segunda-feira, 6 de junho de 2011

Comparação entre Cinema e Teatro

Domingos Oliveira

1. O cinema é o sonho do homem, sua filosofia, política e estética. Seu drama, farsa, ópera bufa, comédia, ética. O cinema é a aventura do homem, seu terror, seu mistério, seu medo, sua glória e muitas outras coisas mais.

O Teatro é completamente diferente. O Teatro é Real.

2. No Teatro, somente podemos ver o que os personagens falam ou fazem. No cinema, podemos ver o que eles pensam. O Cinema gosta de considerar-se uma indústria, denominação que ofenderia o Teatro.

3. No Teatro, o assunto é um só: o Homem. Apenas o homem, nu, inteiro. O Cinema tem mais recursos. Se a cena é chata, podemos sempre cortar para uma paisagem.

4. Para o Ator de Cinema, basta saber o método Stanislavski (viver o papel). No Teatro é preciso o Stanislavski, e, além disso, mostrar que se está fazendo Teatro.

Por isso é muito mais fácil representar no cinema. Basta o Stanislavski. Talvez com uma ponta de histeria (ou esquizofrenia), para fazer sucesso.

5. No Teatro, o Risco é peça fundamental, como no circo. Terá aquela atriz fôlego para chegar ao fim? Será que aquele ator vai aguentar essa voz gritada? E o acesso de choro? Ou o frouxo de riso, pode ser controlado? Será que Deus vai me conceder hoje a graça de fazer bem aquela cena?

O risco é a estrela, como no Circo.

No cinema, o risco é controlado, podemos sempre repetir o take. Nesse ponto, o cinema é morto e o teatro, vivo.

6. No Teatro, o espetáculo não é feito apenas pelos atores. É feito pelos atores e espectadores. Uma interação tão intensa quanto mágica, chamada Teatro, da qual quem não é ator não entende.

O Ator é um especialista de um assunto muito particular. É aquele que entende o que acontece quando muitas pessoas se juntam. Quando muitas pessoas se juntam, acontece algo sério e misterioso, que não pode ser posto em palavras. Sensações e emoções cruzam o ar em todas as direções. As consciências declaram, mesmo sem verbalizar, suas profundas diferenças. Dissonam as individualidades, mais ou menos agressivamente, funcionando o Ator ao mesmo tempo como catalisador e parede refletora deste violento fenômeno. Creiam-me, não é nada sutil.

Já vi muitas vezes atores sendo derrubados (às vezes literalmente) por um antagonismo da platéia, ou, ao contrário, quase levitarem de prazer, erguidos pela solidariedade dos espectadores. E não vai aqui nenhuma vaidade.

Há um momento no teatro, raro momento, em que as consciências todas de atores e espectadores consonam. Este momento é sublime, inesquecível, um orgasmo do espírito.

É também, porque não dizê-lo, transcendente ou até místico. Ele prova que muitos homens podem, em determinadas circunstâncias, ser um só. Faz suspeitar que talvez sejamos um só.

Alguém disse que a maior dar artes, do ponto de vista da forma, é, sem dúvida, a música. E do ponto de vista do conteúdo, a Arte do Ator.

Transcendências não faltam também à sétima arte (quais são as outras seis?)

7. A grande importância do cinema, na compreensão humana da vida, vem de sua possibilidade de manipular o tempo, creio eu.

O Tempo.

O quadro parado fixa o instante eterno.

A câmera rápida denuncia o turbilhão em que vivemos, o quão ridículo somos todos, formigas da Existência.

A própria montagem, o corte cinematográfico que faz desaparecer um tempo que prendia inexoravelmente um momento ao outro...

São recursos alucinantes!

Que descrevem com contundente objetividade algumas das manobras mais sutis da mente humana.

E a câmera lenta? Que faz-nos perceber o mundo em todo o seu largo mistério, permitindo-nos ver aquilo que teríamos visto se tivéssemos a atenção dos Deuses...

E assim vai o cinema. Um lugar onde somos eternos. Dentro de latas, porém eternos. Jovens mesmo quando mortos há muito tempo. 

O cinema surpreende a morte em seu trabalho.

8. Transcendente em sua essência técnica.

Dizer que o Cinema é o sonho do homem está longe de ser uma metáfora. Aquela máquina inventada pelos irmãos Franceses da Luz reproduz, com uma fidelidade embaraçosa, o ato humano de sonhar. Um filme é realmente como um sonho, irretocável, livre, ilusório, incontrolável, como somente um sonho pode ser. O cinema não parece a Imaginação ou a Memória, embora possa retratá-las eficientemente. Porém parece muito mais com o Sonho. E assim sendo atinge-nos em veia profunda, pelo inconsciente, seja isso lá o que for.

O Teatro atinge diferente. Sensorialmente, corporalmente, sensualmente, eroticamente.

É possível, pelo menos em fantasia, viver um grande amor com uma daquelas atrizes.

É possível que o teatro pegue fogo, que algum ator morra...
Perdoem a hipótese, mas já aconteceu muitas vezes, de Cacilda a Molière. O Palco é um bom lugar para morrer.

Tento dizer que, de alguma forma, é perigoso ir ao teatro, mesmo sem falar na falta de estacionamento e nos assaltantes eventuais. Você pode se emocionar demais, pode não conseguir sair no meio da peça. Não se vai ao Teatro tão impunemente quanto ao cinema.

9. O Teatro é a grande máquina simbolizadora. Um ovo colocado no meio de um palco passa a ser O Ovo. Um ovo na tela traz apenas a suspeita de que há uma galinha por perto.

No cinema, você pensa, vive e sente o Momento, o plano. No teatro você faz exatamente o mesmo, depois repete mil vezes até perder o sentimento. E então encontra a sua forma artística. O cinema é o dionisíaco, o teatro é o dionisíaco feito apolíneo. Um tipo de reflexão de outra ordem.

No fazer do cinema, importa o detalhe. O processo, por sua dificuldade técnica, concede tempo até demasiado para a reflexão sobre cada instante. No teatro não, o detalhe não importa (quem se importar com ele está perdido). No fazer do teatro importa o conjunto da obra, ou seja, seu conteúdo. Como a escultura, o bloco de matéria-prima vai sendo modelado aos poucos e igualmente. Quando uma parte estiver pronta, a escultura inteira está pronta. No cinema, não. No cinema modela-se um dedo com perfeição, para daí deduzir como deve ser a mão e o braço.

10. Minha vida teria sido muito pior se não existisse o cinema. Quando estou triste, deprimido, querendo morrer - vou ao cinema ver um filme.

Se não existisse o teatro minha alma seria muito mais pobre.

O teatro ensina o quanto a vida é uma ilusão, como Platão queria. Somente possuímos uma vida, dizem. No teatro, várias.

O teatro tem o tamanho da vida, é tão fugaz quanto ele. Um monte de panos e luzes que, uma vez terminada a função, tornam-se Nada, restando apenas na memória dos poucos que lá estiveram. Isto faz com que a gente do teatro seja uma gente humilde e isso é bom.

O Teatro e o Cinema são a vida sem as partes chatas.

Concluindo:

No cinema há o exibidor, o distribuidor, a ditadura da técnica, enfim, muitos intermediários entre o autor e a obra. No cinema, o ator é uma peça relativamente sem importância, diante dos poderosos fotógrafos e técnicos de som, diretores.

No teatro é diferente, sem intermediários. Você faz uma peça com cinco amigos, é um fracasso, vão 20 pessoas com entrada a 15 reais. São 300 reais. Os cinco vão na bilheteria, pegam a grana e a dividem, ainda dão uma parte para o diretor. Fica cada um com cinquentinha. Dá para jantar bem.

Outro dia fui ao cinema e fiquei olhando um close de uma moça bonita naquela tela enorme...e, de repente, pensei! Já vi isso antes! Esses rostos enormes, essa terra de gigantes! Foi na minha infância primeira. Era assim que eu via o rosto de minha mãe, quando me botava no colo.

O cinema nos torna todos crianças, devolve-nos a inocência perdida. Viva o cinema!

Porém, como aventura humana, ou seja, como Arte, o teatro é maior.
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Artigo extraído da Revista de Teatro nº 522 (novembro/dezembro 2010), uma publicação da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores)
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