domingo, 3 de outubro de 2010

Jean Genet ou O combate com o Teatro

Bernard Dort

Fala-se muito em Genet e muito pouco em sua obra. Quando se comenta a obra é para voltar à personagem Genet, para exaltar a lenda do "asilado, ladrão, mendigo, prisioneiro, pederasta...e artista". Em resumo, não se cessa de canonizar "São Genet". Cada crítico se julga obrigado a refazer, por conta própria e segundo sua medida, o itinerário traçado definitivamente por Sartre. É impossível sair do torniquete: a obra de Genet remete à personagem Genet e esta personagem só existe pela obra. Logo, qualquer crítica parece irrisória e vã: Sartre, afinal, não disse tudo o que havia para dizer sobre o artista Genet como herói de nossa época e antítese do revolucionário Bukharino? E o próprio Genet, em seu Diário de um ladrão, não deu o último retoque a seu auto-retrato?


Uma de suas preocupações essenciais foi certamente a de criar a própria imagem. Seus romances são biografias imaginárias, como também espelhos enganadores a realçar sua imagem. Mas Genet não parou aí. Desde o Diário de um ladrão já nos tinha mostrado o avesso destes espelhos. Talvez seja precisamente o livro de Sartre que lhe tenha permitido sair do torniquete no qual, agora, se fecham seus críticos. Ele próprio reconhece: "Levei algum tempo para me refazer. Fiquei quase incapaz de continuar a escrever...O livro de Sartre criou um vazio que permitiu uma certa deteriorização psicológica. Esta deteriorização permitiu a mediação que me conduziu ao meu teatro".


A mutação teatral

Com exceção de Alta Vigilância, ainda bem próximo de seus romances, e de As Criadas, todo o teatro de Genet é, na verdade, posterior a São Genet, Comediante e Mártir. Desde então Genet deixou de escrever ou, pelo menos, de publicar romances. Assim, sua atividade como dramaturgo coincide, quanto à essência, com uma mutação. O escritor Genet desligou-se, graças à mediação sartriana, da personagem Genet. Embora conservando a mesma temática sua obra mudou de estrutura, de função. E, talvez, de significado. É precisamente o que, à força de supervalorizar a personagem, a crítica deixou de assinalar: nas obras de Claude Bonnefoy e de Jean-Marie Magnan, a parte concedida ao teatro é pequena. E as peças só são lembradas em relação ao universo romanesco. Ora, é compreendendo a distância que separa as peças dos romances de Genet que poderemos entender o seu teatro. Não aproximando este daqueles.

Impõe-se uma primeira verificação: o universo de Genet se alargou. Nos romances ele se restringira ao meio fechado da prisão ou das salas dos fundos dos cafés de Pigalle, onde os homossexuais de Nossa Senhora das Flores exibem seus trejeitos. No palco, cresce vertiginosamente: a princípio, restrito à cela de uma prisão (Alta Vigilância), depois ao quarto da patroa onde as criadas representam sua servidão e sua falsa revolta, ele se estendeu a todo o espaço de uma cidade, do bordel ao quartel-general dos revolucionários, passando por um simulacro do Palais Royal (em O Balcão), em seguida, a um continente fictício: a África de Os Negros. Enfim, a um país real: a Argélia, em luta pela independência, que vem ainda prolongar o "balcão" do reino dos mortos. E, à concentração no tempo, , que era regra, por exemplo, de Pompas Fúnebres, esta longa meditação de Genet, de volta ao necrotério, sobre a morte de João D, sucede o desenrolar da crônica e dos acontecimentos (da colonização à independência) de Os Biombos.

Será necessário nos apressarmos em concluir que, como escrevia Claude Bonnegoy, "Genet se socializava?". Sem dúvida, , "já em As Criadas a relação patrão-empregada envolvia e perturbava a relação amorosa que unia as empregadas à patroa. O Balcão, Os Negros, Os Biombos, são críticas dos preconceitos da justiça, dos poderes, da opressão, do colonialismo. Mas são críticas indiretas, pois Genet dá tudo em bloco e mostra as situações em sua complexidade. Cabe ao espectador concluir". Fazendo do dramaturgo Genet um escritor engajado, corria-se o risco de nada compreender de seu teatro. E, além disso, o risco de justificar alguns dos ataques imbecis de que ele é alvo.

Neste particular, Genet é incisivo, ao afirmar que não escreveu as peças para atacar ou defender quem quer que seja: "Uma coisa deve ser escrita: não se trata de arrazoado sobre a condição das criadas. Suponho que exista um sindicato das empregadas domésticas - isto não é da minha conta. Que minhas peças ajudem os negros, isso não me preocupa. Aliás, não creio nisso. Acredito que a ação, a luta direta contra o colonialismo faz mais pelos negros que uma peça de teatro". Mais que isto, toda peça teatral deste tipo lhe é suspeita. Ela corre o risco de se voltar contra a causa que procura defender. Pois "eis que uma consciência conciliadora não cessa de sugerir aos espectadores: o problema de uma certa desordem - ou mal - sendo solucionado no palco, indica que, na realidade, está abolido. Porque, de acordo com as convenções dramáticas de nossa época, a representação teatral não pode ser senão a representação de um fato. Passemos, pois, a outra coisa e deixemos o nosso coração se encher de orgulho a partir do momento em que tomamos o partido do herói que tentou - e obteve - a solução".

Trata-se, portanto, de fazer uma coisa diferente e não de pretender resolver, pelo teatro, as dificuldades do mundo: "Ora, nenhum problema exposto deveria ser resolvido no imaginário, sobretudo porque a solução dramática corre para uma ordem social acabada. Pelo contrário, que o mal exploda em cena, nos mostre nus, se possível nos deixe perplexos e contando apenas com nossos próprios recursos".


Didatismo ou mágica?

Pode-se, todavia, contornar esta recusa categórica e ver no dramaturgo Genet, se não um escritor engajado, pelo menos um escritor realista - o que é bem diferente. Verificando que numa peça como O Balcão "inúmeros temas tradicionais de Genet, o duplo, o espelho, a sexualidade e, sobretudo, a superioridade do sonho, 'puro e estéril' e no limite da morte, sobre a realidade eficaz mas 'impura e maculada de compromisso' foram relegados ao nível de acidentes de segundo plano", Lucien Goldmann afirma que a obra "tem, no seu conjunto, uma estrutura realista e didática (no sentido brechtiano da palavra)".

Para ele, o "assunto da peça, perfeitamenmte claro, quase didático, é, na realidade, constituído pelas transformações essenciais da sociedade industrial na primeira metade do século". O Balcão seria, assim, uma vasta parábola realista na qual Genet teria (consciente ou inconscientemente) "transposto para o plano literário os grandes transtornos políticos e sociais do século XX e sobretudo para a sociedade ocidental, o aborto da imensa esperança revolucionária que caracterizou as primeiras décadas do século". Lucien Goldmann vê a melhor prova disto no que considera a ação central da peça: "a ascensão do Chefe de Polícia e da Proprietária da casa de ilusões (encarnações particulares daquilo que um sociólogo teria designado mais amplamente como a tecnocracia, encarnações que, entretanto, são acidentais, pois as duas personagens representam os dois aspectos essenciais da mesma organização da empresa e o poder do Estado) - a um prestígio anteriormente reservado à Rainha, ao Juiz e ao General".

Tal interpretação é, certamente, muito engenhosa. Não deixa entretanto de levantar graves objeções. De início, silencia sobre certas personagens de O Balcão: por exemplo, a do Mendigo (do oitavo quadro) e do Escravo (do nono quadro), que eram representados em Paris pelo mesmo ator. Ora, essa dupla pesonagem, que só na aparência tem um papel secundário, preenche uma função essencial: único, com o Enviado do Palácio, a não ser se metamorfosear e a não aceder à glória morta das "imagens" da casa de ilusões, representa, sem dúvida, o poeta, talvez o próprio Genet. Em seguida, esta interpretação reduz a obra a um esquema sócio-histórico por demais vasto e impreciso para que se possa afirmar, como fez Goldmann, que temos com O Balcão a "primeira grande peça brechtiana da literatura francesa", um exemplo de "teatro épico e didático" cujo objetivo seria contar, "através de um plano típico, um devir essencial".

O próprio Goldmann o reconhece de passagem: é unicamente no que tange às "suas transformações na superestrutura" que O Balcão descreve as grandes transformações históricas. Enfim, em vez de realismo épico brechtiano, é apenas de uma grande constatação naturalista, em grande escala, de que se deveria falar. Pois, diferentemente de Brecht, Genet não procura mostrar as causas de tais transformações: contenta-se em apontar os efeitos - e efeitos aparentemente irreversíveis. Enfim, a tentativa de decifração goldmaniana despreza um elemento fundamental da estrutura dramática da obra de Genet: seu caráter de cerimônia e o uso constante do teatro dentro do teatro. Talvez Goldmann pudesse responder a esta objeção afirmando que o referido jogo teatral é justamente o sinal da reificação da sociedade industrial moderna. Confessemos: tal analogia fica bastante vaga e seria válida, sem dúvida, para qualquer sociedade.

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Fragmento extraído do livro "O teatro e sua realidade", Editora Perspectiva, 1977, tradução de Fernando Peixoto. .

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Domingos do tamanho do palco

Domingos Oliveira, 73 anos, é um dos últimos românticos. Se há um tema que une toda sua obra, segundo ele, é o amor. Diretor, escritor e ator, contabiliza mais de 150 títulos – no teatro, no cinema e na TV. E o número apenas aumenta. O livro que ele está lançando, Minha Vida no Teatro (Editora Leya), reúne os textos de nove peças escritas na última década. O capítulo que fecha o volume, “Do Tamanho da Vida”, traz suas reflexões sobre o teatro (registradas em 1986), publicadas anteriormente em um livro à parte.


Desde sua estreia na direção teatral, em 1962, com Sétimo Céu, são quase 50 anos de profissão. Recentemente esteve em cartaz, no Rio de Janeiro, com uma nova versão de Do Fundo do Lago Escuro, peça sobre sua infância em que interpretou sua avó.

Foi casado com Leila Diniz, a quem dirigiu no filme Todas as Mulheres do Mundo (1967). Desde 1982, está casado com a atriz Priscilla Rozenbaum, parceira em diversas produções. Nesta entrevista, concedida por telefone e e-mail, ele explica por que toda arte é de autoajuda, define o teatro como uma “arte maior” e conta o que, afinal, busca nas mulheres.

Zero Hora – Comparando sua produção artística e sua vida, parece que a ideia de “viver da arte” é inseparável da “arte de viver”.

Domingos Oliveira – Aliás, A Arte de Viver será o título do meu próximo livro. Será uma atualização da minha filosofia, exposta em Duas ou Três Coisas que Sei Dela, a Vida (Objetiva, 1994). É o meu lado pensador, mesmo. Pode ser também que se chame Três ou Quatro Coisas que Sei Dela. Na verdade, queria chamar de A Vida é uma Puta, que é o título de um poema meu. Será um livro de autoajuda. Acho que toda arte é de autoajuda.

ZH – Como assim?

Oliveira – A arte só é válida quando serve para melhorar a vida das pessoas. Se você não aprende algo para usar depois, não é arte. A arte explica o mundo. Posso não ter ideia do que seja a guerra, mas se assisto a um bom filme de guerra como O Resgate do Soldado Ryan (1998), do Spielberg, saberei o que é.

ZH – As peças do livro representam sua produção mais recente. Há características que as diferenciam das que você escreveu até então?

Oliveira – A ligação sou eu mesmo. Não é uma relação visível para quem vê de fora porque são textos de estilos diferentes entre si. Mas uma característica é o humor. São raras as minhas peças que não têm humor. Me parece o único modo sério de falar das pessoas. Muitos sucessos meus são comédias românticas, do tipo que chamo de comédias comoventes, em que a lágrima mobiliza, justifica o riso. Sou um escritor sério que cada vez mais se esforça para fingir que não é.

ZH – Desde Aristóteles há uma ideia de que a comédia seria um gênero menor. Você trabalha na contramão disso.

Oliveira – Eu e muita gente: Chaplin, Woody Allen, Groucho Marx. Hoje, quem acha que comédia é um gênero menor é um imbecil. O teatro brasileiro é feito em cima da comédia. É difícil ser brasileiro sem optar por esse gênero. O brasileiro é uma comédia. A condição humana é uma comédia.

ZH – Na sua visão, já se consolidou no Brasil uma tradição dramatúrgica ou ainda temos apenas nomes esparsos na história?

Oliveira – Você sabe a resposta, é a segunda opção. Se dá muito pouca importância à dramaturgia no país. Um livro com peças de teatro não vende muito. No Exterior, é claro que eles compreendem que a arte é talvez a atividade mais importante da sociedade. Agora estão começando a publicar teatro aqui, mas é difícil. Por isso, não se pode deixar de observar duas coisas sobre meu novo livro. Primeiro, a coragem da editora em publicar a obra de um autor brasileiro. É de um risco comercial grande, porque peças de teatro não vendem bem no país. A segunda é a novidade editorial de diagramar as peças de modo que lembre a emoção das falas do espetáculo. Se você não quiser ler as rubricas (as orientações de cena), pode pular facilmente. Nesse sentido, é um livro experimental.

ZH – Além do teatro, você produz para cinema e TV – que, por suas naturezas, atingem um público mais numeroso. Você se questiona sobre por que continua a fazer teatro?

Oliveira – Adoro o cinema, mas acho que o teatro é uma arte maior como aventura humana. No cinema, você pode sempre contar com uma paisagem para preencher o tempo. No teatro, não. É só o homem. E mais: é só o que o homem fala e faz. A aventura do ator, pelo menos, é muito maior. O teatro é real, pode-se morrer em cena. O que se sente dentro de uma sala de espetáculo não se sente em lugar algum. Acabou de sair de cartaz aqui (no Rio de Janeiro) uma peça sobre minha infância, chamada Do Fundo do Lago Escuro, em que eu interpretava o papel da minha avó. Só o teatro pode proporcionar isso. A energia que vai do público para o ator – e vice-versa – é poderosíssima. É como se as consciências da plateia e dos atores fossem uma só.

ZH – Em um trecho da cronologia de sua vida e obra, ao final do livro, está escrito que dos 23 aos 25 anos você “bebe muito”. Depois se casa com Leila Diniz. Sua juventude até que foi bastante divertida, não?

Oliveira – (Gargalhadas) Sabe a diferença do homem sábio e do homem comum? Apesar de todos acabarem morrendo, o sábio se diverte mais (risos). Quero que a vida continue divertida enquanto eu existir.

ZH – Na sua vida – e na sua arte – as mulheres estão muito presentes. O que você busca nelas?

Oliveira – A paixão, talvez. Talvez o sexo. Esses dois sentimentos é o que de melhor a vida oferece. Busco os dois incessante e obsessivamente, desde a minha primeira consciência.

ZH – Você concorda com a ideia de que o artista está sempre fazendo a mesma obra? Qual seria o tema da sua obra?

Oliveira – O amor. Que mais há?


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POR FÁBIO PRIKLADNICKI (Zero Hora)
fabio.pri@zerohora.com.br

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Quem é você?

Eugenio Barba

Eu penso o teatro como um corpo que perde continuamente sangue. Algumas vezes em que ele vai para as ruas e reencontra a realidade, ele recebe golpes, perde sangue através de feridas que não cicatrizam. O corpo do teatro não pode viver de seu próprio sangue. Sua hemofilia exige que ele se alimente do sangue que vem de outros corpos. Ele tem sempre necessidade de novo sangue, ele não pode sobreviver por ele mesmo.

Existe um teatro hemofílico que nega sua condição: de uma beleza diáfana, em sua torre de cristal, ele é cercado de magistrados e exegetas que o proclamam eterno e empreendem operações de revigoramento através de diágnósticos e teorias. Mas existe um teatro consciente de suas hemorragias, que se afasta do círculo protetor dos sábios e parece se perder em uma realidade que o ignora e o degrada, um teatro que não sabe o que fazer, e que, em colisão com a realidade, sangra.

Você perde sangue, mas se você se recusa a ficar estendido em uma maca, você transpõe uma fronteira que conduz a uma espécie de terra-de-ninguém: atrás de você, se estende o território do teatro; diante de você, uma outra fronteira. Você ignora para qual território ela te leva. Você avança prudentemente, mas com obstinação.

Eventualmente, teus passos te fazem recuar, na direção da fronteira do teatro, e então os sábios e os magistrados sorriem, aliviados. Às vezes, você parece prestes a desaparecer no horizonte e teu destino se afigura como incompreensível. Afinal, quem é você? Um solitário que desaparece no deserto ou alguém que, avançando, e ainda que se perdendo, chega a traçar uma pista?

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Este fragmento foi extraído do livro "L'étranger qui danse" (Maison de la Culture de Rennes et Odin Teatret ApS/1977), e leva a assinatura do diretor do Grupo Odin. A tradução e o título ficaram por conta do crítico de Teatro, Lionel Fischer.

sábado, 5 de junho de 2010

MIT - Mostra Internacional de Teatro 2010

De volta aos palcos do CCBB RJ, a MIT 2010 é uma parceria com o FILO – Festival Internacional de Teatro de Londrina, que neste ano comemora sua 42ª edição. Espanha, Estados Unidos, Chile e França são os países que estarão presentes na mostra, durante todo o mês de junho:


Programação

De 04 a 06 de junho | Cia. Red Moon (EUA), “The Gabinet” | Cia. Redmoon
Inspirado no filme O Gabinete do Dr. Caligari, clássico do expressionismo alemão, quando ainda não havia som no cinema. Conta a história de um sonâmbulo que cai nas mãos de um médico maníaco, num manicômio. A peça mistura marionetes, acrobacias e interpretação.
Classificação indicativa: 14 anos

De 11 a 13 de junho | Cia. Marta Carrasco (Espanha), “Dies Irae”
Baseado no Réquiem, de Mozart, o espetáculo conta com 15 atores, bailarinos e cantores espanhóis, que desnudam a liturgia e mostram, sem concessões, a debilidade da verdade, indo muito além da missa fúnebre.
Classificação indicativa: 14 anos

De 18 a 20 de junho | Cia. Teatro Inmóvil (Chile), “El Ultimo Herdero”Um menino, sua mãe, a água, o deserto, uma planta mágica, um povo em guerra... Um conto fantástico sem palavras, onde as marionetes, as acrobacias aéreas, a dança e a música proporcionam uma viagem original dentro do mundo insólito de um menino soldado
Classificação indicativa: 12 anos

De 25 a 27 de junho | Cia. Le Trois Clés (França/Chile), “Gigantea”
O espetáculo mistura atores, marionetes e bonecos manipulados pelos atores em cena. Conta a história de Nepomuceno, um ancião vassalo do rei de Espanha, que chega ao Chile colonial com sua jovem esposa Dolores, como herdeiro de terras e criações de cavalos.
Classificação indicativa: 14 anos

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sábado, 22 de maio de 2010

História do Teatro

(Lionel Fischer)

O que se segue é um resumo (e bota resumo nisso!) da História do Teatro desde sua criação até o início do século XX. Este texto é dirigido sobretudo a jovens estudantes que, com uma constância comovente, têm me pedido para colocar neste blog "uma geral do que rolou desde o começo". Após relutar o quanto pude, acabei me rendendo aos múltiplos apelos. Mas no tocante ao século XX e XXI, fica para uma próxima ocasião - digamos, daqui a uns 10 anos...

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O Nascimento

Tudo se inicia na praça do velho mercado de Atenas, a mais importante cidade-Estado da Grécia no século VI a. C. Contra a vontade de Sólon, tirano e legislador eficaz mas nem sempre dedicado às sutilezas da sensibilidade, o povo preferiu acreditar em cada gesto de Téspis - um homem estranho, que ousava imitar os deuses e os homens.

Grossa túnica nos ombros e tosca máscara sobre o rosto, Téspis desceu solene e grave os degraus do altar que improvisara sobre uma carroça. E sem esperar que os circundantes se refizessem do inesperado, afirmou: "Eu sou Dionisio". Foi um sacrílego e surpreendente momento das festas que a tradição reservava ao deus da alegria; foi também o instante em que, pela primeira vez, um obscuro e arrogante grego se fez aceitar como deus de carne e osso pelos atenientes do mercado. E foi o começo de uma aventura espiritual que atravessaria os séculos, mesclando - à imagem do próprio homem - verdade e fantasia, risos e lágrimas: o nascimento do Teatro.

No século seguinte, V a. C., quando a democracia se instalou na Grécia, começaram a ser organizados concursos que premiavam quem melhor falasse a sua linguagem e distraísse a multidão.


A tragédia grega

Na Atenas democrática do século V a. C., os grandes autores trágicos usariam de maneira mais racional, embora carregados de emocionalismo, os elementos que Téspis desorganizadamente vislumbrara nas suas imitações. À túnica, à máscara, à luz das tochas e aos eventuais recursos de encenação improvisada incorporou-se a poesia como núcleo. Ao mesmo tempo, em substituição à pequena carroça de Téspis, implantou-se a grande plataforma fixa, um palco verdadeiro sobre o qual já se podia organizar um espetáculo, com atores, coro e arquibancadas, anualmente levantadas para um imenso público.

Esse dimensionamento ganhou ainda maior proporção quando se escolheu um local para as representações: o terreno consagrado a Dionisio na encosta sudeste da Acrópole. Ali Ésquilo, Sófocles e Eurípedes tiveram encenadas quase todas as suas tragédias, sempre marcadas pelo mesmo tom ritualístico com que os clãs da Grécia arcaica celebravam Dionisio, a boa divindade da paixão e da embriaguez, capaz de traduzir a ilusão mágica de que os mortais comungam com a natureza divina.


Como eram as tragédias

Versando sobre realidades e mitos, as histórias das tragédias eram conhecidas de todos. Falavam de heróis legendários em luta contra o Destino inexorável, e dos deuses, sempre presentes para recompensar a coragem e punir a rebeldia. A partir do comportamento do herói diante das imposições do Destino, organizava-se toda a ação dramática.


A Catarse

A catarse foi definida pelo filósofo Aristóteles como um fenômeno que purifica a alma das paixões sufocantes. De acordo com ele, "ao inspirar, por meio da ficção, certas emoções penosas ou malsãs, especialmente a piedade e o terror, a catarse nos liberta dessas mesmas emoções".


A primeira estética
da arte dramática

Baseado na observação crítica das tragédias, Aristóteles construiu a primeira estética da arte dramática: a "Poética". Nela acham-se definidos o pensamento, a fábula, o caráter, a linguagem, a melodia e a encenação - os seis elementos essenciais da obra teatral. Todos eles deveriam estar subordinados à regra das três unidades - ação, tempo e lugar - observadas de certa maneira pelos autores gregos e pelos clássicos franceses muitos séculos depois. Uma curiosidade: o teatro grego é responsável pela invenção de dois termos para designar caracteres opostos: "protagonista" (herói) e "antagonista" (vilão).


Comédia: o Teatro
como brincadeira

Originada da parte mais alegre do ditirambo - cântico improvisado das primitivas procissões dionisíacas - a comédia encerrava os festivais atenienses mostrando aos espectadores que o teatro é uma grande brincadeira.

Os gregos associavam a comédia a personagens ridículas representadas como pessoas absurdas e ofensivas. Apresentada como uma forma burlesca da tragédia que a precedera, a comédia nem por isso deixava de dirigir críticas mordazes às instituições e às pessoas notáveis. Os próprios deuses eram objeto de sua contundente jocosidade. O maior comediógrafo grego foi Aristófanes, e dentre os romanos citamos Plauto e Terêncio.


Roma domina o mundo e
o Cristianismo se impõe

Durante todo o período de expansão política de Roma e na fase em que o império mostrava sinais de decadência, a comédia popular manteve um público certo. E nem mesmo a adoção do Cristianismo - impondo seus valores a um mundo que se fragmentava - foi suficiente para mudar de imediato os costumes. O povo continuava vibrando com a licenciosidade do mimo e da pantomima, forma dramática sem palavras, baseada na imitação mais ou menos estilizada. No século V, numa de suas primeiras manifestações de autoridade, a Igreja acabaria por excomungar os atores, medida que não foi suficiente para terminar com os espetáculos. Assim, no século seguinte, os teatros foram rigorosamente proibidos de funcionar.


Teatro Medieval: uma
fantástica visão de sonho

Nessa época, a Igreja detinha o monopólio da educação. Mas os espetáculos profanos não perderam sua força, apenas eram confinados no interior dos feudos, mais precisamente dentro dos castelos senhoriais. É aí que surge a figura do Menestrel. Ele era um misto de cantor da corte da primitiva Idade Média e do antigo jogral dos tempos clássicos. Dotado de impressionante versatilidade, o Menestrel ocupou o lugar do poeta culto, especializado na balada heróica. Mas não assumiu apenas a função de poeta e cantor. Era a um só tempo músico, dançarino, dramaturgo, ator, palhaço e acrobata, executando divertimentos de todos os gêneros, desde as canções de baile às histórias de fadas e lendas dos santos. O Menestrel tentava o sensacional, as grandes tiradas, a poesia viva. O Menestrel também sofreu a hostilidade do clero, diante do qual sucumbiram os cantores nos séculos VII e IX. Assim, a partir dessa época, multiplicaram-se os artistas errantes e vagabundos, que se viam obrigados a procurar seu público nas estradas e feiras.


Cultura: patrimônio da Igreja

Aos camponeses convocados para festejar as datas católicas, eram didaticamente apresentadas as chamadas Moralidades, em que abstrações como a gula e a luxúria, consideradas pecados capitais, surgiam na forma de terríveis demônios. Esse apavorante teatro a serviço de idéias religiosas continha ao mesmo tempo rústicos traços de tragédia, comédia e farsa. O programa cultural da Igreja atingiu completamente seu objetivo no fim do século X. Com a aproximação do ano 1.000 passou-se a pregar o fim do mundo, o julgamento final e o terror da morte. Os homens viviam em constante estado de excitação religiosa, com peregrinações, cruzadas e excomunhões de imperadores e reis.

O incipiente teatro medieval de inspiração religiosa é o resultado de uma fantástica visão de sonho. Com o reflorescimento do comércio e da vida urbana, no século XI, aparecem novas cidades e mercados, novas ordens e escolas, mas por muito tempo ainda se respirou a atmosfera apocalíptica do Juízo Final. Sobretudo na Espanha, a técnica das Moralidades passou a ser utilizada no drama litúrgico que se desenvolveu entre os séculos XII e XIII. O mais antigo exemplo que se conhece em língua castelhana é o "Auto dos Reis Magos", peça que integrava o ciclo de Natal.

Objetivando indicar os caminhos de salvação da alma, os Autos falavam dos episódios bíblicos e exaltavam a vida dos santos e mártires que haviam tombado em nome da fé. Eram geralmente peças em um ato, com indisfarçável caráter alegórico, que integravam as encenações cíclicas; na Espanha, tornaram-se famosos os ciclos de "Corpus Christi" (que celebrava o mistério do Eucaristia) e o da "Paixão" (quando se rememorava a tragédia de Cristo). As representações da "Paixão" compunham-se de numerosas cenas em seqüência, com centenas de atores. Elas duravam diversos dias e seus episódios, muito mais do que simples situações dramáticas, demonstravam o gosto pelo espetacular e pelo movimento.


O espaço de representação
na Idade Média

A Idade Média não criou um edifício teatral próprio. No início, os espectadores se confundiam com o próprio ofício religioso. Tinham lugar dentro ou diante do pórtico das igrejas. Mais tarde, foram transferidos para a praça pública. Uma tela imensa, fixada por cordas, cobria os espectadores. Os privilegiados dispunham de camarotes especiais, mas essa hierarquia não destruía o espírito de celebração de caráter eminentemente religioso. A praça estimulava o comparecimento do povo, que se mostrava arredio a locais fechados. Assim, o drama religioso estava destinado a se fundir com os gêneros profanos.

Os Autos Sacramentais começaram a ser montados sobre carroções, nos quais se armavam complicados cenários e engenhosos maquinismos, capazes de proporcionar a ilusão de milagres e aparições de santos e diabos. E, além dos truques técnicos, o teatro incorporou o luxo dos figurinos. Renovado anualmente, o traje dos atores era então de uma riqueza extraordinária. Embora os artistas itinerantes se vissem obrigados a atuar nessas peças didáticas e maniqueístas, em que o catolicismo levava à salvação e a irreligiosidade à danação eterna, muitos deles já começavam a ganhar certo prestígio em repertórios que prenunciavam a liberação renascentista.


Renascença: o homem como
medida de todas as coisas

Desde o final da Idade Média, as grandes casas senhoriais contratavam seus próprios atores em substituição aos antigos menestréis. Nas datas festivas, sobretudo no Natal e nos casamentos, esses comediantes encenavam peças especialmente escritas para a ocasião. Mas mesmo quando se organizavam em companhias independentes, continuavam respeitando a relação de serviço, pois submetendo-se ao patronato ganhavam proteção contra a animosidade das autoridades da cidade. Além disso, recebiam uma pequena anuidade e somas extras quando representavam na casa do amo.

Os atores domésticos são herdeiros diretos dos menestréis e bobos da corte e estabelecem o elo com os artistas profissionais da Renascença, do Barroco e da Idade Moderna. Com a gradual decadência das velhas famílias e o fortalecimento do poder real, os comediantes tiveram a princípio que se sustentar por si mesmos. No entanto, a centralização da vida cultural e palaciana em cidades como Florença, Londres, Madri e Paris serviu de poderoso incentivo para a formação de companhias regulares de teatro. Os países europeus achavam-se então em plena Renascença quando as artes começaram a se emancipar dos dogmas eclesiásticos para se ligar intimamente à filosofia humanista.

O teatro sofreu de alguma forma essa evolução, embora o drama religioso despontasse ainda com certa insistência na obra de portugueses (com Gil Vicente) e espanhóis do chamado "Século de Ouro" (XVI e XVII), sendo os mais renomados Lope de Vega e Calderón de la Barca - o Brasil também conheceu esse drama teatral didático e religioso na época da colonização, através dos Autos do jesuíta e poeta espanhol José de Anchieta. Instrumento de catequisação, o teatro jesuíta apoiava-se nas lendas dos mártires e dos santos, incluindo histórias do Velho Testamento e da mitologia clássica, mostrando em cenas horripilantes as conseqüências da heresia e da maldade.


Lope de Vega: criador da
moderna dramaturgia

A Lope de Vega se deve o estabelecimento das fórmulas da Comedia Nueva, que reduziu a três o número de atos, fundiu os elementos trágicos e cômicos, dinamizou a ação e a intriga, e repeliu as unidades aristotélicas de tempo e lugar. A Comedia Nueva era encenada nos corrales, teatros públicos urbanos surgidos na Espanha. Consistiam de um pátio cercado de casas, que as ordens religiosas alugavam às companhias. Tratava-se de um teatro a céu aberto, com um pequeno palco coberto e um cenário simples. As funções duravam duas ou três horas, terminavam antes do pôr-do-sol e eram repetidas três vezes por semana. Esse foi um dos primeiros teatros a se diferençar das representações da Igreja e dos espetáculos encenados na corte.


Commedia dell' Arte:
Teatro do povo

Na Itália, onde uma rica classe de banqueiros e comerciantes havia estabelecido as premissas do desenvolvimento capitalista do Ocidente, a nova cultura artística aflorou mais rapidamente. Assim, já em meados do século XVI, os atores e as companhias se profissionalizaram através da Commedia dell' Arte, uma forma de teatro popular surgida em oposição à comédia literária e erudita de autores como Ariosto, Aretino e Maquiavel, que seguiam fielmente o modelo clássico romano estabelecido por Paluto e Terêncio.

A Commedia dell' Arte vulgarizou a trama, as intrigas e as situações, aproveitando máscaras e trajes carnavalescos e os grandes recursos da pantomima popular. Permitindo ao ator ilimitados recursos de improvisação, o gênero fez do intérprete o mais importante elemento do gênero teatral. Embora os intérpretes devessem seguir os achados cômicos (lazzi) e respeitar os roteiros básicos (canovacci), havia extrema liberdade de variações. Assim, era válida a idéia de que os diálogos se conjugassem de acordo com a fantasia do momento.

Essa liberdade criadora, paradoxalmente, confina-se por outra limitação: os atores fixavam-se sempre numa "máscara", especializando-se em determinado papel, pelo qual ficavam famosos até a morte. Com base num esquema, os cômicos davam largas à sua imaginação. Mas, na realidade, eles acabavam por ser autores de um só tipo. Geralmente, o espetáculo mostrava um casal de namorados em luta contra a proibição dos pais, em meio a intrigas e acrobacias dos criados e intervenções do Arlequim, da Colombina, de Pantaleão, do Doutor e do Capitão.

As companhias itinerantes fizeram da Commedia dell' Arte um dos gêneros mais populares de toda a Itália, com profundos reflexos no teatro europeu da época. Contudo, a pobreza do texto, provocando desequilíbrios no espetáculo, constituiu o principal fator de sua decadência. No século XVIII, Goldoni, autor máximo do teatro veneziano, iria se inspirar na Commedia dell' Arte para escrever suas principais peças de costumes, mas teria o cuidado de limitar a palhaçada gratuita e a improvisação arbitrária. De qualquer forma, a Commedia dell' Arte pode ser considerada o ponto de partida das diferentes e posteriores formas de teatro do povo, que culminaram no drama shakespeariano.


O Teatro Elisabetano

O drama medieval, que consistia principalmente em festas públicas e pantomimas, fora transformado pelos humanistas num trabalho de arte literária. Shakespeare - que dispensa maiores apresentações - adotou essa inovação, conservando ainda a separação medieval entre palco e platéia, além da mobilidade de ação do drama religioso. Mas no conteúdo e na tendência, seu teatro foi determinado pela estrutura social e política da época - época do realismo político, que leva o conflito dramático da própria ação à alma do herói.

Um fato importante aconteceu com a dramaturgia inglesa: os primeiros dramaturgos profissionais do país já não escreviam exclusivamente para a corte e passaram a apresentar suas peças nos pequenos teatros londrinos recém inaugurados: The Theatre, The Rose, The Globe e The Fortune. E a platéia era bastante heterogênea, embora as classes superiores constituíssem a grande maioria.


O Classicismo francês

No mesmo momento em que o teatro renascia em Londres, os autores franceses lançavam sérias críticas à obra de Shakespeare, a quem não perdoavam o desprezo pelas regras aristotélicas, principalmente à unidade de tempo e espaço e à nítida separação de elementos trágicos e cômicos. Ou seja: os dramaturgos franceses do século XVII seguiam fielmente as regras estabelecidas pela "Poética" de Aristóteles. Mas sua obra, quando comparada à dos gregos, é repleta de artificialismo e arbitrariedade, pois faltava-lhe o sentido trágico que os atenienses haviam encontrado naturalmente em sua comunidade. Apesar de tudo, o teatro de Corneille e Racine atingiu momentos de grande perfeição formal.


Molière

É o maior nome do teatro francês da época. Embora pertencesse à classe média, como a maioria dos escritores do período, Molière conquistou os salões porque não era um simples executante de trabalho manual, a cujo respeito a nobreza nutria seu mais antigo preconceito. Além disso, não punha em xeque a instituição da monarquia, a autoridade da Igreja e os privilégios da corte. Mas, ao colocar em cena heróis que reagiam com empenho diante de um problema - Em "O tartufo", diante da religião; em "Don Juan", diante do amor; em "O misantropo", diante da sociedade - e ao descrever impostores, falsos devotos e maus cristãos, Molière angariou a fúria dos censores. Suas peças continham mais verdade do que seria desejável. Mas, sempre que pôde, o autor de "O burguês fidalgo" não deixou de criticar a estupidez dos nobres com a mesma irreverência com que mostrou a vulgaridade de camponeses, pequenos comerciantes e burgueses.


Século XVIII: dramas burgueses
e tragédias político-históricas

Neste século surge o drama burguês. Esse teatro exprimia anseios romântico-emocionais, mas acaba insistindo nas convenções herdadas do classicismo. Sem compreender a verdadeira diferença entre tragédia e tristeza, o público preferia sempre um desenlace satisfatório. Os principais nomes do drama burguês - Lilo, Diderot e Lessing - escreveram peças em que o indivíduo era condicionado pela realidade do cotidiano. Ao mesmo tempo, na corte de Weimar (Alemanha), Schiller e Goethe desenvolviam o classicismo alemão, criando dramas e tragédias político-históricas movidos por intenções idealistas.


Século XIX

Neste século, numa tentativa de desmistificar a figura do herói romântico e idealista, e certamente visando conferir à cena uma maior carga de verdade e atualidade, surge o Naturalismo. Um dos pilares desse movimento foi o escritor francês Émile Zola, que dizia que o artista deveria descrever objetivamente a realidade, transformando-se em verdadeiro pesquisador com intenções pedagógicas e críticas. O primeiro grande dramaturgo a trabalhar com conceitos naturalistas foi o sueco Strindberg em obras como "O pai" e "senhorita Julia". Esse naturalismo foi convertido mais adiante em Realismo, cujo maior nome é o norueguês Ibsen - temos também Gogol, Shaw, Tchecov etc.


Qual a diferença entre
Naturalismo e Realismo?

O conceito de Naturalismo pressupõe uma cópia fiel da realidade. O Realismo dispensa essa rigidez quase que fotográfica.


Antoine:
encenações naturalistas

Um dos primeiros grandes encenadores do teatro moderno foi Antoine (1859-1943). Fundador do Teatro Livre de Paris e do Teatro Antoine, ele introduziu o Naturalismo na encenação. Ele pretendia copiar a vida em todas as suas minúcias, empregando para isso recursos de iluminação e cenários que transformavam o palco numa grande fotografia. Se a ação se desenrolava num açougue, por exemplo, fazia do palco um verdadeiro açougue. Dos atores exigia não apenas que interpretassem, mas que vivessem os personagens com total identificação. A ele se deve a introdução do conceito de "quarta parede", um dos pontos básicos da interpretação naturalista: os atores deveriam considerar a boca de cena como a quarta parede do cenário, a fim de ignorarem o público e atingirem a plena verdade dos personagens.


Os simbolistas:
rejeição ao Naturalismo

Mas essa obsessão por copiar a realidade acabou sendo contestada pelos adeptos do Simbolismo - escola literária que pregava a expressão subjetiva através de símbolos. No teatro, os artistas contrários aos naturalistas sustentavam que eles, no fundo, padeciam de falta de imaginação. Ao invés, por exemplo, de copiar em cena um açougue, os simbolistas achavam muito mais válido e teatral apenas sugeri-lo por meio de abstrações, ou seja, apresentar uma idéia estilizada que dele se fazia. Essas idéias, que também seriam aproveitadas pelos expressionistas, possibilitaram o nascimento de uma estética teatral que utilizava muito mais recursos de luz, som, movimento, cor e volume como instrumentos a serviço da projeção da ação dramática.

E os maiores responsáveis pela rejeição ao rígido esquema naturalista foram encenadores como Stanislavski, Meyerhold, Max Reinhardt, Adolphe Appia, Gordon Craic, Jacques Copeau, Artaud, Brecht, Piscator, Dullin, Jouvet, Jean Louis Barrault, Jean Villar, Roger Planchon, Gaston Baty e mais adiante Victor Garcia, Julien Beck e Judith Malina, Tadeuz Kantor, Eugenio Barba e o maior de todos, Peter Brook.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Diretor e o Ator

H. C. Heffner
O diretor, principalmente em um teatro não-comercial, embora interessado em todos que tenham uma parcela de responsabilidade na produção de um espetáculo, dispende a maior parte de tempo e energia com os atores. O bom diretor é um professor da arte de representar e um preceptor dos atores. Portanto, um diretor deve reconhecer a arte, as técnicas de representação e o modo de transmitir estas informações de modo a obter o máximo rendimento dos atores.

No mundo teatral o diretor deve ajudar o ator na criação do personagem e na aquisição e domínio das técnicas de representação, através das quais o personagem é formado. Já que considerável parte do tempo e da energia de um diretor é dedicada ao ensino da arte, à técnica de representação e ao monitoramento dos atores dentro destas técnicas, o assunto deverá ser explorado em todos os aspectos da direção.

Talvez não seja necessário comentar que esse tipo de abordagem não implica numa discussão completa sobre a arte de representar, mas os problemas básicos provenientes das relações de um diretor ao trabalhar com os atores devem ser resumidos. O trabalho do diretor naturalmente irá variar de ator para ator e dependerá do treinamento e da experiência do ator, do seu papel no espetáculo, da sua personalidade e atitudes. Um professor não conseguirá obter bons resultados utilizando o mesmo método com todos os alunos.

A arte e a técnica de representar é complexa e exige, além de aptidão, anos de treinamento e experiência. No curto período de ensaios, o diretor não pode esperar ensinar toda arte para uma pessoa inexperiente. Ele deve, portanto, concentrar-se em cada ator e nas técnicas essenciais para o papel e para superar as falhas de desempenho.

No teatro moderno realístico as técnicas de representação têm sido quase que suplantadas e descartadas para serem substituídas por um certo tipo de exibcionismo. Durante a distribuição dos papéis em peças e filmes, procura-se um indivíduo que possua exatamente o físico, a expressão facial e a personalidade adequada para cada papel; tão logo seja encontrado, simplesmente é treinado para apresentar suas próprias peculiaridades e excentricidades.

Se o que se quer é um gangster durão, procura-se alguém com traços e características semelhantes as de Humphrey Bogart. Se o que se quer é um homem idoso com modos educados e refinados, tal tipo de pessoa será encontrada. Às vezes, estas pessoas, que se adequam perfeitamente a um único papel devido a sua aparência e temperamento, não tiveram nenhum tipo de treinamento ou experiência anterior na arte de representar. Se obtêm sucesso neste tipo de papel, provavelmente continuarão a representá-lo em sucessivos espetáculos ou filmes.

Eles estão, em outras palavras, constantemente representando eles mesmos e seriam um total fracasso caso tivessem que interpretar um personagem de uma peça de Molière ou de Shakespeare. Este tipo de distribuição de papéis e representação, pode ser às vezes, e em certas peças o é, extremamente convincente e bem sucedida. Todo diretor, ao procurar atores para um espetáculo, emprega até certo ponto tais procedimentos para a distribuição dos papéis ao elenco.

Entretanto, tais procedimentos não produzirão um ator versátil com total domínio da arte, pois através de tal tipo de distribuição é difícil, senão impossível, desenvolver uma representação mais abrangente. Um ator que só sabe exibir suas características pessoais não conseguirá se adaptar aos diversos estilos de caracterização do drama grego, de Shakespeare, Molière e Ibsen.

Por outro lado, o ator-artista com o seu total treinamento e através do domínio da técnica está equipado para, dentro dos limites de variação, interpretar diversos personagens em muitos estilos diferentes. Até mesmo dentro de um restrito âmbito de realismo, a técnica é importante e essencial para uma boa representação.

Para obter sucesso em cada papel, o ator deve aprender os recursos e os métodos de sua profissão. A grande quantidade de pequenos recursos e técnicas promovem a certeza, a facilidade e o êxito na interpretação de um papel, e só são adquiridos através de um treinamento constante e da experiência. Não há uma fórmula-chave para a arte de ser ator e nenhum método que garanta o sucesso.

Além das técnicas de formação, o grande ator deve adestrar a imaginação, se ele já não a possui em boa dose; e se a possui, deve constantemente desenvolvê-la. A imaginação do ator é, antes de tudo, o dom de penetrar intuitivamente nas personalidades de muitos indivíduos diferentes; a técnica do ator se revela através dos recursos, dos meios pelos quais ele seleciona e aperfeiçoa o que é significativo para compor intuitivamente a personalidade imaginada para o papel. Junto com esta imaginação intuitiva é encontrado no grande ator um senso de estilo de caracterização que consegue discernir as diferenças, por exemplo, entre o Duque de Orsino em "Noite de reis" e Alceste em "O misantropo".

A arte de representar, tal como é discutida aqui, pode ser definida como a arte de compor um personagem através dos recursos vocais e visuais, a fim de convencer e sensibilizar a platéia. Os dois instrumentos da arte do ator no palco são sua voz e corpo. No cinema, a arte de representar possui um outro instrumento, a câmera, a qual de certo modo serve para diferenciar da representação no teatro; e as mesmas diferenças se aplicam, embora um tanto diferentemente, na representação na televisão.

Então, obviamente, na representação teatral, há duas categorias de técnicas, voz e corpo, as quais o ator deve dominar. Do mesmo modo que a câmera é um fator determinante na representação em um filme, o teatro e a platéia são determinantes no desempenho de um ator experiente. Este ator não representa simplesmente um papel; ele também "eleva" a sua interpretação às condições de um teatro específico. Um ator que interpreta um personagem dentro de um mesmo teatro da Broadway durante toda a temporada da peça ou que sempre atua em um mesmo teatro pode não perceber o nível para o qual a interpretação de um papel deve ser "elevado".

Se, entretanto, ele participa de uma turnê, representando em teatros diferentes durante semanas consecutivas, logo perceberá a influência do tamanho do teatro sobre a sua técnica. As intrínsecas e sutis técnicas convenientes para a projeção de um papel em um teatro com um palco central pequeno seriam totalmente perdidas em um teatro grande com mais de três mil lugares.

Um dos fatores que mantém um ator experiente sempre motivado em suas constantes interpretações, noite após noite, durante uma longa temporada de uma peça, é o conhecimento, a satisfação para com o seu papel e o prazer de atuar para uma platéia de teatro. Neste aspecto, ele pode ser comparado a um pescador experiente tentando fisgar uma truta grande com um caniço e um samburá. Um pescador sabe que não se pode segurar exatamente do mesmo modo nem dois peixes, nem dois potes d'água. Alguns são fáceis, enquanto outros exigem toda destreza, atenção e inteligência.

Do mesmo modo que, sem deixar transparecer, o ator observa as platéias, orienta as suas reações e as utiliza para construir outros efeitos. Este ator "sente" a platéia do mesmo modo que um orador público experiente sente a sua platéia. Esta representação para uma platéia e o sentir de suas reações são um grande estímulo para o ator em uma temporada. A falta desta capacidade é um dos fatores que diferencia o amador do profissional. O ator iniciante possui tantas dificuldades na simples interpretação de seu papel e no trabalho de palco que ele pode se esquecer completamente da existência da platéia, se o diretor não o relembra constantemente de que ele está representando para uma.


DOMÍNIO DA CARACTERIZAÇÃO

A primeira tarefa do ator é conhecer totalmente o personagem que ele irá representar e fazer com que este personagem pareça ser uma pessoa real. Para fazer isto ele deve criar mentalmente uma imagem do tipo de pessoa que está retratando, e identificar-se com esta pessoa. Os atores variam muito nos métodos utilizados para realizar esta tarefa. Alguns são altamente intuitivos e trabalham melhor através de sugestões do que por meio de uma análise direta; outros são mais intelectualizados: precisam primeiro analisar detalhadamente o papel que representarão antes de compô-lo.

O diretor pode ser útil para cada um destes tipos de ator ao esclarecer o máximo possível o tipo de personagem exigido para a ação na peça. Ele pode indicar os traços específicos com os quais o dramaturgo contemplou o personagem, tornando as suas ações verossímeis. À medida que o diretor conhece o ator, pode sugerir atributos subsidiários e maneirismos que possam melhorar a caracterização e ajudar a torná-los reais no palco. Entretanto, tem que ter o cuidado de não impor uma interpretação do papel rígida demais, pois deve encorajar o ator a desenvolver o personagem à medida que o vai incorporando.

Os traços externos de um personagem - idade, altura, postura, andar, vestir e maneirismos gestuais, e assim por diante - são relativamente fáceis de serem analisados, e não são difíceis de serem dominados. São os aspectos internos - atitude, emoção, pensamento e decisões que são mais difíceis de serem discernidos e transmitidos. Um bom conselho para se penetrar no interior de um personagem, por assim dizer, é, como já sugerimos, perguntar o que ele quer: Quais são os seus desejos? O que ele pretende? Qual é o desejo ou força que o impulsiona? Às vezes, este desejo ou força impulsora é facilmente verbalizável, mas é difícil identificá-la. O exemplo de "Fedra", de Racine, impulsionada por uma paixão proibida pelo seu enteado, ilustra bem este aspecto. Seu desejo proibido, como a ambição de Macbeth, a leva a seu terrível conflito interno.

Em certos casos, especialmente em personagens secundários,o desejo ou força propulsora não é o ponto central da caracterização. Às vezes, ajuda o ator imaginar uma força interna que o conduz para tal papel. É claro que esta força interna concedida ao personagem deve ser compatível com o papel na peça.

Outro recurso para dominar e penetrar em um personagem é o de construir ou inventar uma biografia para o mesmo. O diretor criativo ou o ator podem facilmente construir um esboço adequado ao passado de qualquer personagem, embora este passado apareça muito pouco ou nem mesmo apareça na peça. Sabemos que certos dramaturgos, inclusive Ibsen, trabalharam desta maneira ao desenvolverem seus personagens.

Ao delinear este esboço em cima dos seus conhecimentos, personagens de livros e romances, e através da livre imaginação, o ator pode cercar o seu papel com uma grande quantidade de detalhes que servem para conceder a este personagem estatura, peso e verossimilhança. Este recurso deve ser incentivado desde que os detalhes da biografia inventada estejam em total conformidade com o papel na peça. O objetivo é o de fazer com que o personagem da peça adquira vida no palco em toda a sua plenitude.

Outro recurso que auxilia o ator em seu trabalho de composição é determinar e identificar-se com as atitudes do personagem e com sua reações para com os outros personagens da peça. Com alguns ele pode ser totalmente indiferente; com outros pode ser abertamente ou secretamente hostil; enquanto que para com outros, ser em diversos níveis amigável e solidário. O ator deve procurar avaliar estes relacionamentos muito embora, às vezes, seja difícil declarar explicitamente o simples motivo de uma pessoa reagir de um ccerto modo para com outra.

Estas reações de um ser humano para com outro são material básico para a construção do drama; daí o ator ter que compreender, sentir e utilizar tais reações. Ele tem à sua disposição uma variedade de recursos - tom de voz, escolha das palavras, o modo que deve olhar outra pessoa, o balançar dos ombros, o gesto das mãos, a postura do corpo - através dos quais pode transmitir ao público a sua atitude para com outro personagem; mas primeiro ele deve "sentir" tal atitude.

Neste processo de reação para com os outros, o ator deve encontrar em seu papel um tipo de auto-justificação. Muito embora ele possa estar representando um completo vilão, do tipo Iago, deve encarar as atitudes e reações com os olhos de Iago. Não deve ver o Iago através dos olhos de um leitor objetivo da peça. Deve sim procurar sentir o ódio de Iago por Othelo e o prazer que sentia ao aprontar-lhe uma cilada. Representar Iago sem esta identificação e auto-justificação é apenas representá-lo externamente. Embora este retrato esteja tecnicamente perfeito, lhe faltará grandeza e convicção.

Nisto, como em outros recursos utilizados para dominar o personagem, o diretor pode ser de grande ajuda, especialmente para o ator inexperiente. Durante os ensaios ele pode repetidamente enfatizar as reações dos atores entre si. Outro recurso no início da criação do personagem é estudar o aspecto exterior do personagem. Geralmente ajuda o ator a penetrar no personagem - praticar o andar, tipos de postura, gestos, voz e o modo de vestir do personagem.
Ele poderá começar a captar a essência do papel através da postura, do modo de ficar em pé, de falar, tal como o personagem faria na vida real. Mas o ator não deve apenas se satisfazer com estes aspectos exteriores do personagem. Ele deve fazer com que estes aspectos exteriores o conduzam à natureza interior do personagem.

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Artigo extraído - e aqui um pouco reduzido - da revista Cadernos de Teatro nº 121/1989. O original está publicado em "Modern Theatre Practice", 6ºth ed. 1973, N.Y. Appleton Century. Tradução de Verônica E. Moura.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Vencedores do Prêmio Shell - São Paulo


Lista completa de vencedores ao 22º Prêmio Shell de Teatro de São Paulo:

Música
William Guedes, por "Concerto de Ispinho e Fulô"
Figurino
Wanda Sgarbi, por "O Capitão e a Sereia"
Iluminação
Luiz Päetow, por "Music Hall"
Cenário
Marcelo Andrade e Newton Moreno, por "Memória da Cana"
Ator
João Miguel, por "Só"
Atriz
Fernanda Montenegro, por "Viver Sem Tempos Mortos"
Direção
Newton Moreno, por "Memória da Cana"
Autor
Rafael Primot, por "O Livro dos Monstros Guardados"
Categoria especial
Cia. São Jorge de Variedades, pela pesquisa e criação do espetáculo "Quem Não Sabe Mais Quem É, O Que É e Onde Está, Precisa Se Mexer"
Homenagem
Ao diretor, ator, ensaísta e tradutor Fernando Peixoto, pela contribuição ao teatro brasileiro


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Folha Online

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Vencedores do Prêmio Shell - Rio de Janeiro

Aconteceu na noite do dia 05 de abril de 2010, no Rio, a entrega da etapa carioca do Prêmio Shell de Teatro. A peça "In on It" foi o destaque da noite com duas premiações: melhor ator para Fernando Eiras e melhor diretor, prêmio concedido a Enrique Diaz.

O prêmio de melhor atriz foi para Beth Goulart, por sua atuação em "Simplesmente eu, Clarice Lispector". Já Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche receberam o prêmio pela autoria de "Oui oui... A França é aqui".

A atriz Eva Todor foi a grande homenageada da noite, por sua carreira de 76 anos. "Este é um reconhecimento que resume uma vida inteira de compensações", disse a atriz.

Os vencedores em cada categoria receberam uma escultura do artista plástico Domenico Calabroni e uma premiação individual de R$ 8 mil.

Criado em 1989, o Prêmio Shell de Teatro é uma das principais premiações da categoria no Brasil. Em cada edição do prêmio são divulgadas duas listas de indicados. Os espetáculos selecionados na segunda fase estrearam no Rio de Janeiro entre os meses de julho e dezembro de 2009 e cumpriram o número mínimo de 24 apresentações.

Confira a lista completa dos vencedores do 22º Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro:

Música

Tim Rescala, pela direção musical e arranjos de "Miranda por Miranda"

Figurino

Rodrigo Cohen, por "Farsa da boa preguiça"

Iluminação

Paulo César Medeiros, por "O Despertar da Primavera"

Cenário

Alberto Renault, por "Dois Irmãos" 

Ator

Fernando Eiras, por "In on It"

Atriz

Beth Goulart, por "Simplesmente eu, Clarice Lispector" 

Direção

Enrique Diaz, por "In on It" 

Autor

Gustavo Gasparani e Eduardo Rieche, por "Oui oui... A França é aqui"

Categoria especial

Claudio Botelho, pela versão das músicas de "Avenida Q" 

Homenagem

Eva Todor



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Da Folha Online

domingo, 28 de março de 2010

Dia Mundial do Teatro, 27 de Março de 2010. Mensagem Internacional por Judi Dench.

A Jornada Mundial do Teatro é para nós a ocasião de celebrar o Teatro na multiplicidade de suas formas. Fonte de divertimento e inspiração, o teatro contém em si a capacidade de unificar as inúmeras populações e culturas que existem pelo mundo afora. Mas ele representa muito mais do que isso, ao oferecer-nos possibilidades de educação e informação.
O teatro acontece no mundo inteiro, e não apenas nos seus espaços tradicionais : os espetáculos podem ser realizados numa pequena aldeia da África, no sopé de uma montanha da Armênia, em uma pequena ilha do Pacífico. Tudo o que precisa é de um espaço e de um público alvo. O teatro possui esse dom de nos fazer rir, de nos fazer chorar, mas ele deve, também, fazer-nos refletir e reagir.
O teatro é fruto de um trabalho de equipe. São os atores que vemos, mas existe um número espantoso de pessoas escondidas, todas elas tão importantes quanto os primeiros e cujas diferentes e específicas competências permitem a realização do espetáculo. A eles se deve uma parte de todo o triunfo ou sucesso alcançado.
O dia 27 de março é a data oficial da Jornada Mundial do Teatro. Mas cada dia deveria poder ser considerado, de diversas maneiras, como uma jornada do teatro, pois cabe-nos a responsabilidade de perpetuar esta tradição de divertimento, de educação e de edificação dos públicos, sem os quais não poderíamos existir.


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Dame Judith Olivia Dench (North Yorkshire, 9 de dezembro de 1934) é uma atriz britânica nascida na Inglaterra vencedora do Oscar. Já ganhou muitos prêmios por suas atuações em teatro, televisão e cinema. Quando tinha treze anos, entrou para a The Mount School, em York. Hoje, é patronesse da Friends' School Saffron Walden.
Recebeu seu treinamento profissional no Central School of Speech and Drama em Londres, e estreou como Ophelia em Hamlet em Liverpool, em 1957, na Old Vic Company. Depois, foi aparecer em várias temporadas em Oxford e Nottingham. Em 1961, entrou para a Royal Shakespeare Company e fez muitas aparições em Stratford e Londres ao longo das próximas duas décadas, ganhando vários prêmios de melhor atriz.
Em 1995, Judi interpretou o papel de M (Chefe do MI6) na série de filmes James Bond, aparecendo nos seguintes filmes: GoldenEye (1995); Tomorrow Never Dies (1997); The World Is Not Enough (1999); Die Another Day (2002); Casino Royale (2006); Quantum of Solace (2008) 



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DIA MUNDIAL DO TEATRO - 27 de Março

O Dia Mundial do Teatro, criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro, é celebrado todos o anos, a 27 de Março, pelos centros nacionais do Instituto Internacional do Teatro e pela comunidade teatral internacional. São organizadas numerosas manifestações teatrais nesta ocasião, sendo uma das mais importantes, a difusão da mensagem internacional, tradicionalmente redigida por uma personalidade do Teatro, de renome mundial, a convite do Instituto Internacional do Teatro.
O International Theatre Institute (ITI), uma organização não governamental, foi fundado em Praga no ano de 1948 pela UNESCO e pela comunidade internacional do teatro.







sábado, 20 de março de 2010

ANTUNES FILHO por Domingos Oliveira





Um dia fui a São Paulo. São Paulo para mim sempre foi um lugar perigoso, onde carioca faz besteira, lugar de grandes emoções. Particularmente no teatro, que sempre foi melhor do que o da cidade maravilhosa. Naquela noite os jornais anunciavam “Quatro vezes Nelson”. Quatro peças de Nelson Rodrigues reunidas num espetáculo. “Mas isso vai durar a noite inteira!”, exclamei para mim mesmo. Logo me explicaram que o diretor tinha sintetizado as peças, que agora durava uma hora cada uma. E que não eram mais quatro, eram três. “Beijo no asfalto”, “Toda nudez será castigada” e “Álbum de família”. O diretor era o famoso e temível Antunes Filho, de quem eu só tinha visto o histórico “Macunaíma”, que, confesso com pudor, não tinha gostado tanto assim. Como teatro era ótimo. Interessante aquele talco jogado pro ar, aquelas mulheres brancas como estátuas num jardim e muitas outras coisas. Mas nunca simpatizei muito com o texto, não devo ter entendido, certamente por defeito meu. Não acho tanta graça assim no Modernismo, embora saiba que ganho inimigos com essa afirmação insólita. Mas essa coisa de “país das bananas” me incomoda um pouco, é uma certa ridicularização do nosso subdesenvolvimento. Não tinha gostado nem de “O rei da vela”, vejam que heresia a minha! Mas isso é um parêntese, não tem importância. Eu vendo esses espetáculos hoje, se fosse possível esse milagre, certamente os adoraria.

Antunes Filho era um homem muito admirado, tanto quanto temido. Era o que eu sabia, pelos jornais. Tinha feito notável carreira no teatro comercial montando espetáculos importantíssimos com os atores de sua geração, que hoje, ou estão mortos, ou são estrelas da Globo. Antunes usava com o seu grupo processos extremamente radicais (“a bolha”, “o desequilíbrio”) e quem não estivesse com ele, estava contra ele. De alguma forma, fazia parte de uma linha de intelectuais brasileiros que poder-se-ia chamar da “inteligência irritada”, que vem de sempre, passando por, Paulo Francis, Glauber, até Jabor e Fernanda Young.
Antunes somente trabalhava com alunos que passavam por longos e penosos ensaios, que liam apenas o que o mestre mandava. E não podiam trabalhar na TV, tinham que assistir todos os ensaios dos colegas atentamente, sem um pio. E mais, não podiam namorar entre si, hetero ou homossexualmente, sob pena de ser posto pra fora do grupo.
Claro que eu, Dominguinhos de Oliveira, oriundo de Ipanema, morria de medo da fera Antunes. Que além do mais, diziam, funcionava como uma espécie de pai primevo freudiano, isto é, subjugava todos os filhos e possuía todas as filhas, esperando o destino inevitável de ser assassinado por eles. Descrito está, portanto, meu temor ao sentar-me naquela cadeira da primeira fila no canto do teatro São Pedro.
José Alves Antunes Filho, nascido em 1929, portanto fazendo 80 anos.
Naquela noite eu ia descobrir o melhor diretor do mundo. Melhor que Brook, Kantor, ou qualquer um dos brasileiros, não obstante o imenso talento de Aderbal Freire Filho, Zé Celso, Amir e outros. Porém tenho esta opinião convicta até hoje, por melhor que sejamos todos. Se entrarmos, os diretores, num prato da balança e no outro, o esguio Antunes, a balança hesita mas pende para o lado dele.
O pano abriu de repente. Nem ouvi os sinais. Dez ou doze atores entraram em cena a passos rápidos dialogando freneticamente o início do “Beijo”. Quando eu vi, já estava na ponta da cadeira, minha atenção elevada ao máximo, para não perder nada. Não havia cenários. Uma rotunda preta bem esticada e mais nada. Não havia jogo de luzes. Uma geral bem iluminada, talvez um contra luz do geral e blecaute, somente no fim de cada peça. O que havia era potência e plena poesia. Firme conhecimento do autor, amor pelo teatro e densidade dramática. Mais que isso. A certeza de que o teatro não tem limites, com seus precários recursos. Os atores não diziam o texto. Renovavam uma repetição da melhor forma de dizer o texto. Cada palavra, cada pausa, orquestrada. A modéstia do espetáculo, do gesto, aliada à grandiloqüência das intenções. O “espetáculo” sempre como potencialização do sentimento das personagens.
Eu fiquei realmente entusiasmado. Entendi pela primeira vez, naquela cadeira do São Pedro, o que é isto, o teatro.
Antes que “Toda nudez” começasse, alguém me disse que Antunes tinha mudado tudo no espetáculo. Naquela semana. E que seria a primeira vez que a nova fórmula seria experimentada. Perguntei: “Mas em quê ele mudou?” Responderam-me: “Todos os personagens se vestiam de preto (o ensaio tinha demorado mais de um ano) e hoje vão todos vestir branco.” Era aterrorizadamente bom.
Depois veio “Álbum de família”, com Nelson Rodrigues representado por um menino de 8 anos que andava por cima das cadeiras e que dançava a valsa, no final, com o pai terrível e a divina mãe.
Imediatamente me apaixonei por uma atriz do grupo dele, sob a égide de Dionísio, e acho que ela também se apaixonou por mim. Ela chegava no hotel e contava durante horas a grande aventura dos ensaios e dos espetáculos. Realmente Antunes Filho exigia do seu teatro nada menos que a plenitude. Através dessa namorada, soube que ele gostava de mim. Me achava um ícone do Rio de Janeiro. Tinha visto “Todas as mulheres do mundo” e adorava a Leila Diniz. Aos poucos, fui me aproximando dessa grande figura e hoje não posso dizer que sou um amigo dele, posto que não convivemos, mas sinto por ele o melhor que um amigo pode sentir.
Passados anos, fui entrevistá-lo em São Paulo, no CPT. A escola Antunes Filho. Ele me concedeu uma entrevista particular, o que, segundo diziam, era raro.
Quando vi, estávamos numa sala vazia Antunes, um câmera, eu e uma jovem interessada em teatro, minha filha Mariana.
Ficamos filmando pouco mais de uma hora. Conversamos sobre suas técnicas insólitas, todos esses processos que ele inventava e obrigava seus discípulos a praticar com a disciplina de bailarinos.
Perguntei-lhe que importância tinha isso. E à boca pequena, ele me respondeu: “Nenhuma, Domingos. É só para os atores pararem de pensar besteira e ficarem mais inteligentes.”
Em seguida, transcrevo alguns trechos dessa entrevista, para deleite dos leitores.
DESCRIÇÃO DA ENTREVISTA
                      
A VIDA
D.O. – Você me parece extremamente satisfeito com a vida que você levou e criou pra você, e que eu sei que você leva... sem arrependimentos.
ANTUNES - ... um moleque. Embora houvesse muitos atalhos e muitos desvios na minha vida, eu consegui voltar pro moleque de 13 anos que eu pensava, eu consegui reconquistar, readquirir os 13 anos. Quando me perguntam a minha idade, eu falo: 13 anos. Eu acho que tenho 13 anos. Não que eu tenha medo da morte. Eu acho que eu tenho a cabeça boba.

D.O. – Você tem medo da morte?
ANTUNES – Não é medo. Eu tenho uma certa preocupação de como eu vou morrer. É muito mais. Eu quero morrer dormindo, se possível.
D.O. – Eu também.
O TEATRO
D.O. – O teatro é chato?
ANTUNES – É chato pra cacete.

D.O. – Só quando é muito bem feito, né?
ANTUNES – Ah... (suspira e sorri) aí é sublime! Mas eu preciso de grandes atores, grande texto! Ah... teatro é ator, bicho, falando o texto direito, com sensibilidade, te emocionando. Agora com esse negócio de (imita) “vapt, vupt”, imagens, coisas caindo, luzes acendendo, apagando, coisas que passam, gente, às vezes... Eu não aguento. É chato de doer! Eu fui ver o Bob Wilson outro dia, todo mundo dormia!
AO JOVEM DIRETOR
D.O. – Conselho para um jovem diretor. Você daria?
ANTUNES – Não. O que eu vou dizer? Seja simples. (...) Não acredite na crítica. (...) Não leve a sério as críticas boas. E é... interminável. Você tem que aprender, bicho, até a morte. Até a morte. Até morrer: “olha tem esse lance aqui, pra você saber, pra você estudar!” É verdade que a gente fala, é lugar comum a gente dizer, eu só aprendi com o tempo que não é só uma frase bonita de efeito de bar. Quanto mais você fica sabendo, mais ignorante você se acha, você se vê. Que você é muito ignorante. É uma frase de efeito, mas pra mim já passou a ser uma frase orgânica. Eu me acho um ignorantaço! E quando a gente é moleque, a gente sabe alguma coisa (imita o moleque) pan, pan, pan! Não é? A gente ilustra, torna a coisa brilhosa e vai em frente! Não, não acreditar nisso. Não acredite em nada. Acredite no empenho. Pro diretor jovem: faça um compromisso consigo mesmo: veja se você vai ser um grande artista pra você ajudar os seres humanos, ajudar a sociedade. Não se ajudar, a si. Ajude a sociedade. Estenda a mão pros outros. Eu não existo se não for através dos outros. Siga essa regra. Quer ser um grande diretor? Quer ser um grande artista? Você não é nada, sem os outros.
Mas antes, fecho esse papel. Confesso que sou fã absoluto de Antunes Filho. Hoje, o vejo como uma pessoa doce, com absoluta consciência da morte e, portanto, também da vida. Um artista, a seu modo, que nunca alivia a exigência sobre si mesmo.
Dizem que mais velho, ele ficou mais manso. Não acredito. Antunes é a fúria.
Ele veio ao Rio dar um curso há poucos anos atrás e larguei tudo para sentar-me no banco dos alunos. Queria saber qual era a novidade do momento. “Bolha”, “distanciamento”, “ressonância”. E agora? Queria saber qual era a nova pergunta que Antunes inventava para seus discípulos e, portanto, para si mesmo.
E era a seguinte: “Quando o ator estiver com a cena pronta, perfeita, estudada, compreendida, sentida, formatada com virtualidade... nesse momento, ele deve se perguntar, ou melhor, gritar a pergunta: - E agora? Será que é apenas isso? Apenas isso?”
Esse é Antunes.

Na verdade, o encontrei poucas vezes, pessoalmente. Somente quando vou a São Paulo, em geral para ver um espetáculo dele. Me lembro bem de um dia ter me arrojado aos seus pés no hall do teatro, entusiasmado com um que tinha visto. E de uma ou outra pequena conversa, nas quais ficou perfeitamente demonstrado que algum afeto mútuo nos unia. Outra vez, no “Augusto Matraga”. Estive nos bastidores com os atores após a sessão. Antunes não estava lá. Não tinha ido, naquela noite. O espetáculo era fantástico, tirava o fôlego. Mas era um fracasso de público. Seus dedicados atores me perguntavam: “Mas Por quê? Por quê não vem? Meu deus, o quê que eles querem? Nós fazemos todo o nosso possível. O quê que eles querem mais?” Perguntavam em voz baixa, é claro. Pois os bastidores de Antunes são templos.
Mas afinal, o quê que ele faz? O quê que ele faz que o torna melhor que os outros?
É difícil saber o que um diretor faz. Porém podemos tentar. Antunes enlouquece seus atores em busca do seu melhor. Primeiro, é preciso desconstruir para depois construir, acredita. É um diretor que dirige pelo “não”. Na certeza de que os seres humanos escondem sempre o que eles tem de mais nobre e inteligente. Não concordo com nada disso. Porém métodos são métodos. Não são criados pela razão, e sim, por vivências. Antunes acredita, como Kierkgaard, que “cada homem é uma fresta estreita, porém de infinita profundidade.”
Ele bota a forma em função de seu conteúdo, sem dúvida. Mas cria uma forma tão sofisticada e requintada que, por si só, engrandece o conteúdo.
Diante de um espetáculo do mestre, o espectador está de alguma forma diante da vida e da morte. Que é onde ele está, de qualquer jeito. E é nesse nível que a arte merece ser vista.
Numa de nossas primeiras conversas, ele fez questão de me contar o que é sabido, que seu pai era um padeiro. E portanto, ele um homem que se fez. Uma vocação irresistível para a Arte, diria eu. E por vezes sua eloqüência tem a crueza de faca cortando bife. Dizem também que seus atores, em saindo de lá, largam o teatro ou tem grande dificuldade de se adaptar ao mercado ou a outros grupos. Quem já provou o melhor vinho, rejeita outros menos requintados. O fato é verdadeiro. Luis Mello e poucos outros são exceções. Como no Flamengo, uma vez Antunes, sempre Antunes. Os atores se acostumam com um nível de seriedade no trabalho que não encontram aqui fora. Antunes é financiado pelo SESC. É um homem pobre inteiramente dedicado, ao Teatro. Em São Paulo, principalmente (santo de casa não faz milagre) ele possui muitos antipatizantes. Na geração dele também, de alguma forma. Compreende-se. Bem, não sou paulista nem da geração dele, embora seja quase. Cada espetáculo que vi desse diretor era uma obra prima. É essa a região que ele trabalha. Da reverência à Arte. Da obra prima.
Agora, Antunes Filho faz 80 anos. Talvez viva mais 20 e faça muitas peças. Talvez ainda não seja a hora do seu canto do cisne. Tenho 73 e ainda estremeço com sua presença. Sei que como ser humano, ele tem limites, como todos nós. Mas como artista, que artista! Como alma, que alma!
Com essas palavras te saúdo, Antunes.
O teatro te merece.

Domingos Oliveira

domingo, 14 de março de 2010

Nelson Rodrigues - a obra -

Hélio Pellegrino


A obra teatral de Nelson Rodrigues compõe-se de duas vertentes nítidas, cuja fisionomia complementar lhes confere plena unidade. Uma vertente prepara a outra, cava os alicerces da seguinte e ambas, numa síntese que jamais está ausente do conjunto da obra de qualquer artista importante, revelam a visão complexíssima que tem do mundo este teatrólogo robusto, sem dúvida dos maiores até agora surgidos em língua portuguesa.

Ao primeiro movimento da obra de Nelson Rodrigues, poderíamos chamar de mitológico. Aí encontramos este "mural primitivo, pintado com sangue e com excremento, onde se espoja toda a brutalidade poética do bicho-criatura humano", para usarmos a excelente expressão de Pompeu de Sousa. As grandes peças iniciais de Nelson Rodrigues - Vestido de noivaAnjo negroSenhora dos afogados,Álbum de família - pertencem a esse ciclo inaugural, genesíaco, onde o autor, voltado para as raízes mais profundas do seu inconsciente, busca encontrar a sua mitologia pessoal, fundante, ao mesmo tempo que, nesta pesquisa, exprime problemas e situações essenciais da espécie.

Essas peças do "ciclo mitológico" significam o movimento que faz o autor no sentido de sua interioridade, numa sondagem vertical das estruturas, a partir das quais a sua obra - e a sua própria personalidade - passam a conhecer-se e a construir-se. Claro está que a direção criadora dessa fase do teatro de Nelson Rodrigues tem repercussões na linguagem por ele usada e, além disso, se reflete na recorrência com que, numa mesma peça, as mesmas situações básicas se repetem, numa pseudo monotonia que, longe de significar simplificação e empobrecimento, tem todo o sentido de um trabalho humano, poético e dramático que traz em si a fatalidade de esgotar-se - para surgir à luz em toda a sua grandeza.

O autor escava os seus temas, gira em torno deles, exacerba-os para clarificá-los e, a uma crítica menos avisada, este esforço poderá parecer sobrecarga rebarbativa quando, em verdade, obedece apenas aos movimentos da sístole e diástole que caracterizam a pulsação do espírito em seus níveis inconscientes mais arcaicos. Amor e ódio, nascimento e morte, incesto e crime, gênese e apocalipse - tais são as massas incandescentes que giram no universo dramático de Nelson Rodrigues, na primeira fase do seu teatro, sem nenhum compromisso com a verossimilhança e sem pretender qualquer transcrição realista do mundo objetivo.

Este dado é muito importante para se compreender a estrutura dramática das peças de Nelson Rodrigues, na primeira etapa de sua criação. Acima da realidade está o mito, no que comporta de essencial e universal. Não se trata, aqui, de utilizar como substância dramática a situação concreta do homem no mundo, mas de iluminar, poética e intuitivamente, o feixe mais profundo de sua possibilidades conflitivas fundamentais. Em Álbum de família, por exemplo, - e escolho esta peça por considerá-la central dentro da obra de Nelson Rodrigues, e sua mais importante criação mítica - não se vai encontrar a história de uma família determinada, sofrendo a influência mediadora do seu tempo, do seu meio e apresentando, portanto, uma fisionomia, conflitiva, específica e historicamente condicionada.

Nessa obra, o que importa é o mito do incesto, tratado em todas as direções possíveis, desdobrado nos dilaceramentos e nos ódios que lhe são intrínsecos. Senhorinha, Nonô, Jonas, Glorinha não são pessoas de carne e osso, são símbolos, são arquétipos, solenes e terríveis na sua grandeza e na sua miséria super-humanas, e o não-entendimento deste fato gera equívocos ingênuos e grosseiros - como o da estupidez policial que interditou a peça por considerá-la imoral.
O homem, na sua marcha para a consciência, ou melhor, na sua busca dos Logos, arranca sempre do mito, do chão fecundo e obscuro de sua alma, onde fervem as situações fundantes em toda a sua ingênua e terrível crueldade.

É esse mundo, e esse humus pré-lógico que Nelson Rodrigues, no seu esforço de estruturação de si mesmo e de sua obra, procura trabalhar e transcrever. Neste sentido, sua obra é tão imoral como a mitologia grega ou a mitologia de qualquer povo, crivada de incestos, de crimes, de sangue e excremento. E, ao chamar-se de tarados os personagens arquétipos de Nelson Rodrigues, cai-se no mesmo e profundo ridículo que corresponderia a uma acusação desse tipo feita a Édipo, no Édipo Rei, de Sófocles. A moral convencional se aplica aos humanos, não aos heróis míticos da espécie.

Eles são tão imorais ou tão elementares como um grande rio em plena enchente, destruindo casas, alagando campos, afogando crianças e rebanhos. E, ao mesmo tempo, esses heróis são profundamente morais, porque exemplares na sua coragem superhumana de descer aos abismos, clareando as trevas que dormem no fundo de cada ser humano e que nós - por não sermos heróis - não conseguimos suportar.

Do ponto de vista da linguagem, as peças míticas de Nelson Rodrigues se adequam à matéria-prima dramática que lhes dá substância. A linguagem é solene, poética, encantatória. O verbo do mito participa de sua condição supra-racional. As imagens e os símbolos verbais estão carregados de sentido intuiitivo, iluminante, supra-coloquial. Não há nada, nessas peças, da banalidade cotidiana do prosaísmo sufocante que, depois, na sua segunda fase criativa, será a matéria de trabalho do grande damaturgo.

Nelson Rodrigues, na fase inaugural de sua obra, persegue o "autêntico real absoluto", de Novalis, a poesia que se identifica à verdade ideal e, por isto mesmo, ultrapassa o homem de carne e osso, encravado dentro do mundo, pojado do cotidiano que revela a sua pequenez e, ao mesmo tempo, a sua grandeza. Os personagens míticos de Nelson Rodrigues são sempre grandes, desmesurados, uma vez que - habitantes do Olimpo - participam da perenidade dos deuses antigos. Eles são intemporais, pois lançam suas raízes na matriz da alma humana - também intemporal - e deles não se pode esperar que sejam o retrato do homem histórico, mas a sua transposição transfigurada para o plano do mito.

Já na segunda fase de sua obra, Nelson Rodrigues, tendo encontrado em si mesmo, através da vertente mítica, os temas fundamentais de sua equação pessoal e de sua dramaturgia, caminha ao encontro não do homem imortal, mas do homem que morre. "Esse bicho da terra tão pequeno", mergulhado na sua ecologia específica, morador do subúrbio, crivado de contradições, envenenado de banalidade, mas vivo, vivo na sua condição trágica de ser marcado pelo pecado e pela morte, será o barro a partir do qual Nelson Rodrigues, apos A falecida, passará a esculpir sua obra teatral.

É claro que existe uma unidade essencial entre ambos os movimentos dessa obra. A comédia mítica se sucede à comédia humana. Ao homem como pura interioridade, se sucede o homem carioca, o homem do subúrbio, o ser humano particularíssimo nascido do homem geral mitológico. Esta marcha para a realidade, cujo primeiro lance, como vimos, é expresso através de A falecida,não significa uma ruptura de significados, mas um desdobramento analítico dos significados anteriores.

Da síntese intuitiva, isto é, da poesia, Nelson Rodriges parte para a análise de caracteres, isto é, para a prosa. E esta passagem da poesia para a prosa corresponde ao domínio, conquistado pelo autor, de sua temática pessoal profunda, de tal forma que já lhe é possível surpreender a poesia na prosa, as situações exemplares dentro do que é peculiar, particular, específico. Como Balzac, Nelson Rodrigues sabe agora que, no ambiente provinciano, nos pequenos meios afogados pela rotina, no subúrbio - que é a província do dramaturgo - se escondem as mais intensas paixões humanas.

A partir de A falecida passamos a assistir, na obra de Nelson Rodrigues, ao desfile dramático dos mesmos temas que fazem a pletora de sua fase mítica, mas já com outra conotação, com outra estrutura, com outra linguagem. Amor e ódio, nascimento e morte, gênese e apocalipse continuam a ser os assuntos que o obsedam. Mas esses movimentos da alma estão encarnados, ganham finitude, miséria, cotitianeidade, através da galeria de tipos criados pelo autor. Seus personagens descem do Olimpo, se aproximam de nós, exprimem a presença, em nós, dos grandes temas configurados à nossa dimensão humana e, nesse sentido, nos comovem e nos horrorizam mais - pois já agora ouvimos, por intermédio deles, a voz de nossos próprios horrores pessoais.

A grande novidade, a meu ver, dessa fase "balzaqueana" na obra de Nelson Rodrigues reside na linguagem. É óbvio que, a uma guinada tão intensa, qual seja a passagem da comédia mítica para a comédia humana, correspondeu necessariamente uma mudança decisiva e orgânica da linguagem. É admirável a maneira pela qual essa mudança foi feita. A linguagem de Nelson Rodrigues, em sua segunda fase criativa, possui uma formidável plasticidade, participa intrinsicamente do processo vivo dessa fase, chega a exprimi-lo - e, nas suas peças sucessivas, cada vez com mais força.

Pode-se caracterizar a obra de Nelson Rodrigues, desde A falecida, a partir da linguagem. Esta, à semelhança de seus personagens, desceu do Olimpo e se plantou no subúrbio, criou raízes neste ambiente, desceu até a sua terra mais profunda para brotar com um vigor e uma originalidade absolutos. É magnífica a forma pela qual Nelson Rodrigues, abandonando a semântica solene e hierática do mito, chegou libérrimo à expressão coloquial que colhe a palavra na sua fonte popular mais pura, sem nenhum recurso "literário", sem qualquer contrafação que revele o artifício ou a busca da simplicidade.

Sua linguagem é simples, porque é perfeita. E nesta medida, sendo simples, é complexíssima, pois traz consigo os meios expressivos que lhe possibilitam a revelação dramática de caracteres humanos e de situações metafísicas profundas. Acredito que Nelson Rodrigues, para realizar uma tal proeza semântica, se apoiou na experiência literária que para ele representa A vida como ela é, crônica diária de gosto quase sempre duvidoso, mas que lhe serve às mil maravilhas para afiar seus instrumento verbal. E, assim, sua crônica tem, dentro de sua obra, um papel auxiliar de primeira importância.
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Extraído de Nelson Rodrigues - Teatro quase completo, volume IV (tempo brasileiro/1966)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Drica Moraes / Notícias recentes

Drica Moraes está preparada para ir para casa


Esta é a vontade da atriz Adriana Moraes Rego Reis, a Drica Moraes de 40 anos, uma das mais queridas atrizes da atualidade. Os amigos e fãs de Drica Moraes já receberam no dia 22/02 uma demonstração desta vontade. Drica demonstrou este desejo ao ligar para, Walcyr Carrasco, autor de algumas novelas estreladas pela atriz. Na oportunidade ela agradeceu o apoio dado por ele.




“Amigos, fiquei muito feliz! A Drica Moraes me ligou. Ela está ótima! A Drica quis agradecer as palavras que eu disse sobre ela ontem no Fantástico! E eu respondi que ela merece! Sempre terei um papel para ela!”, disse Carrasco.

Walcyr Carrasco acrescentou que sempre Drica Moraes estará em seus planos e que não espera a hora de vê-la atuando novamente. A cada dia é visível a melhora de Drica Moraes e a sua expectativa de ir para casa tem aumentado a cada visita médica.

No dia 10/02, a atriz deu entrada no Hospital Samaritano sentindo enjoos, fez alguns exames e foi constatado que estava com leucemia, a partir de então foram iniciadas sessões de quimioterapia aonde Drica Moraes vem reagindo bem ao tratamento.

“A Drica Moraes está otimista quanto ao tratamento e agradece aos amigos e fãs que estão sensibilizados, e é um momento em que ela necessita estar concentrada no tratamento por isso a visita não foi liberada pela equipe médica”, informou a sua assessoria.

Drica Moraes ainda está em tratamento quimioterápico naquele hospital e em alguns momentos foi feita transfusão sanguínea. Mesmo após receber alta médica Drica Moraes terá que ser monitorada e fará vários exames periódicos para acompanhar a evolução do tratamento.
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Carreira da Atriz

Sua estreia na televisão foi na Rede Globo, em 1986, no episódio “O sequestro de Lauro Corona” do Teletema, escrito por Ricardo Linhares e dirigido por Carlos Magalhães. Apesar de pequeno, o papel chamou a atenção do diretor Roberto Talma, responsável pelo seriado, que a convidou para fazer “Top Model”, de Walter Negrão, em 1989.



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Fonte: Blog Coisas de Teatro
Oficina de Teatro
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