitam pelo ritmo, pela linguagem e pela melopéia (Entre os gregos, a arte de compor melodias, mediante a utilização de seus elementos: sons, intervalos, modos, tons de transposição).
Segundo Aristóteles a arte imita “os caracteres, as emoções e as ações”. Entre as instituições, o drama, melhor que outra qualquer, reproduz a ação. Os caracteres pintados classificam-se em bons e maus, preocupações morais, importantes para Platão, mas nem tanto para Aristóteles, que não as subordina a arte, mas também não a dissocia. As imitações dividem-se em imitações narrativas e em imitações dramáticas.
No drama, a ação é imitada pelas próprias personagens, daí resultam diferenças entre a poesia épica e a tragédia. Embora ambas tratem de assuntos sérios em metros grandiosos, a epopéia dispõe de um só metro, apresenta-se como narrativa, não está sujeita a qualquer limite de tempo, ao passo que a tragédia procura manter-se, tanto quanto possível, nos limites de uma revolução solar, ou pouco mais ou menos. Eis, talvez aí uma justificativa para a idéia da regra de “unidade de tempo”. A unidade de lugar não está posta, com maior precisão, na Arte Poética. Enfim, o que Aristóteles afirma é que as partes constitutivas da tragédia e da epopéia são distintas.
Há uma definição de tragédia que consiste na imitação de uma ação em sua natureza íntima, seu fim, seus elementos, com princípio, meio e fim. Ação essa que deve comportar certa extensão. Seu objetivo é a catarse, ou mais ou menos obter, por meio de compaixão ou temor, a purificação da emoção teatral.
Para Aristóteles o dramático é uma relação de fatos e acontecimentos, entre causa e efeito, encadeados segundo uma ordem criada pelo autor.
Ele divide o drama em seis elementos essenciais: alma ou intriga, personagem, idéia ou pensamento, dicção ou diálogo, melodia ou música, e espetáculo. A alma, o primeiro e mais importante elemento da tragédia, é a composição dos feitos que formam a história. É o como vamos desenvolver a ação dramática. Ele fala também de fábula e de forças motivadoras, mas o núcleo, o mais importante é este como. O personagem vem a ser algo assim como a personalidade e aplica-se às pessoas com um caráter definido que aparecem na narração. Para Aristóteles, os traços da personalidade não estavam necessariamente dentro da ação que o autor idealizava, muitas vezes, se construía a posteriori. Henry James dizia que uma personagem nada mais era do que a determinação de um incidente e que um incidente nada mais era do que a ilustração de uma personagem.
Para definir o herói trágico, Aristóteles apóia-se no Rei Édipo, entre outras tragédias, na qual substancia sua definição da seguinte maneira: “permanece entre os casos extremos o herói colocado numa situação intermediária: a do homem que, sem se distinguir por sua superioridade e justiça, não é mau nem pervertido, mas cai na desgraça devido a algum erro. É o caso de homens no apogeu da fama, e da prosperidade, tais como Édipo ou Tiestes ou os membros célebres de semelhantes famílias”. Nota-se que, em termos de comparação, Aristóteles dá preferência à tragédia do que a epopéia.
São três os aspectos da doutrina aristotélica: a teoria da imitação; a catarse; e, as regras das unidades (atribuídas a Aristóteles).Aristóteles define a arte como “uma disposição suscetível de criação acompanhada de razão verdadeira”. Não confunde ação com moral interna, cujo fim está na pessoa. A arte tem seu fim numa obra exterior ao artista.
A arte imitativa escolhe reproduzir o geral e o necessário; sob as aparências exteriores, ela descobre a essência interna e ideal das coisas “tais quais são ou parecem ser ou tais quais devem ser; ela completa assim a natureza que muitas vezes não conclui sua obra”.
A tragédia, pela imitação dos caracteres e das paixões, valendo-se do concurso da música, do canto, da dança e do espetáculo, pretende provocar um prazer que lhe é próprio, incutindo no ânimo do espectador o temor e a compaixão. Aristóteles investiga as condições em que este resultado é mais seguramente obtido; como técnico, estuda a construção das obras que melhor asseguram tais sentimentos. Da mesma forma que a música apaixonada, a tragédia bem concebida deve provocar no espectador um gozo, que no final do espetáculo deixe a impressão de libertação e calma, de apaziguamento, como se a obra tivesse dado ocasião para o escoamento do excesso de emoções.
A Poética está longe de ser uma teoria geral da poesia em geral , mas marca o começo da libertação de dois erros: tendência a confundir os juízos estéticos com juízos morais e tendência de considerar a arte uma simples reprodução ou fotografia da realidade.
Ainda sobre a “Poética” de Aristóteles, a que se esclarecer que no que diz respeito à unidade de lugar, nada é dito. No que diz respeito à unidade de tempo, Aristóteles sugere que os dramaturgos gregos posteriores, - excluindo Ésquilo, certamente -, tendiam a confinar a ação a “uma revolução solar”. Sublinhou apenas a natureza orgânica do drama, ou, melhor dizendo, a unidade de ação, isto é, a trama.
A Poética chegou ao período moderno de forma fragmentária, e as suas supostas unidades de tempo, lugar e ação foram desenvolvidas, sobretudo, durante a Renascença. Foram impingidas ao teatro europeu pelos eruditos da época, influenciadas, muito mais pela prática de Sêneca e dos escritores romanos de comédia, do que propriamente por Aristóteles. E, na França do século XVII, pelas máximas criticas de Racine, e de outros dramaturgos franceses.
Aristóteles sublinhou que nossas simpatias, na tragédia, poderiam ser melhor conquistadas por uma personagem que não fosse de todo má (de forma que podemos identificar-nos com ela em vez de descarta-la como uma monstruosidade). O herói trágico tenderia a constituir-se num ser humano aceitável se não estivesse sob pressão, mas sofre de um defeito ou falha de caráter, cujo resultado é alguma ação que leva à tragédia. Esse defeito ou falha (poderia acrescentar que, como no caso de Antígona, pode ser até um excesso de virtude), é chamado por ele de hamartia.
Aristóteles percebeu o quanto o efeito visual, ou, o espetáculo, era importante. E esse espetáculo - A peça - mostrava uma história diretamente a uma platéia. E o teatro grego fez uso abundante do espetáculo. Aristóteles considerava o ”espetáculo” subordinado aos elementos dramáticos intrínsecos de uma peça. Na tragédia genuína, temos pena de uma personagem verossímil que sofre por um engano ou ato de violência compreensível, experimentamos medo porque este ou outro mal semelhante poderia ter recaído sobre nós em circunstancias semelhantes. É o problema de como o suscitar da piedade e do temor pode liberar-nos, que está sujeito a diversas explicações. E aí, nem o próprio Aristóteles é explicito neste ponto.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Ator e método

Eugênio Kusnet

Podemos dizer que as quatro características fundamentas da ação - tanto na vida real, como em teatro - são as seguintes:

1) A ação sempre obedece à lógica.

2) A ação é sempre contínua e ininterrupta.

3) A ação sempre tem, simultaneamente, dois aspectos: ação interior e ação exterior.

4) Não existe ação sem objetivos.

O conhecimento dessas características é de extrema importância no trabalho do ator. Mas o conhecimento teórico não basta, é preciso saber utilizá-lo na prática quando começamos a trabalhar com um determinado material dramatúrgico, seja ele um simples exercício ou um complicado papel numa determinada peça.
Por onde vamos começar?
Já sabemos que no palco devemos agir em nome do personagem; que devemos aceitar, como se fossem nossos, tanto a situação em que o personagem se encontra como também os objetivos de sua ação. Mas para começar a agir no lugar do personagem é necessário, em primeiro lugar, estabelecer com a máxima clareza quem é o personagem, quais são suas características. Como ele é? Bom, mau, jovem, velho, inteligente, burro? Onde ele vive e para que vive?
E, principalmente, o que ele quer?

Resposta
A resposta para tudo isso pode ser encontrada, em parte, no material dramatúrgico com o qual estamos trabalhando. Este material, cujos componentes devem ser cuidadosamente analisados e selecionados, servirá de base para o nosso trabalho. No método de Stanislávski ele é denominado com o termo Circunstâncias Propostas. Para nós, atores, esse termo significa a verdade, a realidade da vida do personagem nas situações que o autor da obra dramática nos propõe. Portanto, não se trata da verdade da vida real e sim da “verdade cênica”, especificamente teatral como o é a “fé cênica”.
A mesma verdade da vida real, isto é, a realidade objetiva, pode ser interpretada e apresentada por dois artistas de maneira muito diferente, sem que essa diferença prejudique a “verdade artística”, ou seja, a realidade subjetiva de cada um deles. Assim, quando encontramos um cavalo vivo, esse “mamífero doméstico solípede”, cujas especificações ninguém discute por achá-las óbvias, estamos diante de uma realidade objetiva.
Entretanto, quando apreciamos, por exemplo, os quadros de Delacroix com seus famosos cavalos fogosos e, em seguida, vemos Guernica, de Picasso, com aquele cavalo mutilado pelo terror, há enorme diferença entre os dois, e ainda maior diferença entre eles e um cavalo real. Mas isso não nos impede de aceitar a “verdade artística”, isto é, a realidade subjetiva dos dois pintores.
Assim, o problema do ator é descobrir nas Circunstâncias Propostas a sua verdade artística.

Detalhes
Eu disse acima que a resposta às nossas perguntas sobre a natureza da ação do personagem pode ser encontrada, em parte, no material dramatúrgico. Disse “em parte” porque geralmente os dramaturgos são muito econômicos em suas explicações. Eles preferem deixar os detalhes à nossa imaginação para não limitar a nossa criatividade. Se numa peça encontramos, por exemplo, a seguinte rubrica:
João (Entrando) - Bom dia!”, nunca podemos nos limitar a executar a ação como está escrito: entrar e dizer bom dia. Precisamos imaginar de onde João entra, o que aconteceu com ele antes, o que ele quer. Porque o “bom-dia” pode ser dito a uma pessoa a quem o João traz um presente ou a quem ele vai matar logo em seguida.
Quantas vezes, em grandes teatros, uma omissão nas Circunstâncias Propostas mudava todo o sentido de uma cena, de um ato ou até mesmo da peça inteira! E não somos apenas nós, pobres mortais, que cometemos esses erros - os grandes mestres também os cometiam. Stanislávski conta que num dos ensaios de Tio Vânia, de Anton Tchekhov, o autor ficou indignado quando soube que o intérprete do papel- título estava vestido como um homem do campo (Stanislávski o imaginou assim porque ele era um administrador de fazenda). Tchekhov disse: “Mas eu expliquei isso tão claramente! E vocês não entenderam nada”. Mostrou, em seguida, uma frase no meio da qual havia a rubrica: Endireita sua gravata fina. Realmente, daí se deveria concluir que Vóisnitski não podia ter aspecto nem hábitos de um grande camponês, o que é de enorme importância para a peça inteira.
Assim, Stanislávski confessou sua omissão e com isso deixou de completar as Circunstâncias Propostas com sua imaginação.

Imaginação
Mas vejamos um exemplo bem simples de como deve funcionar a imaginação de um aluno num exercício com as Circunstâncias Propostas.Digamos que ele receba como tema do exercício o seguinte: “Eu vou pedir dinheiro emprestado a um amigo”. Só isso, nenhum outro detalhe. Para executar essa ação sem nenhum trabalho preparatório, o aluno diria: “Ó Fulano, quer me emprestar cem mil cruzeiros?”. A não ser a estranha leveza com que o personagem pede uma bolada dessas, nada de interessante encontramos nessa ação. Em vez disso, o aluno deve completar as circunstâncias tão vagas com sua imaginação, dentro das características da ação, que há pouco verificamos. Ele raciocinará da seguinte maneira:

1) A lógica da ação. “Ao imaginar tudo o que podia ter acontecido com o personagem e o que o levou a pedir dinheiro, tomarei o máximo cuidado para evitar toda e qualquer lógica”.

2) Ação contínua, ou seja, ação anterior e ação posterior. “Agora eu vou imaginar o que aconteceu: o personagem tirou cem mil cruzeiros do caixa do banco onde trabalha e deve depositá-los novamente amanhã, na primeira hora, senão será preso”. (Notem que o seu “ontem” é: “tirei o dinheiro”; o seu “amanhã”: “serei preso”; o seu “hoje”: “estou pedindo dinheiro emprestado”.Estará tudo certo do ponto de vista da lógica? Parece que sim. E ele continua:

3) Ação interna. “O personagem tem medo do que possa acontecer, mas embora ansioso por conseguir o empréstimo, não deve deixar o amigo adivinhar do que se trata, porque este seria capaz de denunciá-lo”.

4) Ação externa. Por isso o personagem procura parecer muito calmo, pensando: “Afinal de contas, não é uma coisa tão grave! Eu sei que vou me safar”.

Mas, e a lógica? Desta vez ela parece um pouco manca: como pode ele parecer muito calmo ao pedir um empréstimo de cem mil cruzeiros? Mas é exatamente essa calma que poderia parecer suspeita. Então o personagem não deve procurar esconder a sua excitação, mas deve inventar uma razão plausível para justificar o seu nervosismo. Por exemplo: uma grande oportunidade comercial que ele perderia se não conseguisse esse dinheiro imediatamente.

5) Objetivo da ação. “Sei que o objetivo da ação do personagem deve ser bastante atraente para excitar a minha imaginação. Se eu estivesse no lugar do personagem, que fato poderia induzir-me a roubar uma importância tão grande? Já sei! O personagem tomou esse dinheiro para salvar a vida de sua mãe que está à morte e deve ser operada por um médico muito caro. Se o personagem for preso, essa desgraça vai matar a sua mãe”.

Vejam como o sentimento filial, próprio de todos os seres humanos, criou a necessária atratividade do objetivo. E quanto à lógica, há alguma falha? Parece que não.
É claro que muitos outros detalhes, que deixo de procurar para não fugir da simplicidade do exemplo, entrariam no jogo, mas digamos que o trabalho com as Circunstâncias Propostas seja considerado completo. Que fazer agora? Como assumir os problemas e os objetivos do personagem? Stanislávski oferece um elemento do Método que ele chama de o mágico “SE FOSSE”.Uma vez estabelecidas, analisadas e selecionadas as Circunstâncias Propostas, como no nosso exemplo, o aluno se perguntaria: “E se eu fosse aquela pessoa? Se a minha mãe estivesse à morte? Se o único lugar onde pudesse arranjar dinheiro na hora fosse o caixa do banco? Etc., etc., etc.,... como eu iria agir?”. Stanislávski chama esse “SE FOSSE” de mágico porque ele quase que automaticamente desperta a VONTADE DE AGIR.

Sensação
Para experimentar a sensação ao usar o mágico SE FOSSE, basta que o leitor repita os pequenos exercícios citados anteriormente, mas desta vez, só depois de estudar as Circunstâncias Propostas e completá-las com a sua imaginação. Não comece antes de pensar sobre o que se segue:

1) Como eu me comportaria, ao atravessar uma rua, se fosse cego?

2) Que faria eu se fosse pai (ou mãe) de uma menina raptada, que leva o dinheiro do resgate?

3) Que pensaria eu se estivesse acompanhando de longe o enterro de uma pessoa muito querida?

4) Se eu, extremamente cansado, fosse obrigado a divertir alguém, como contaria uma piada?


Nessas condições, você sentirá muito mais vontade de agir do que nas experiências anteriores.
Nunca é demais insistir em esclarecer o verdadeiro significado de certos termos do Método. Stanislávski foi freqüentemente acusado de procurar impor ao ator a aceitação total da realidade da vida do personagem, aquela mística metamorfose do ator em personagem.
O próprio Bertold Brecht fez essas acusações. Mas se isso fosse verdade, Stanslávski usaria no seu Método o termo “EU SOU” e não “SE EU FOSSE”. Esse condicional é muito significativo. Ele presume a aceitação simultânea da realidade - eu, o ator que sou - e do imaginário – o personagem que eu, o ator, poderia ser.
Ainda em 1937, quando essa dúvida pairava no mundo inteiro, o famoso ator do elenco do teatro de Stanislávski, L.M.Leonidov, num encontro com os elencos dos teatros de Moscou deu uma idéia bastante clara sobre esse problema. Ele disse:
“Seria um verdadeiro absurdo se eu dissesse: Eu, Leonidov, sou o governador da cidade (um personagem de O inspetor Geral, de Gógol ). Eu sou simplesmente Leonidov. Mas o que importa é o que eu faria se fosse o governador da cidade”.Mas tarde veremos como o termo SE FOSSE é interpretado e denominado pela psicologia científica moderna. Por enquanto, usaremos os termos como os encontramos no Método dando apenas esclarecimentos necessários para evitar que haja uma interpretação errônea do seu significado.

Vontade
Dissemos acima que o uso do mágico SE FOSSE normalmente desperta a vontade de agir. Mas digamos que isso não aconteça, que, apesar da máxima boa vontade, o leitor não consiga imaginar o que ele faria se fosse...etc.etc.
Creio que isso só poderia acontecer se o leitor não soubesse usar a sua imaginação, ou melhor, se ele interpretasse mal o significado da palavra imaginação.
O que significa imaginar coisas?
Vamos recorrer a um exemplo prático. Você poderia imaginar sua viagem à lua? Não deve ser difícil – você deve ter visto em fotografias ou em cinema as astronaves, tanto em vôo como em terra firme, e não deve ter dificuldade em imaginar os detalhes. Você está dentro da cabine. O foguete acaba de partir.
Conte o que é que você está vendo! Para avivar sua imaginação, peça que alguém lhe faça perguntas sobre a sua viagem: o que está vendo dentro da cabine? O que está vendo pela janela? etc., e responda com o maior número possível de detalhes. Desta maneira você constatará que imaginar (como você acaba de fazer) significa ver as coisas ausentes, inexistentes ou irreais, contanto que as veja mentalmente.

Experiência
Vamos fazer mais uma pequena experiência. Olhe para um objeto, um rádio, por exemplo, e, sem tirar os olhos dele, responda a uma série de perguntas feitas por um amigo seu, como, por exemplo, essas: “De que cor é o rádio? Tem algum detalhe em outra cor? De que material é feito? Para que serve aquele botão à esquerda?”. Nessas condições, ao responder a essas perguntas, você dirá o que perceberá através da sua visão física.
Logo em seguida, o seu amigo deverá passar para uma outra série de perguntas que você terá que responder também sem tirar os olhos do rádio: “Onde foi fabricado esse rádio? É uma fábrica brasileira ou estrangeira? Como é essa fábrica? Como é a sala em que se montam os rádios? Quem está trabalhando na montagem? Como estão vestidos os operários? De que cor são os macacões? etc.
Desta vez, ao responder, você estará falando não sobre o que estiver presente diante dos seus olhos - o rádio – e sim sobre o que você imaginou ao ouvir a pergunta, ou seja, sobre o que você viu mentalmente naquele momento.
Se o seu amigo de repente perguntar: “Este rádio tem algum defeito na pintura?”, você constatará que, para responder a esta pergunta, será necessário um pequeno lapso de tempo para tornar a ver o rádio que, embora sempre presente diante dos seus olhos, você quase não enxergou enquanto seu amigo lhe fez perguntas sobre a fábrica, os operários, etc.
Constatamos, portanto, que vendo as coisas imaginárias, irreais, deixamos de ver as coisas reais que estão diante de nós, e vice-versa: basta prestar atenção às coisas físicas para que desapareçam as coisas imaginárias. Isso nos mostra que podemos manobrar a visão física à nossa vontade, no sentido de transformá-la em visão interior. Desta maneira, a nossa imaginação adquire agora um aspecto menos abstrato, mais palpável para nós atores: imaginar significa ver de maneira concreta o que nos é oferecido nas Circunstâncias Propostas.

Visualização
Essa maneira de usar a “visão interna” Stanislávski chama de Visualização.Depois de recorrer ao mágico SE FOSSE e de se perguntar “Como eu estaria agindo nessas condições?”, o ator vai procurar visualizar essa ação. Gostaria de dar um exemplo de como se processa o uso desse elemento do Método no trabalho prático de um teatro.
O ator Renato Borghi, na primeira peça encenada no Teatro Oficina, A vida impressa em dólar, fez o papel de Ralph Berger, filho de uma família judia muito pobre. O personagem, apesar de estar ganhando um pequeno ordenado, nunca tem um vintém no bolso - ele entrega tudo que ganha à mãe. O intérprete do papel, filho de uma família abastada, nunca teve dificuldade financeira como, por exemplo, o problema de levar sua namorada ao cinema, enquanto que Ralph Berger nunca teve dinheiro para oferecer à sua noiva um pequeno divertimento como esse. Para fazer esse papel o Renato, rico, deve aceitar as circunstâncias em que vive o Ralph, pobre. Como estaria agindo o ator SE FOSSE POBRE?Para entender a situação em que se encontra o personagem resolvemos improvisar uma cena fora da ação da peça.
Imaginamos um encontro de Ralph com a sua noiva na rua. Durante o passeio, a noiva de repente diz: “Ralph, leve-me ao cinema”. Eu perguntei a Renato Borghi: “Que faria se fosse Ralph?”Antes de responder, Renato visualizou - conforme explicou mais tarde - o pobre rostinho de sua noiva, visualizou a rua em que estava morando, visualizou os seus bolsos vazios, chegou a “ver” uma curva da rua e, de repente, agiu como Ralph Berger. Ele não teve coragem de confessar sua pobreza, preferiu mentir e disse: “Vamos ao cinema amanhã, está bem?
Porque hoje...eu me lembrei agora - quantas vezes eu queria lhe mostrar a vista maravilhosa que se abre daquela curva, e sempre me esquecia! Vamos dar um passeio, você vai ver que maravilha!”.Através desse pequeno “laboratório” o ator descobriu o que ele faria se fosse o personagem.O importante nesse exemplo é que, dentro de sua visualização, Renato se viu no lugar de Ralph; não o viu com os olhos de um espectador, e sim se viu agindo no lugar de Ralph. A isso nós chamamos de Visualização Ativa, para diferenciá-la de uma simples contemplação da ação alheia.

Cuidado
É preciso tomar muito cuidado para não confundir as duas.Lembro-me de um aluno que, durante um exercício para o qual ele escolheu uma cena de ciúme, procurou pôr em prática o uso da visualização. O resultado foi mais do que lamentável: o seu “terrível” amante ciumento não passava de uma ridícula caricatura que fez rir todos os seus colegas da turma.
Diante desse resultado eu afirmei que ele não tinha visualizado coisa alguma. Para me provar o contrário, ele jurou que “tinha visualizado o personagem com tanta clareza que até podia ir tomar café com ele!”.Vocês compreenderam? Esse “Otelo” produzido pela sua imaginação, ou seja, visualizado por ele, vivia completamente à parte, e ele, o aluno, não passava de um simples espectador que, depois de observar (contemplar) a ação do personagem, em vez de, ao menos, responder à pergunta “Que faria eu SE FOSSE esse homem ciumento?”, resolve simplesmente macaquear o seu comportamento. Daí o ridículo do resultado desse exercício.
E agora, para dar um exemplo diametralmente oposto ao anterior, gostaria de exemplificar o efeito do uso da visualização sobre o trabalho de uma grande atriz. Refiro-me à Greta Garbo.

Consciência
ive muita sorte em regravar um disco norte-americano que, na época, não se encontrava no Brasil. Esse disco continha trechos principais dos filmes interpretados por Greta Garbo.O que me impressionou particularmente e me fez lembrar uma cena do filme em todos os seus detalhes foi um trecho de Rainha Cristina. Ao ouvir o disco eu tive a impressão nítida de que a genial atriz, enquanto dizia o texto, usava visualização conscientemente. As próprias Circunstâncias Propostas dessa cena exigiam a conscientização da visualização, conforme explicarei abaixo.
Do trecho escolhido destaquei duas partes em que a personagem, depois de passar uma noite de amor com Antônio, o embaixador espanhol junto à sua corte, fala com ele. O texto da primeira parte é o que se segue:“I’ve been memorising this room...In a future...In my memory... I shall live a great deal in this room...”Dentro das Circunstâncias Propostas desse texto o objetivo da rainha é reter na memória o aspecto desse quarto para usá-lo depois em suas recordações. Portanto, essa fase representa, como problema para a intérprete do papel, o uso da memória.
E o que é a memória, senão a visualização consciente do passado?As reticências que vocês encontraram no texto acima foram postas por mim para assinalar as pequenas pausas existentes na interpretação de Greta Garbo. Quem assistiu ao filme certamente se lembrará dos olhos de Greta Garbo naqueles momentos. Eles fitavam o futuro da rainha quando ela estaria sozinha, “vendo” o seu passado...A genial interpretação dessa parte, que nos fazia sentir todo o drama da pobre rainha, era certamente resultado dessa visualização. E agora, cito a segunda parte da mesma cena:

Antônio - Tell me - you said you would - why had you come to this inn dressed as a man?Cristina - In my home... I’m very constrained... Everything is arranged very formally...Antônio - Ah!... A conventional house-hold?Cristina - Very.

Depois da primeira fala de Antônio, Greta Garbo mantém uma pausa de seis segundos antes de começar a falar. As reticências representam pausas menores.
A Razão da pausa maior contém mil detalhes: a impossibilidade de revelar a verdade; a vontade de responder a pergunta, mas de uma forma que não a comprometa; a sensação do ridículo dessa situação; o protesto interior contra a vida que a obrigam levar; a sua impotência para modificar as coisas e, ao mesmo tempo, a aceitação das condições de sua vida como um compromisso de honra E provavelmente muitos outros detalhes que eu não saberia citar.
Tudo isso nós sentimos e tudo isso é resultado daquela pausa de seis segundos.
No final, antes de responder “Very”, há também uma pequena pausa que deve ser resultado de uma visualização muito complexa e cujo resultado poderíamos chamar simplesmente de triste resignação da rainha.
O uso correto da visualização ativa é de imensa importância no trabalho do ator. Seu efeito se reflete tanto na “ação exterior” (mímica, gestos, falas), como na “ação interior” (pensamentos, emoções).

Influência
A influência da “ação interior” do personagem sobre o estado psíquico do espectador se efetua, às vezes, dentro da imobilidade e do silêncio total em cena. Todos nós sabemos que esse tipo de ação freqüentemente é mais impressionante do que a ação física. Basta lembrar, por exemplo, do excelente filme Perdidos na noite em que os dois intérpretes principais aparecem mudos e imóveis em muitas cenas. E, entretanto, justamente nessas cenas é que nós sentíamos maiores emoções: parecia-nos que estávamos vendo nos olhos dos atores o que eles “visualizavam”.
O diretor soviético A. Popov, durante muitos anos também professor, criou um estudo profundo do que ele chamava de “zonas de silêncio”, ou seja, o estudo do funcionamento e da realização das pausas em teatro.Um exemplo disso encontramos num artigo publicado na revista “Teatro”, de Moscou, sob o título A respeito de uma pausa (janeiro de 1971).
A autora do artigo, A. Polevítscaia, uma das mais velhas e famosas atrizes russas, descreve em mínimos detalhes todas as ações físicas do personagem criado por ela, numa cena em que ela, durante sete minutos, não pronuncia uma palavra sequer. Vocês podem imaginar o que aconteceria se a atriz, ao executar essas ações físicas, deixasse de usar a “visualização ativa” da situação e dos problemas do personagem? Tenho certeza de que a platéia toda estaria dormindo no terceiro minuto. E, entretanto, Stanislávski, que várias vezes assistiu ao espetáculo, recomendava ao seus alunos que prestassem especial atenção a essa cena como um exemplo da “arte de sentir”.

Experiências
E agora, com os poucos elementos que até o momento conhecemos, podemos fazer algumas experiências de sistematização do uso desses elementos, a exemplo do que fizemos, há pouco, no trabalho com as quatro características da ação em relação às Circunstâncias Propostas.
Desta vez, porém, incluiremos no trabalho dois novos elementos do Método: o mágico SE FOSSE e a VISUALIZAÇÃO.Digamos que o assunto escolhido seja bastante simples: um rapaz (ou uma moça) escreve à sua namorada (ou namorado) uma cartinha marcando um encontro. Terminada a carta, ele (ou ela) a dobra, põe-na no envelope e sai para enviá-la. (Para fazer esse exercício procurem não usar objetos reais, papel, caneta, etc. – deixem tudo à sua imaginação, usem objetos imaginários).Por onde vamos começar? Em primeiro lugar, temos que analisar o tema para compreendê-lo claramente. Isso significa: estabelecer e fixar as Circunstâncias Propostas e completá-las com a nossa imaginação. Quem é o personagem? Ele é jovem, velho, bonito, feio, inteligente, burro, rico, pobre? Quem é sua namorada? Como ela é? Em que pé estão suas relações? Quais são as intenções do namorado? O que é que ele escreve na carta?
O que é que ele alega para marcar um encontro? Ele é sincero nessa alegação? O que é que ele pretende na realidade?Tratando-se de um exercício, não devemos esquecer que, para transformar em ação o resultado da análise das circunstâncias propostas, que acabamos de fazer, cabe-nos usar todos os elementos até agora conhecidos. Por isso:

1º Verifiquemos se os detalhes por nós estabelecidos obedecem à lógica, se não há algum absurdo, e não deixemos de examinar através da lógica todos os detalhes do trabalho posterior.

2° Sabendo que a ação deve ser contínua e, portanto, deve ter o seu passado e o seu futuro, temos que improvisar mentalmente o que aconteceu antes do personagem começar a escrever a carta: Como se passou o último encontro? Houve alguma conversa no telefone?...E logo em seguida: Que vai acontecer depois do encontro? O que é que o encontro pode alterar nas suas relações de hoje? O que é preciso evitar ou conseguir?

3° Pensando na ação exterior desse exercício devemos desempenhar com a máxima atenção a nossa ação física: procurar sentir a realidade da presença dos objetos imaginários – do papel na mesa, da caneta na mão, do movimento da pena, do aparecimento das linhas escritas, etc.

4° Pensando na ação interior- que evidentemente deve se processar simultaneamente com a ação exterior - devemos ter presentes os pensamentos naturais que acompanham a ação física dentro das Circunstâncias Propostas. Ao segurar a folha de papel: “Será que ela vai achar esse papel muito barato? O envelope não devia ser mais bonito?”; ao segurar a caneta: “Esta pena arranha um pouco. É bom experimentar antes”; antes de começar a escrever: “Preciso encontrar palavras que a convençam... que a comovam...vou escrever assim!”; ao escrever pare para reler, pensando: “Será que saiu bom?”; ao fechar o envelope, visualize o rosto dela quando ela estiver lendo a carta, etc.

5° Pensando no objetivo da ação, devemos estabelecer não apenas o que o personagem quer que aconteça, o que representa a sua vontade, mas também o que ele não quer que aconteça – ou seja, a sua contra-vontade. Esse confronto do objetivo e do obstáculo, conforme verificaremos detalhadamente mais tarde, é de grande importância no trabalho do ator: ele cria a luta interior do personagem e representa a base da dialética da vida, da natural condição do espírito humano.

6° Uma vez completada essa parte do trabalho, devemos perguntar a nós mesmos: “Se eu fosse esse rapaz, se eu tivesse uma namorada tão bonita e desejada, se eu tivesse a esperança de conseguir o encontro que agora vou pedir, o que eu escreveria para ela?” Complete isso com outras perguntas úteis para despertar-lhe a vontade de escrever, e quando chegar a sentir essa vontade, basta começar a agir escrevendo.

7° Agora, digamos que contra toda a expectativa, você não chegue a sentir realmente essa vontade. Então recorra à visualização, isto é, repasse alguns detalhes do trabalho com os elementos anteriores, na base da “visualização”. Comece por visualizar os objetos que usa - o papel, a caneta, etc. Depois procure “materializar” os seus pensamentos em formas de “visão interna”. Por exemplo, quando você se pergunta quem é a namorada, como ela é, procure “vê-la” em maiores detalhes até que chegue a sentir realmente atração por ela; quando pensar no próximo encontro, visualize-o em todos os detalhes para sentir necessidade de pedir esse encontro; e, principalmente, quando estiver pensando no objetivo da ação, isto é, no que o personagem quer que aconteça, procure “materializar” essa luta interior ao máximo através da visualização.
E não esqueça que só poderá conseguir algum resultado positivo se a sua visualização for realmente ativa, ou seja, se você conseguir “se ver” agindo dentro das circunstâncias que visualiza.
A capacidade de usar a visualização é primordial na arte do teatro, pois ela equivale à capacidade de usar a imaginação, sem o que nenhuma arte existe.
Por isso não é suficiente compreender a mecânica da visualização e fazer algumas experiências práticas para constatar a validez desse elemento. Na realidade, os exercícios de visualização devem tornar-se parte integrante de vida inteira do ator, a começar pelos exercícios mais primitivos, e a terminar por complicadas “visões cósmicas” dos personagens criados pelos dramaturgos geniais. Esses exercícios devem transformar-se em ginástica diária da imaginação. Sem ela o ator não poderá exercer a sua arte, como não o poderá um dançarino, um cantor, um pianista, sem fazer exercícios diários de dança, vocalises, solfejo, etc.

Quanto aos exercícios de que falei acima, quero propor aqui, apenas a título de exemplificação, alguns temas que os meus leitores poderão transformar em exercícios de imaginação, isto é, criar em redor dos mesmos Circunstâncias Propostas concretas (situações em que o personagem se encontra) e os objetivos (necessidade que deverá satisfazer).

Exercícios

É preferível fazer esses exercícios em companhia de alguns amigos, pois esse trabalho torna-se mais útil quando submetido à observação, controle e críticas alheias.

1) Imagine uma folha de papel em cima de sua mesa. Procure visualizá-la nitidamente, em todos os detalhes e, em seguida, dobre-a em várias direções, executando com precisão todos os movimentos das mãos como SE FOSSE uma folha de papel real.
Quando conseguir um resultado satisfatório, por exemplo, quando chegar a convencer o seu amigo de que está realmente lidando com um “pedaço de papel”, acrescente a esse exercício Circunstâncias Propostas e os Objetivos do personagem. Por exemplo: uma moça trabalha numa fábrica de envelopes ganhando muito pouco; enquanto dobra o papel ela pensa - e, portanto, visualiza - a situação de miséria em que se encontra sua família. Ela precisa desse emprego, ela precisa produzir mais para ser aumentada.

2) Você acompanha com o olhar um cortejo fúnebre. Procure visualizar nitidamente todos os detalhes: o carro, o caixão, as coroas, os acompanhantes . Em seguida, estabeleça as Circunstâncias Propostas e os Objetivos. Quem era o falecido? Quais eram as suas relações com ele? Por que veio ver o enterro? O que impede de acompanhar o enterro junto aos outros?

3) Um homem examina as ruínas de um teatro que ele conhecia antes da demolição. Acrescente as Circunstâncias Propostas e os Objetivos. Por exemplo: um ex-ator alcoólatra, que há dez 10 anos foi expulso do elenco desse teatro. Ele veio para ver se poderia tentar de novo a sua antiga profissão. Ele revive muito momentos da sua vida artística.

4) Uma mulher muito feia atende a uma chamada telefônica. Um desconhecido que não quer se identificar marca um encontro num jardim público da cidade. Ela vai. No banco do jardim, enquanto espera, ela procura adivinhar qual dos muitos transeuntes seria o seu “namorado”. De repente descobre, escondido atrás de um arbusto, um rapaz que a observa rindo às gargalhadas. Depois da volta para a casa, ela examina o seu rosto no espelho.

A imaginação do leitor poderá criar muitos outros temas mais próximos da sua vivência e, portanto, mais atraentes, mais excitantes. E não fique decepcionado se, apesar de todo esforço, não conseguir o resultado desejado. Lembre-se que você está apenas no início da leitura de uma matéria cujo estudo prático exige muito tempo. Nas páginas seguintes você encontrará outros elementos do Método que, certamente, lhe facilitarão as experiências.
_________________
(O presente artigo, aqui um pouco reduzido, é o 3º capítulo do livro Ator e método, de Eugênio Kusnet, leitura obrigatória para profissionais e estudantes de teatro (Editora Hucitec, Funarte, São Paulo-Rio de Janeiro, 2003). Os entretítulos são de responsabilidade do crítico e professor de Teatro, Lionel Fisher).

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Diderot, O Paradoxo do Comediante.


Um importante avanço teórico na dramaturgia francesa veio de Denis Diderot, um filósofo e dramaturgo, que aliado a outros pensadores organizou em sua, enciclopédia, o pensamento vigente naquele período.

Diderot clamava por um novo formato de tragédia, uma tragédia burguesa, que, historicamente ficará conhecido como, drama burguês, ou seja, uma tragédia das classes médias, que trataria dos dramas da gente simples e levaria em conta a condição econômica ou posição social na na composição de suas personalidades. Aplicou, ainda que sem sucesso, seus princípios em suas peças "O filho natural" (1757) e "O pai de família" (1758). Princípios inspiradores do moderno realismo e do drama social.

Em O Paradoxo do comediante, Diderot concebe, a partir da observação de atores de seu tempo em cena, uma nova forma de representar. O principal foco de discussão do livro é a especialização do ator. Essa especialização trai o proprio ofício de comediante (Na França funciona como sinônimo de ator). Ele afirma que o ator se distrai de si mesmo quando se ocupa de um só personagem; diz que é preciso que o ator seja capaz de fazer papéis diversificados, protagonistas e coadjuvantes. O que implicaria em uma nova ética do ator, na medida em que ele precisaria desacreditar dessa especialização.

Nesse mundo plenamente racional, iluminsta, do século XVIII, a idéia de "inspiração" é, via de regra, vista como algo ruim, que gera instabilidade, e o ator precisa, a serviço de seu ofício, como crê Diderot, ser estável, portanto, sem sensibilidade. A ilusão só deve existir para o público. É efeito do produto de uma composição.Nesse sentido, o ator se torna tão significativo quanto o pintor ou o escultor, na medida em que sua arte se emancipa, ganha um estatuto no momento em que ganha notoriedade. O teatro ganha uma especificidade, pasa a ser o lugar da percepção, o lugar de todo o artifício de ilusão, pois, para o público essa ilusão deve ser completa.

sábado, 16 de maio de 2009

Etapas de uma montagem

Bertolt Brecht

1. Análise da peça - destrinchar quais são, no plano social, as noções e impulsos mais importantes que a peça quer fazer ver. Resumir a intriga em meia página. Em seguida, subdividir a intriga em seus diversos incidentes, determinar os acontecimentos essenciais que fazem progredir a ação. Enfim, destrinchar o que há de comum entre os incidentes, sua construção. Refletir sobre as vias e meios que facilitam a narração da intriga e revelam seu significado social.

2. Primeiro Exame - intenção fundamental. Há solução de continuidade? Cenários para cada cena ou ato separadamente? Esboços do que seria a intriga, grupamento, atitudes específicas dos personagens principais.

3. Distribuição - provisória se possível. Tomando em consideração, se for necessário, nas mudanças, o interesse do ator.

4. Primeira Leitura - os atores lêem com o mínimo de expressão e de caracterização: tomam antes de tudo conhecimento da peça. Amplificação da análise.

5. Marcação - os principais acontecimentos se transcrevem provisoriamente sem muita retidão, nas posições e movimentações. Tentam-se pequenos movimentos cá e lá. Os atores podem experimentar o que lhes vem à cabeça. As indicações de tom são dadas ao mesmo tempo que as atitudes e os gestos. Os caracteres podem começar a aparecer sem aspirar continuidade.

6. Ensaios com Cenários - nos primeiros ensaios de marcação, os projetos de cenários são transferidos para o palco, de maneira que os atores possam se identificar com eles o mais rápido possível: quanto mais cedo os atores ensaiarem com o cenário, melhor. A partir daí, tudo que for necessário à representação deve ser utilizado (muros, praticáveis, portas, janelas etc.). Daí por diante, não se deve mais ensaiar sem os acessórios.

7. Ensaios Parciais - sem se incomodar com o ritmo a ser adquirido, cada detalhe deve ser repetido. O ator estabelece a atitude de seu personagem e se familiariza em relação aos outros e se familiariza com ele. Quando os acontecimentos principais tomarem um pouco de forma, o trabalho dirige-se então às transições, que reclamam um cuidado particular.

8. Encadeamento - o que os ensaios de detalhes haviam desconjuntado, é agora acertado. Não se trata de ritmo, mas da continuidade.

9. Roupas e Maquiagem - quando as cenas tomam forma e os personagens se afirmam é preciso discutir os figurinos. Em seguida executá-los. Desde o princípio já deveriam ensaiar de salto alto, saias compridas, casacos, óculos etc.

10. Ensaio de Verificação - exame repetido com a finalidade de verificar se as noções mais importantes e os impulsos sociais da obra "passam". Se a peça funciona. Trabalho meticuloso, de limpeza. É recomendável controlar as cenas por meio de fotografias.

11. Ensaio de Ritmo - é preciso então se fixar no ritmo. Ajustar a duração das cenas. Será melhor fazer esses ensaios de ritmo já com os figurinos, porque o primeiro uso dos trajes sempre afrouxa um pouco.

ENSAIOS GERAIS

I - a peça é revista sem interrupções.

II - pré-estréia: verificações das reações do público - membros de uma sociedade, estudantes etc., que tornam possível uma discussão a respeito da peça. Entre duas pré-estréias se intercalam ensaios de verificação, onde se põe em prática as experiências adquiridas durante as últimas apresentações.

III - primeira apresentação oficial. Com ausência do diretor, a fim de que os atores possam se movimentar sem controle.
___________________
Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 119/1988, edição já esgotada)

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Que é mise-en-scène?

Anatol Rosenfeld

O teatro é a arte que transforma a literatura dramática em espetáculo. É a mise-en-scène, a encenação que adapta a peça teatral ao palco, valorizando as linhas principais e destacando o caráter peculiar de sua beleza. As obras dramáticas - embora em geral dotadas de vida cênica – representam por si só apenas um gênero literário como a poesia lírica, o romance. São diálogos livrescos. Por maiores que sejam suas virtudes teatrais inerentes, tais como ritmo específico, movimento, dramaticidade, diálogo vivo, é só a encenação que lhes dá verdadeira vida, pois é só no palco que adquirem sua plena riqueza, graças à colaboração dos técnicos, atores cenógrafos etc. É no palco que se transformam em vida e encontram sua expressão real. É a representação que lhes confere a totalidade de sua força. Sem o teatro, elas têm apenas uma existência potencial, por mais geniais, por mais brilhantes e admiráveis que sejam. Sua verdadeira força não se revela ao leitor, mas somente ao espectador.A encenação é, portanto, a arte de animar e adaptar, por todos os meios que se coadunam com a necessária lealdade ao texto, uma obra literária de forma dramática ao palco.

Meios

Os meios para atingir esse fim são os mais diversos. Abrangem a decoração, o trabalho dos atores, sua gesticulação e interpretação, a atmosfera geral em que a peça se desenrola, a iluminação, os trajes dos atores que devem corresponder à decoração e a apresentação plástica, o concurso acústico dos ruídos anteriores e posteriores etc.É evidente, portanto, a enorme complexidade de uma encenação adequada, para cuja realização se contam com numerosos técnicos e que deverá, em cada caso, resolver às vezes problemas extremamente difíceis.Mas todo esse aparelho deve servir aos fins principais da encenação – quais sejam os de dar à peça seu “clima” psicológico, traduzindo todas as sutilezas contidas nas entrelinhas do texto e que devem ser sugeridos, sem revelação brutal, ao espectador.Portanto, o encenador, o metteur-en-scène, não colabora apenas com o cenógrafo, os técnicos de improvisação e de acústica, o maestro de uma eventual orquestra, mas também com os atores, de quem conhece a expressividade, as possibilidades físicas e pantomímicas, a sonoridade da voz, a capacidade de se adaptarem em determinado papel e aos quais sugere ou com os quais discute a maquilagem, os movimentos, a dicção específica, a interpretação adequada.É evidente que é um técnico completo e conhece todas as vantagens e desvantagens do palco em que apresentará determinada peça. Que está em contato com o contra-regra e os auxiliares que regulam as entradas em cena; que confia na colaboração dos pintores que se encarregam da execução dos cenários, das tabuletas, placas etc.; que sabe da eficiência dos maquinistas que movimentam os cenários e armam as cenas; que conhece cada alçapão – o chão móvel por onde surgem e desaparecem em certos momentos determinadas personagens; que está em casa, no palco – no urdimento, naquele aparente caos de pano de fundo, rompimentos, bombolinas, fraldões, gambiarras, contrapesos, fios de arame, cordas, cavilhas, escadas de comunicação, corredores, tamboretes, onde os “homens de varanda” exercem sua atividade anônima; e da mesma forma está em casa debaixo do palco, no subterrâneo, de onde se movem os bastidores laterais, presos a carro (por intermédio de tangões), giram no primeiro pavimento do subterrâneo. Os eletricistas são seus amigos especiais, pois deles dependem do bom funcionamento da força motriz, dos holofotes e refletores e enfim, todos os efeitos elétricos. Ele briga com alfaiates e costureiras e sugere ao caracterizador uma nuança na maquilagem de uma personagem importante.

Regra
Em toda encenação é regra essencial que ela, por mais rica, genial, multiforme e ampla que seja, nunca se deve tornar autônoma, o que significaria uma traição ao espírito da peça, que ela adapta ao teatro – a não ser que se trate de revistas ou obras sem valor próprio. Uma encenação magnífica que não se subordina lealmente e com humildade ao espírito da peça é um fracasso.
A encenação desenfreada, que se considera o seu próprio fim, é a ruína do verdadeiro teatro artístico.De outro lado, todo meio adequado para realçar o espírito, a psicologia, a atmosfera duma peça pode ser empregado a justo título. E a arte do encenador tem de ser tanto maior quanto mais delicado e sutil for o espírito da peça. As obras em que “muito acontece” só precisam do concurso de dois técnicos; já as peças em que os acontecimentos são de ordem predominantemente íntima e psicológica, estas fracassam sem a arte de um grande encenador.

Exigência
Decorre daí que toda peça exige uma encenação sui generis, de acordo com o seu estilo e ritmo íntimos. Isso naturalmente não exclui a variação no que se refere à interpretação por parte do metteur-en-scène. Uma peça como Hamlet, de Shakespeare, passou por mil variações no tocante à encenação. Cada época interpreta dada obra à sua maneira. É evidente, no entanto, que o ritmo íntimo e o espírito profundo da peça, embora interpretada em diversas épocas de diversas maneiras, precisam ser respeitados. Admitem-se as experiências e renovações de grandes encenadores como J.L. Barrault, Max Reinhardt ou Erwin Piscator. Exige-se, todavia, que a essência da obra não seja sacrificada às imposições de um encenador demasiadamente “original”.Assim, uma peça de Racine exige, forçosamente, uma encenação diversa da de uma obra de Hugo von Hofmansthal. Ibsen tornar-se-ia ridículo se fosse aplicada às peças da sua fase realista uma encenação muito estilizada que, no entanto, pode adaptar-se perfeitamente a uma obra de Maeterlinck. Dentro da obra de um só autor como Gerhart Hauptmann há algumas que requerem uma encenação naturalista, e outras cujo valor só se revela em estilizações à maneira do Teatro de Arte de Moscou com suas encenações feéricas (do período posterior).

Escolha
A responsabilidade da escolha de uma apresentação realista ou estilizada, simbólica – os pólos entre os quais se movem todas as encenações - recai sobre os ombros do encenador, que geralmente, como é evidente, pertence a determinada escola e, ao invés de escolher a encenação, escolherá a peça que se enquadra nos preceitos de sua escola. A encenação naturalista procura copiar nos mínimos detalhes a realidade, com todos seus pormenores menos poéticos, procurando apresentar a vida “vista através de uma janela”, como se expressou Arno Holz, autor alemão da fase naturalista.Por conseguinte, encenador naturalista colocará os atores em posições adequadas e timbrará em não dar a mínima atenção ao público, tentando eliminar todas as convenções teatrais. A sala de espetáculo é a quarta parede, para qual o ator, como na realidade, eventualmente vira as costas. Já a encenação estilizada procurará criar uma transposição poética, lançando mãos de símbolos e de caracterizações idealizadas ou carregadas de significados subentendidos.Mas é evidente que mesmo o teatro realista não pode evitar estilizações. Toda arte, e o teatro em especial, é ligada a convenções já tornadas inconscientes e quase despercebidas, e nenhuma arte existe que queira imitar simplesmente a vida. Toda arte condensa, essencializa, dinamiza a vida, idealiza-a ou lhe exagera os defeitos, dramatiza-a, enche-a de significados, deforma-a; em uma palavra, estiliza-a. Mesmo a fotografia artística se esforça por tornar-se cada vez menos “fotografia”, imitando a pintura, isto é, estilizando o objeto.Por mais naturalista que uma peça seja, tem de condensar, em poucas horas, o que talvez represente na realidade um processo de dias ou meses; suas figuras falam com relativa perfeição, são maquiladas para parecerem reais (pois se não o forem, pareceriam no palco irreais) e movimentam-se segundo rigorosas prescrições ao longo de linhas cuidadosamente traçadas num palco que é subdividido em vários planos e segmentos, em cada um dos quais o ator tem sua precisa colocação. Um fragmento da vida real levado à cena sem estilização nenhuma, sem ser submetido às convenções teatrais (o que, aliás, seria impossível), teria seu fracasso total garantido. A estilização começa no momento em que o autor, por mais realista que seja, procura transpor em cenas dramáticas um fragmento significativo da “vida real”.

Perigo
Um dos grandes perigos que ameaçam o teatro verdadeiro é a mania de encenações excessivamente luxuosas. É evidente que há certas peças que exigem grandes recursos para levá-las à cena. Todavia, um teatro que se entrega ao vício de encenações excessivamente “deslumbrantes” vai inevitavelmente à falência. Um grande encenador realiza com poucos recursos milagres. E as peças imortais dos autores gregos e de Shakespeare não necessitam, em virtude da sua dramaticidade íntima e da sua linguagem tremendamente intensa, de encenações dispendiosas. Shakespeare escreveu peças geniais, em parte porque, contando com os recursos relativamente pobres do teatro da sua época, tinha de dar todo o poder à palavra. Muitos autores fornecem hoje peças apenas aproveitáveis porque contam de antemão com apoio de grandes encenadores, que realizam verdadeiros milagres para transformar um “abacaxi” em êxito sofrível.Mas se a pobreza da encenação não é uma virtude pode-se dizer, contudo, que certas peças, em que o texto é de suprema importância, ganham com a simplicidade e discrição da mise-en-scène. Um ambiente demasiadamente rico, um manjar para os olhos, desviaria a atenção do público do essencial, isto é, neste caso, o texto.

Cultura
É óbvio que o encenador tem que ser um homem de grande cultura, de visão aguda em matéria teatral, dotado de grande sensibilidade estética. Com freqüência tem de decidir sobre questões de complexidade suprema. Levando à cena uma peça da época romântica, cujo sujet se passa naquela mesma época, terá de decidir, de início, se o apresentará no ambiente daquela fase histórica ou se o transporá para nossa atualidade. Em certos casos, uma peça ganha com essa transposição, em outros fica arruinada em virtude das suas íntimas ligações com a época em questão.Uma peça de Ibsen, como Casa de bonecas, apresenta-se convenientemente nos trajes típicos do início do século (embora em determinados países, de costumes atrasados, possa ser apresentado em trajes atuais). Outras peças de Ibsen, também da sua fase realista, suportam uma transposição com trajes modernos porque seus problemas ainda são os nossos.
E são conhecidas as tentativas de levar à cena mesmo peças de Shakespeare em trajes e com ambientes modernos.

Confusão
Não confunda o encenador com cenógrafo, que realiza decoração plástica e pictórica do palco, embora grandes cenógrafos tivessem se tornado, eventualmente, encenadores (André Bersacq, Henri Brochet) e deva haver estreita colaboração entre eles. A encenação não consiste apenas na decoração. Tampouco se confunde o encenador com o ensaiador, diretor de cena ou o contra-regra, que regulam as entradas em cena, marcam os movimentos dos atores, ensaiam com eles e supervisionam o serviço no palco, embora uma pessoa assuma com freqüência várias funções.Na França, o régisseur é responsável pelo espetáculo no que se refere ao serviço dos atores, ao passo que na Alemanha o régisseur é aquele que na França se chama metteur-en-scène.
No Brasil usam-se termos como ensaiador, diretor de cena e encenador sem muita discriminação, visto que freqüentemente as funções se reúnem numa só pessoa. E o contra-regra é o homem que, com seus auxiliares, regula a entrada em cena dos atores e se encarrega dos adereços necessários no palco.Mas a encenação, como decorre do que foi dito acima, transcende de longe a simples marcação (a mise-en-place), a minuciosa prescrição dos lugares que os atores têm de ocupar no palco e das suas deslocações e seus movimentos no decorrer do espetáculo; ela é também mais do que a decoração, o desempenho dos atores, o jogo das luzes e dos efeitos acústicos. Ela é ainda mais do que a soma de tudo isso, pois não é uma soma: é uma totalidade integrada em que cada parcela está em íntima correlação com a configuração total.Na verdade, a encenação cria aquela íntima harmonia, aquele equilíbrio inefável entre a peça e sua realização, aquela coordenação de estilo entre aquela e esta e requer a intervenção de um verdadeiro artista, de um homem de teatro que têm o pleno domínio dos seus meios, que conhece todas as sutilezas do ofício e que, todavia, sabe ser suficientemente humilde para refrear seu impulso criador de modo a interpretar lealmente o espírito da peça.
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O presente artigo foi extraído do livro Prismas do teatro (Editora Perspectiva, Coleção Debates, São Paulo, 1993).

terça-feira, 12 de maio de 2009

A educação do ator

Jacques Copeau

O ator em cena quase nunca interpreta o real. Está sempre imitando a realidade. Pressente o efeito que poderá produzir mais tarde. Nos ensaios, por razões múltiplas (às vezes até a falta incompreensível dos acessórios), nunca o vemos fazer o que fará na representação (um mínimo gesto, por mais elementar que seja, de forma autêntica). Acredita que daria tudo na representação, ou melhor, que na representação reencontrará por instinto o equivalente teatral. Mesmo os atores experientes, conscienciosos e ordeiros não vão nunca até o fim de uma indicação nova. Desfiguram-na ao traduzí-la. Dir-se-ia que não ousam ou simplesmente que não se "deixam tomar", como se seus corpos em cena se encontrassem fora das leis da gravidade ou do tempo. Não esquecemos de acrescentar que a comédia moderna, literária, intelectual, de conversação ou de discussão empobrece de maneira singular os meios físicos do ator.

Conhecimento

O que pretendemos dar aos nossos alunos é o conhecimento (na experiência do corpo humano). Mas não se trata de formar atletas, por métodos apropriados. Aliás, não poderíamos fazer isso nunca. Não se trata de desenvolver uma atitude ou uma afetação corporal qualquer, criando-se maneirismos estéticos em oposição a maneirismos antiéstéticos. Torna-se necessário que obtenhamos de corpos normalmente desenvolvidos, uma submissão a qualquer ação que se vá empreender. Ao mesmo tempo, todo movimento deve ser acompanhado de um estado de consciência íntima, particular ao movimento executado.

Imitação

O conhecimento e a posse dos movimentos do corpo, muito mais do que os movimentos de fisionomia, não devem proceder de mera imitação de si mesmo, ou de outrem, nem de imagens pintadas ou esculpidas. Sem que se ponha de lado a observação humana ou os conhecimentos estéticos da educação do ator, poderíamos acrescentar que não será procurando reproduzir sinais exteriores de paixão observados num rosto, nem observando a alteração de seu próprio rosto num espelho que o ator regulará a intensidade de sua expressão dramática. É preciso que conheça interiormente as paixões que expressa, seja por experiência pessoal, seja por espécie de adivinhação própria do artista.

Consciência

É preciso que adquira o conhecimento anatômico, o domínio muscular de seu instrumento e seu próprio rosto. E de mais a mais não será estudando as obras-primas da pintura e da estatuária que o ator realizará em seu próprio corpo a beleza plástica, se seu próprio corpo não procura a consciência dessa beleza, através do jogo natural de seus elementos musculares e articulares. Não basta ter observado de fora as atitudes e o movimento do artesão, do operário no exercício de suas respectivas profissões. É preciso ter experiência própria desses trabalhos. O artista dramático, em repouso ou em ação, possui um conhecimento interior do espetáculo que oferece. No momento em que expressa (paixão ou movimento dramático do qual é o intérprete) deixou de ser para ele objeto de estudo, mas não deixou contudo de ser objeto de consciência.

Afetações

Nada de afetações, nem de corpo, nem de espírito, nem de voz. O que iremos procurar doravante é uma harmonia perdida. Nada de atletismos rebuscados, arcaicos, por assim dizer, literários. Talvez o atleta completo tivesse o seu lugar na cena grega. Era produto de uma educação social, artística, religiosa, harmoniosa e completa. Hoje o atleta é um especialista.

Expressão

Falo do corpo e das faculdades corporais de expressão. Algumas observações sobre o assunto poderão muito bem se aplicar à expressão fisionômica. Ponto de partida da expressão; repouso, calma, descanso ou "relax", silêncio ou simplicidade. Essa lição atinge ao mesmo tempo todas as divisões da interpretação. Seja na leitura em voz alta, seja na interpretação falada, na representação ou ação, o intérprete parte sempre de uma atitude fictícia, de um trejeito corporal, mental, vocal. O "ataque" é ao mesmo tempo pensado e nem por isso suficientemente premeditado ou o que é ainda mais simples e mais grave: não faz bastante sentido. Não faz o que está fazendo de maneira simples e com fé.

Bastidores

Vemos muitas vezes, nos bastidores, certos atores exercitarem trejeitos para penetrarem na situação; outros ainda executarem saltos como preparação para uma cena pesada. Nos ensaios, quantas vezes retomam uma indicação que talvez tenham até compreendido, mas que absolutamente não os tocou. Ou então, quantas e quantas vezes retomam essa entonação, escutam-na, como quando se afina um instrumento. Isso é o mesmo que se olhar num espelho para ver se expressamos bem um sentimento.

Ataque

Sabemos, por experiência própria, que quando "atacamos" mal, quando começamos mal (personagem ou situação) é-nos impossível sair desse mal, seja qual for a vigilância exercida às nossas entonações e gestos, ou seja qual for nossa consciência ou vontade de escapulirmos. E quanto mais nos enervamos, pior. Nunca nos percebemos mais do que nesses momentos. Evidentemente os piores atores são os que mais "se olham" e "se escutam". Um ator, em estado de extremo cansaço, pelo contrário, poderá entrar naturalmente em seu papel e não mais sair dele durante toda a representação sem um mínimo de esforço, renovando mesmo todas as informações e mímica inconscientemente (pois tudo então lhe advém naturalmente). Dir-se-ia que entrou no personagem, na situação; é que em tais condições pensa muito pouco; não mais do que quando na vida real, para executar os movimentos costumeiros ou obedecer às reações naturais.

Sinceridade

A questão da sinceridade é muito complexa para abordá-la aqui. Mas sem analisá-la em seus elementos, sem precisar o que pode entrar na sinceridade artística de elementos não-sinceros, poder-se-ía dizer que em matéria de interpretação dramática nada poderia substituir a sinceridade, que sem dúvida não é apenas emoção ou alegria verdadeiras, no estado bruto, mas um sentimento de calma e poderio e domínio que permite ao artista (como já falamos antes) ser possuído pelo que expressa, tendo ao mesmo tempo poderes para dirigir tal expressão. Esse sentimento torna-se pelo menos alguma coisa de verdadeiro, de natural e seguro. Creio mesmo que tenha como ponto de partida uma espécie de pureza, integridade do indivíduo, um estado de calma e naturalidade, de "relax".

Leitura

Escrevi certa vez referindo-me à leitura em voz alta: "Ler em voz alta um texto que não foi anteriormente trabalhado é tentar uma expressão modesta e sincera, isenta de qualquer truque. É encontrar um pouco de ingenuidade. É, numa palavra, abordar o pensamento do autor com fé e humildade. E submeter-se ao verdadeiro sentido das palavras. E colhê-las em seu frescor o mais perto possível de seu significado, sem nenhum acréscimo, a não ser a involuntária emoção de tê-las descoberto. Uma boa leitura, despida de afetações, eis o terreno livre para se construir uma interpretação sadia".



Não sei como descrever, nem sobretudo como obter numa pessoa esse "estado de fé", de submissão, de humildade que represento (de um modo geral em todos os pontos tratados) como dependente da cultura física ou intelectual, numa palavra: da boa educação. Não difere em nada desse estado de serenidade, calma e segurança sem afetação que se vê nos seres bem constituídos. Atualmente só me posso servir de metáforas compreensíveis para meus alunos; direi, portanto: texto ao pé da letra, nada de entonações, desabafem etc.

Ronronar

Teremos sempre o que trabalha a voz de um ator, nesse ronronar, nessa melodia pré-estabelecida, enfim nesse hábito ou atitude que ele chama de "minha personalidade". O mesmo se passa em sua fisionomia, gesto e porte. Provarei facilmente que a maior parte dos atores, muitos excelentes, não dispõem de mais de dois ou três gestos, duas ou três expressões fisoionômicas (e evidentemente não me refiro a casos em que gestos e expressões não passam de "tiques").

Hábito

O ator tem por hábito não ouvir. Na representação não ouve o interlocutor; donde advém que sua réplica nunca é resposta. No ensaio não ouve o diretor. Não dá tempo para que uma pergunta ou indicação o atinja - ou então deixa-se atingir por ela apenas em seu espírito. Seria preciso que a indicação de um gesto o atingisse plenamente, não sendo pois obrigado (para poder atingí-lo satisfatoriamente) a fazer dele em primeiro lugar uma representação visual ou intelectual. Pode ser, entretanto, que a representaçãovisual de um gesto ou de um movimento tenha sua importância, ajudando o aluno a tomar consciência dele. Eis porque pedirei sempre aos alunos que observem os colegas para poderem assim criticarem-se mutuamente.
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O presente artigo, aqui reduzido, foi extraído dos arquivos da revista Cadernos de Teatro nº 135/1993, edição já esgotada.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Novíssimas Pesquisas Cênicas terá 8 espetáculos


Mostra realizada pelo Sesc Rio e pelo CEAE, de Ana Kfouri, tem início no dia 16 de maio. Foto do espetáculo "Natureza Morta", que abre o projeto.

Em sua terceira edição, a mostra Novíssimas Pesquisas Cênicas - uma realização do SESC Rio e CEAE (Centro de Estudo Artístico Experimental), coordenado pela diretora e atriz Ana Kfouri -, começa no dia 16 de maio, no SESC Tijuca, sempre aos sábados e domingos às 19h. Para a edição de 2009, a mostra apresenta oito trabalhos em processo de criação de artistas e grupos de diferentes tendências estéticas, com pesquisas de linguagem bastante diversificadas. Dois desses projetos, "O Jogo", da Súbita Cia. de Teatro, e "A Hora que não sabíamos nada um dos outros", da Nonada Cia. de Arte, fazem parte do projeto A Cena da Cidade. O vencedor da Mostra será premiado com uma mini-temporada na sala Multiuso do Espaço SESC, em Copacabana.

Espaço dedicado a grupos, diretores, atores e autores que estejam com pesquisas cênicas em processo, cada fim de semana do evento será destinado a um trabalho diferente, seguido de debate. Dentre os participantes do debate, que acontecem aos sábados, estão: a atriz e pesquisadora Inês Cardoso, a diretora e pesquisadora Rosyane Trotta, o diretor Moacir Chavez e o diretor e gestor cultural Sidney Cruz – sempre com a mediação da tradutora e dramaturgista Fátima Saadi.

No fim da mostra, um único trabalho será escolhido e premiado. Para tal, o júri, formado pelos diretores Antonio Guedes, da Companhia Teatro do Pequeno Gesto, e Ivan Sugahara, da Cia Os dezequilibrados, somará seu voto ao voto do júri popular. O trabalho escolhido ganhará como prêmio uma temporada na Sala Multiuso do Espaço SESC.
Segundo Ana Kfouri, o evento foi concebido em 2007, no intuito de criar um espaço de interlocução entre artistas que desenvolvem pesquisas de linguagem cênica, pensadores do teatro e espectadores. “É inédito no Rio de Janeiro um espaço que articule uma movimentação de idéias envolvendo esse triângulo em torno de trabalhos cênicos em processo. Dessa forma, a mostra estimula uma produção de pensamento de extrema potencialidade, que fomenta não só o interesse do público em acompanhar o processo de criação de experiências cênicas, como sua efetiva participação nos debates”, diz a coordenadora.

“Sabemos que este espaço de interlocução é muito bem-vindo e, mais do que isso, necessário. E a possibilidade de os artistas compartilharem com os espectadores seus trabalhos antes da estréia, com mediação crítica, faz da mostra uma experiência estimulante e transformadora, seja para o artista ou espectador”, completa Ana Kfouri.

ESPETÁCULOS SELECIONADOS:

- “Natureza Morta”, coreografia e direção João Paulo Gross;

- “A Hora que não sabíamos nada uns dos outros”, Livremente inspirado na obra de Peter Hadke pela Nonada Cia. De Arte;

- “Diminuto”, texto e direção Lucianno Maza. Com Projeto Grande Elenco;

- “As Filhas do Falecido Coronel”, de Katherine Mansfield, adaptação de Sonia Dumont e supervisão de Carolyna Aguiar. Com Bia Junqueira, Elizabeth Berardo, Marcia Torres e Sonia Dumont;

- “Agora!”, direção Claudia Mele. Com Alberto Magalhães, André Cunha, Carla Rosa, Claudia Mele, Geórgia Goldfarb, Joana Medeiros e Raquel Libório;

- “Saber viver nos dias que correm”, de Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector, direção João Mauro Brant. Com Fabrício Polido e Juliana Terra;

- “Façamos a Guerra!”, de Irene Beteille, direção Alexandre David, direção artístico/teórico Sérgio Britto. Com Irene Beteille, Veridiana Cardoso, Gabriel Araujo, Andre Marinho, Aline Vargas, Leonardo Samarino e Lais Wernneck;

- “O Jogo ”, montagem feita a partir do conto “O Jogo da Carona” de Milan Kundera, com a Súbita Cia. de Teatro, direção Roberta Maia.

CRONOGRAMA:

- Debatedores: Inês Cardoso e Rosyane Trotta

Dias 16 e 17 de maio – “Natureza Morta”

Dias 23 e 24 de maio – “As filhas do falecido coronel”

Dias 30 e 31 de maio – “Agora!

Dias 06 e 07 de junho – “A hora que não sabíamos nada um dos outros”:

- Debatedores: Moacir Chaves e Sidnei Cruz

Dias 13 e 14 de junho – “O Jogo”

Dias 20 e 21 de junho – “Saber viver nos dias que correm”

Dias 27 e 28 de junho – “Façamos a Guerra”

Dias 04 e 05 de julho – “Diminuto – um micro musical”

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Crédito: Marcos Nauer/Divulgação
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