segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Formas populares do teatro japonês

Mais ou menos no final do século 14, em época relativamente calma, após um período de guerras civís, dois gêneros dramáticos se formaram e aperfeiçoaram no Japão. Foram o e o Kyôgen, irmãos gêmeos, que se originaram de uma dança acompanhada de narrativa e de mímica às vezes bufa: o Saragaku, tão popular. Esse saragaku era apresentado durante as festas organizadas pelos templos shintoistas e budistas. Atualmente, num templo famoso, ainda se reprsenta o ao ar livre, à luz de fogueiras.

Os atores do saragaku ligados a esses templos procuraram aperfeiçoar seu jogo a fim de obter as graças do público formado de todas as classes sociais, e formaram uma espécie de corporação. O elemento coreográfico, épico e elegíaco daí se desprendeu e formou o nô, enquanto o elemento cômico e bufão se tornou o kyôgen.

Os grandes militares, que nada compreendiam dos divertimentos refinados da antiga nobreza ligada à Casa Imperial, favoreceram todavia o seu desenvolvimento. Um Shogun, no final do século 14, auxiliou um jovem ator de saragaku. Esse jovem ator, Zéami, fundou os jogos do nô. Sendo ao mesmo tempo grande intérprete e grande autor (quase a metade dos 200 textos que ainda subsistem são de sua autoria), foi também grande teórico. Graças a ele, o atingiu a perfeição.

Depois de Zéami, o espetáculo continuou ainda a se desenvolver e permanecer vivo no seio do povo. Mas nos séculos seguintes, o regime feudal se revigorou e a hierarquia foi estritamente restabelcida. Então, os Shogun, favorecendo o nô, o separaram de suas raízes populares. Desde então o se estereotipou como um teatro clássico. Hoje ainda, existem cinco ou seis teatros de em Tóquio e atraem simpatizantes.

Na concepção tradicional, o é uma espécie de tragédia acompanhada de dança. Os personagens são pouco numerosos. Shité (o que representa) faz o personagem principal, de máscara. Há também um Waki (aquele que fica ao lado), interlocutor do primeiro, e dois ou três Tsuré (aquele que segue), subordinados a Waki e às vezes a Shité.

Há ainda no um coro de uma dezena de pessoas, que canta ou declama a parte descritiva do texto, mas nunca dialoga com os personagens. O comporta um acompanhamento musical muito simples: uma flauta de madeira e três instrumentos de percussão. A cena é muito sóbria. O tablado principal é um quadrado de seis metros de largura; para o coro e acompanhamento musical, são acrescentadas cenas anexas ao fundo e do lado direito.

Um longo corredor de mais ou menos 15 metros se estende do lado direito por onde os atores aparecem e desaparecem. Essas cenas são desprovidas de qualquer ornamentação ou pintura. Mas não são menos caras, porque se escolhe rigorosamente a qualidade da madeira a fim de que o tablado seja polido e mostre a beleza natural do material.

Como decoração, pinta-se apenas um grande pinheiro na parede do fundo. Três pequenos pinheiros são colocados em intervalos iguais ao longo do corredor. Além dessa decoração, imutável, existem várias espécieis de cenários portáteis simples e simbólicos. Por exemplo, uma pequena porta representa uma casa, uma carruagem de luxo será uma estrutura de alguns pedaços de bambu e ficará imóvel mesmo no momento em que deve correr a toda velocidade conforme o texto. Um acessório indispensável no é o leque. Representa muitas coisas, conforme o caso: uma borboleta, um arco, a neve que cai, uma montanha longinqua, desde que seja segurado ao contrário. Tudo isto é muito sóbrio.

A única coisa luxuosa é a roupa. Os desenhos são riquíssimos e complicados, mas tem-se o cuidado de não empregar cores claras ou vivas. E como já se disse, o protagonista usa uma máscara. Essa máscara serve para representar em cena um personagem determinado, mas não lhe confere nenhuma expressão: nem alegria, nem tristeza ou cólera. Não tem qualquer sinal de vida. Todavia, quando ela aparece em cena, acentuada pelos gestos do ator, começa a mostrar expressões ricas e variadas. As máscaras exigem um trabalho delicado e sutil do fabricante. As produzidas no século 15 são consideradas obras-primas e ainda hoje usadas.

O jogo dos atores é também muito estilizado. É rigorosamente regulado por umas 30 posições, como as cinco posições dos pés no balé europeu, e para compô-las deve-se obedecer a regras estritas. Essa composição se divide em duas categorias: uma representa uma história ou um gesto seguindo o texto, a outra exprime estados de alma como alegria, furor, dor etc. Por exemplo, o ator leva uma das mãos ou as duas diante dos olhos, mas pára a alguns centímetros e as mantêm imóveis. É gesto de chorar. Aqui está uma das características do nô: o jogo não é e nunca deve ser natural. Ele deve "matar" os movimentos naturais para atingir, se se pode dizer, o natural artístico: é uma espécie de simbolismo.

Os textos do são escritos em versos livres e em estilo pomposo e declamatório. A ação é muito simples. Na primeira parte da peça, Waki, o segundo personagem que é geralmente um padre budista, encontra um velho senhor ou uma velha, que é o primeiro personagem, o Shité. Este último conta ao padre a história de um guerreiro, de um amante ou de uma criança que morreram de um acidente triste e pede-lhe para orar e consolar seus males. Na segunda parte, o Shité aparece na realidade como um fantasma desse guerreiro, amante ou mãe da criança. Revela-se com seu rosto verdadeiro e seu espírito não apaziguado, e descreve através de danças as circunstâncias de sua morte e de seu estado de espírito. O padre ora e, finalmente, consegue apaziguá-lo ou, se o Shité se torna um demônio, vencê-lo. A idéia dominante é de inspiração budista, é a inconstância da vida.

Quanto aos temas principais, são a celebração dos deuses, a história dos guerreiros, o amor infeliz, as lendas locais: todos são caros e familiares ao povo japonês. As frases do texto formigam de alusões aos antigos romanos, às poesias nipônicas e chinesas, o que os torna quase intraduzíveis. Enfim, a maneira de cantar ou de declamar essas frases é monótona, grave e majestosa. Deve-se notar que no não há atriz. O papel feminino é sempre representado por um homem. O curioso é que o ator não imita a voz feminina, mas declama com voz natural.
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 65/1975, edição já esgotada.

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