domingo, 28 de março de 2010

Dia Mundial do Teatro, 27 de Março de 2010. Mensagem Internacional por Judi Dench.

A Jornada Mundial do Teatro é para nós a ocasião de celebrar o Teatro na multiplicidade de suas formas. Fonte de divertimento e inspiração, o teatro contém em si a capacidade de unificar as inúmeras populações e culturas que existem pelo mundo afora. Mas ele representa muito mais do que isso, ao oferecer-nos possibilidades de educação e informação.
O teatro acontece no mundo inteiro, e não apenas nos seus espaços tradicionais : os espetáculos podem ser realizados numa pequena aldeia da África, no sopé de uma montanha da Armênia, em uma pequena ilha do Pacífico. Tudo o que precisa é de um espaço e de um público alvo. O teatro possui esse dom de nos fazer rir, de nos fazer chorar, mas ele deve, também, fazer-nos refletir e reagir.
O teatro é fruto de um trabalho de equipe. São os atores que vemos, mas existe um número espantoso de pessoas escondidas, todas elas tão importantes quanto os primeiros e cujas diferentes e específicas competências permitem a realização do espetáculo. A eles se deve uma parte de todo o triunfo ou sucesso alcançado.
O dia 27 de março é a data oficial da Jornada Mundial do Teatro. Mas cada dia deveria poder ser considerado, de diversas maneiras, como uma jornada do teatro, pois cabe-nos a responsabilidade de perpetuar esta tradição de divertimento, de educação e de edificação dos públicos, sem os quais não poderíamos existir.


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Dame Judith Olivia Dench (North Yorkshire, 9 de dezembro de 1934) é uma atriz britânica nascida na Inglaterra vencedora do Oscar. Já ganhou muitos prêmios por suas atuações em teatro, televisão e cinema. Quando tinha treze anos, entrou para a The Mount School, em York. Hoje, é patronesse da Friends' School Saffron Walden.
Recebeu seu treinamento profissional no Central School of Speech and Drama em Londres, e estreou como Ophelia em Hamlet em Liverpool, em 1957, na Old Vic Company. Depois, foi aparecer em várias temporadas em Oxford e Nottingham. Em 1961, entrou para a Royal Shakespeare Company e fez muitas aparições em Stratford e Londres ao longo das próximas duas décadas, ganhando vários prêmios de melhor atriz.
Em 1995, Judi interpretou o papel de M (Chefe do MI6) na série de filmes James Bond, aparecendo nos seguintes filmes: GoldenEye (1995); Tomorrow Never Dies (1997); The World Is Not Enough (1999); Die Another Day (2002); Casino Royale (2006); Quantum of Solace (2008) 



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DIA MUNDIAL DO TEATRO - 27 de Março

O Dia Mundial do Teatro, criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro, é celebrado todos o anos, a 27 de Março, pelos centros nacionais do Instituto Internacional do Teatro e pela comunidade teatral internacional. São organizadas numerosas manifestações teatrais nesta ocasião, sendo uma das mais importantes, a difusão da mensagem internacional, tradicionalmente redigida por uma personalidade do Teatro, de renome mundial, a convite do Instituto Internacional do Teatro.
O International Theatre Institute (ITI), uma organização não governamental, foi fundado em Praga no ano de 1948 pela UNESCO e pela comunidade internacional do teatro.







sábado, 20 de março de 2010

ANTUNES FILHO por Domingos Oliveira





Um dia fui a São Paulo. São Paulo para mim sempre foi um lugar perigoso, onde carioca faz besteira, lugar de grandes emoções. Particularmente no teatro, que sempre foi melhor do que o da cidade maravilhosa. Naquela noite os jornais anunciavam “Quatro vezes Nelson”. Quatro peças de Nelson Rodrigues reunidas num espetáculo. “Mas isso vai durar a noite inteira!”, exclamei para mim mesmo. Logo me explicaram que o diretor tinha sintetizado as peças, que agora durava uma hora cada uma. E que não eram mais quatro, eram três. “Beijo no asfalto”, “Toda nudez será castigada” e “Álbum de família”. O diretor era o famoso e temível Antunes Filho, de quem eu só tinha visto o histórico “Macunaíma”, que, confesso com pudor, não tinha gostado tanto assim. Como teatro era ótimo. Interessante aquele talco jogado pro ar, aquelas mulheres brancas como estátuas num jardim e muitas outras coisas. Mas nunca simpatizei muito com o texto, não devo ter entendido, certamente por defeito meu. Não acho tanta graça assim no Modernismo, embora saiba que ganho inimigos com essa afirmação insólita. Mas essa coisa de “país das bananas” me incomoda um pouco, é uma certa ridicularização do nosso subdesenvolvimento. Não tinha gostado nem de “O rei da vela”, vejam que heresia a minha! Mas isso é um parêntese, não tem importância. Eu vendo esses espetáculos hoje, se fosse possível esse milagre, certamente os adoraria.

Antunes Filho era um homem muito admirado, tanto quanto temido. Era o que eu sabia, pelos jornais. Tinha feito notável carreira no teatro comercial montando espetáculos importantíssimos com os atores de sua geração, que hoje, ou estão mortos, ou são estrelas da Globo. Antunes usava com o seu grupo processos extremamente radicais (“a bolha”, “o desequilíbrio”) e quem não estivesse com ele, estava contra ele. De alguma forma, fazia parte de uma linha de intelectuais brasileiros que poder-se-ia chamar da “inteligência irritada”, que vem de sempre, passando por, Paulo Francis, Glauber, até Jabor e Fernanda Young.
Antunes somente trabalhava com alunos que passavam por longos e penosos ensaios, que liam apenas o que o mestre mandava. E não podiam trabalhar na TV, tinham que assistir todos os ensaios dos colegas atentamente, sem um pio. E mais, não podiam namorar entre si, hetero ou homossexualmente, sob pena de ser posto pra fora do grupo.
Claro que eu, Dominguinhos de Oliveira, oriundo de Ipanema, morria de medo da fera Antunes. Que além do mais, diziam, funcionava como uma espécie de pai primevo freudiano, isto é, subjugava todos os filhos e possuía todas as filhas, esperando o destino inevitável de ser assassinado por eles. Descrito está, portanto, meu temor ao sentar-me naquela cadeira da primeira fila no canto do teatro São Pedro.
José Alves Antunes Filho, nascido em 1929, portanto fazendo 80 anos.
Naquela noite eu ia descobrir o melhor diretor do mundo. Melhor que Brook, Kantor, ou qualquer um dos brasileiros, não obstante o imenso talento de Aderbal Freire Filho, Zé Celso, Amir e outros. Porém tenho esta opinião convicta até hoje, por melhor que sejamos todos. Se entrarmos, os diretores, num prato da balança e no outro, o esguio Antunes, a balança hesita mas pende para o lado dele.
O pano abriu de repente. Nem ouvi os sinais. Dez ou doze atores entraram em cena a passos rápidos dialogando freneticamente o início do “Beijo”. Quando eu vi, já estava na ponta da cadeira, minha atenção elevada ao máximo, para não perder nada. Não havia cenários. Uma rotunda preta bem esticada e mais nada. Não havia jogo de luzes. Uma geral bem iluminada, talvez um contra luz do geral e blecaute, somente no fim de cada peça. O que havia era potência e plena poesia. Firme conhecimento do autor, amor pelo teatro e densidade dramática. Mais que isso. A certeza de que o teatro não tem limites, com seus precários recursos. Os atores não diziam o texto. Renovavam uma repetição da melhor forma de dizer o texto. Cada palavra, cada pausa, orquestrada. A modéstia do espetáculo, do gesto, aliada à grandiloqüência das intenções. O “espetáculo” sempre como potencialização do sentimento das personagens.
Eu fiquei realmente entusiasmado. Entendi pela primeira vez, naquela cadeira do São Pedro, o que é isto, o teatro.
Antes que “Toda nudez” começasse, alguém me disse que Antunes tinha mudado tudo no espetáculo. Naquela semana. E que seria a primeira vez que a nova fórmula seria experimentada. Perguntei: “Mas em quê ele mudou?” Responderam-me: “Todos os personagens se vestiam de preto (o ensaio tinha demorado mais de um ano) e hoje vão todos vestir branco.” Era aterrorizadamente bom.
Depois veio “Álbum de família”, com Nelson Rodrigues representado por um menino de 8 anos que andava por cima das cadeiras e que dançava a valsa, no final, com o pai terrível e a divina mãe.
Imediatamente me apaixonei por uma atriz do grupo dele, sob a égide de Dionísio, e acho que ela também se apaixonou por mim. Ela chegava no hotel e contava durante horas a grande aventura dos ensaios e dos espetáculos. Realmente Antunes Filho exigia do seu teatro nada menos que a plenitude. Através dessa namorada, soube que ele gostava de mim. Me achava um ícone do Rio de Janeiro. Tinha visto “Todas as mulheres do mundo” e adorava a Leila Diniz. Aos poucos, fui me aproximando dessa grande figura e hoje não posso dizer que sou um amigo dele, posto que não convivemos, mas sinto por ele o melhor que um amigo pode sentir.
Passados anos, fui entrevistá-lo em São Paulo, no CPT. A escola Antunes Filho. Ele me concedeu uma entrevista particular, o que, segundo diziam, era raro.
Quando vi, estávamos numa sala vazia Antunes, um câmera, eu e uma jovem interessada em teatro, minha filha Mariana.
Ficamos filmando pouco mais de uma hora. Conversamos sobre suas técnicas insólitas, todos esses processos que ele inventava e obrigava seus discípulos a praticar com a disciplina de bailarinos.
Perguntei-lhe que importância tinha isso. E à boca pequena, ele me respondeu: “Nenhuma, Domingos. É só para os atores pararem de pensar besteira e ficarem mais inteligentes.”
Em seguida, transcrevo alguns trechos dessa entrevista, para deleite dos leitores.
DESCRIÇÃO DA ENTREVISTA
                      
A VIDA
D.O. – Você me parece extremamente satisfeito com a vida que você levou e criou pra você, e que eu sei que você leva... sem arrependimentos.
ANTUNES - ... um moleque. Embora houvesse muitos atalhos e muitos desvios na minha vida, eu consegui voltar pro moleque de 13 anos que eu pensava, eu consegui reconquistar, readquirir os 13 anos. Quando me perguntam a minha idade, eu falo: 13 anos. Eu acho que tenho 13 anos. Não que eu tenha medo da morte. Eu acho que eu tenho a cabeça boba.

D.O. – Você tem medo da morte?
ANTUNES – Não é medo. Eu tenho uma certa preocupação de como eu vou morrer. É muito mais. Eu quero morrer dormindo, se possível.
D.O. – Eu também.
O TEATRO
D.O. – O teatro é chato?
ANTUNES – É chato pra cacete.

D.O. – Só quando é muito bem feito, né?
ANTUNES – Ah... (suspira e sorri) aí é sublime! Mas eu preciso de grandes atores, grande texto! Ah... teatro é ator, bicho, falando o texto direito, com sensibilidade, te emocionando. Agora com esse negócio de (imita) “vapt, vupt”, imagens, coisas caindo, luzes acendendo, apagando, coisas que passam, gente, às vezes... Eu não aguento. É chato de doer! Eu fui ver o Bob Wilson outro dia, todo mundo dormia!
AO JOVEM DIRETOR
D.O. – Conselho para um jovem diretor. Você daria?
ANTUNES – Não. O que eu vou dizer? Seja simples. (...) Não acredite na crítica. (...) Não leve a sério as críticas boas. E é... interminável. Você tem que aprender, bicho, até a morte. Até a morte. Até morrer: “olha tem esse lance aqui, pra você saber, pra você estudar!” É verdade que a gente fala, é lugar comum a gente dizer, eu só aprendi com o tempo que não é só uma frase bonita de efeito de bar. Quanto mais você fica sabendo, mais ignorante você se acha, você se vê. Que você é muito ignorante. É uma frase de efeito, mas pra mim já passou a ser uma frase orgânica. Eu me acho um ignorantaço! E quando a gente é moleque, a gente sabe alguma coisa (imita o moleque) pan, pan, pan! Não é? A gente ilustra, torna a coisa brilhosa e vai em frente! Não, não acreditar nisso. Não acredite em nada. Acredite no empenho. Pro diretor jovem: faça um compromisso consigo mesmo: veja se você vai ser um grande artista pra você ajudar os seres humanos, ajudar a sociedade. Não se ajudar, a si. Ajude a sociedade. Estenda a mão pros outros. Eu não existo se não for através dos outros. Siga essa regra. Quer ser um grande diretor? Quer ser um grande artista? Você não é nada, sem os outros.
Mas antes, fecho esse papel. Confesso que sou fã absoluto de Antunes Filho. Hoje, o vejo como uma pessoa doce, com absoluta consciência da morte e, portanto, também da vida. Um artista, a seu modo, que nunca alivia a exigência sobre si mesmo.
Dizem que mais velho, ele ficou mais manso. Não acredito. Antunes é a fúria.
Ele veio ao Rio dar um curso há poucos anos atrás e larguei tudo para sentar-me no banco dos alunos. Queria saber qual era a novidade do momento. “Bolha”, “distanciamento”, “ressonância”. E agora? Queria saber qual era a nova pergunta que Antunes inventava para seus discípulos e, portanto, para si mesmo.
E era a seguinte: “Quando o ator estiver com a cena pronta, perfeita, estudada, compreendida, sentida, formatada com virtualidade... nesse momento, ele deve se perguntar, ou melhor, gritar a pergunta: - E agora? Será que é apenas isso? Apenas isso?”
Esse é Antunes.

Na verdade, o encontrei poucas vezes, pessoalmente. Somente quando vou a São Paulo, em geral para ver um espetáculo dele. Me lembro bem de um dia ter me arrojado aos seus pés no hall do teatro, entusiasmado com um que tinha visto. E de uma ou outra pequena conversa, nas quais ficou perfeitamente demonstrado que algum afeto mútuo nos unia. Outra vez, no “Augusto Matraga”. Estive nos bastidores com os atores após a sessão. Antunes não estava lá. Não tinha ido, naquela noite. O espetáculo era fantástico, tirava o fôlego. Mas era um fracasso de público. Seus dedicados atores me perguntavam: “Mas Por quê? Por quê não vem? Meu deus, o quê que eles querem? Nós fazemos todo o nosso possível. O quê que eles querem mais?” Perguntavam em voz baixa, é claro. Pois os bastidores de Antunes são templos.
Mas afinal, o quê que ele faz? O quê que ele faz que o torna melhor que os outros?
É difícil saber o que um diretor faz. Porém podemos tentar. Antunes enlouquece seus atores em busca do seu melhor. Primeiro, é preciso desconstruir para depois construir, acredita. É um diretor que dirige pelo “não”. Na certeza de que os seres humanos escondem sempre o que eles tem de mais nobre e inteligente. Não concordo com nada disso. Porém métodos são métodos. Não são criados pela razão, e sim, por vivências. Antunes acredita, como Kierkgaard, que “cada homem é uma fresta estreita, porém de infinita profundidade.”
Ele bota a forma em função de seu conteúdo, sem dúvida. Mas cria uma forma tão sofisticada e requintada que, por si só, engrandece o conteúdo.
Diante de um espetáculo do mestre, o espectador está de alguma forma diante da vida e da morte. Que é onde ele está, de qualquer jeito. E é nesse nível que a arte merece ser vista.
Numa de nossas primeiras conversas, ele fez questão de me contar o que é sabido, que seu pai era um padeiro. E portanto, ele um homem que se fez. Uma vocação irresistível para a Arte, diria eu. E por vezes sua eloqüência tem a crueza de faca cortando bife. Dizem também que seus atores, em saindo de lá, largam o teatro ou tem grande dificuldade de se adaptar ao mercado ou a outros grupos. Quem já provou o melhor vinho, rejeita outros menos requintados. O fato é verdadeiro. Luis Mello e poucos outros são exceções. Como no Flamengo, uma vez Antunes, sempre Antunes. Os atores se acostumam com um nível de seriedade no trabalho que não encontram aqui fora. Antunes é financiado pelo SESC. É um homem pobre inteiramente dedicado, ao Teatro. Em São Paulo, principalmente (santo de casa não faz milagre) ele possui muitos antipatizantes. Na geração dele também, de alguma forma. Compreende-se. Bem, não sou paulista nem da geração dele, embora seja quase. Cada espetáculo que vi desse diretor era uma obra prima. É essa a região que ele trabalha. Da reverência à Arte. Da obra prima.
Agora, Antunes Filho faz 80 anos. Talvez viva mais 20 e faça muitas peças. Talvez ainda não seja a hora do seu canto do cisne. Tenho 73 e ainda estremeço com sua presença. Sei que como ser humano, ele tem limites, como todos nós. Mas como artista, que artista! Como alma, que alma!
Com essas palavras te saúdo, Antunes.
O teatro te merece.

Domingos Oliveira

domingo, 14 de março de 2010

Nelson Rodrigues - a obra -

Hélio Pellegrino


A obra teatral de Nelson Rodrigues compõe-se de duas vertentes nítidas, cuja fisionomia complementar lhes confere plena unidade. Uma vertente prepara a outra, cava os alicerces da seguinte e ambas, numa síntese que jamais está ausente do conjunto da obra de qualquer artista importante, revelam a visão complexíssima que tem do mundo este teatrólogo robusto, sem dúvida dos maiores até agora surgidos em língua portuguesa.

Ao primeiro movimento da obra de Nelson Rodrigues, poderíamos chamar de mitológico. Aí encontramos este "mural primitivo, pintado com sangue e com excremento, onde se espoja toda a brutalidade poética do bicho-criatura humano", para usarmos a excelente expressão de Pompeu de Sousa. As grandes peças iniciais de Nelson Rodrigues - Vestido de noivaAnjo negroSenhora dos afogados,Álbum de família - pertencem a esse ciclo inaugural, genesíaco, onde o autor, voltado para as raízes mais profundas do seu inconsciente, busca encontrar a sua mitologia pessoal, fundante, ao mesmo tempo que, nesta pesquisa, exprime problemas e situações essenciais da espécie.

Essas peças do "ciclo mitológico" significam o movimento que faz o autor no sentido de sua interioridade, numa sondagem vertical das estruturas, a partir das quais a sua obra - e a sua própria personalidade - passam a conhecer-se e a construir-se. Claro está que a direção criadora dessa fase do teatro de Nelson Rodrigues tem repercussões na linguagem por ele usada e, além disso, se reflete na recorrência com que, numa mesma peça, as mesmas situações básicas se repetem, numa pseudo monotonia que, longe de significar simplificação e empobrecimento, tem todo o sentido de um trabalho humano, poético e dramático que traz em si a fatalidade de esgotar-se - para surgir à luz em toda a sua grandeza.

O autor escava os seus temas, gira em torno deles, exacerba-os para clarificá-los e, a uma crítica menos avisada, este esforço poderá parecer sobrecarga rebarbativa quando, em verdade, obedece apenas aos movimentos da sístole e diástole que caracterizam a pulsação do espírito em seus níveis inconscientes mais arcaicos. Amor e ódio, nascimento e morte, incesto e crime, gênese e apocalipse - tais são as massas incandescentes que giram no universo dramático de Nelson Rodrigues, na primeira fase do seu teatro, sem nenhum compromisso com a verossimilhança e sem pretender qualquer transcrição realista do mundo objetivo.

Este dado é muito importante para se compreender a estrutura dramática das peças de Nelson Rodrigues, na primeira etapa de sua criação. Acima da realidade está o mito, no que comporta de essencial e universal. Não se trata, aqui, de utilizar como substância dramática a situação concreta do homem no mundo, mas de iluminar, poética e intuitivamente, o feixe mais profundo de sua possibilidades conflitivas fundamentais. Em Álbum de família, por exemplo, - e escolho esta peça por considerá-la central dentro da obra de Nelson Rodrigues, e sua mais importante criação mítica - não se vai encontrar a história de uma família determinada, sofrendo a influência mediadora do seu tempo, do seu meio e apresentando, portanto, uma fisionomia, conflitiva, específica e historicamente condicionada.

Nessa obra, o que importa é o mito do incesto, tratado em todas as direções possíveis, desdobrado nos dilaceramentos e nos ódios que lhe são intrínsecos. Senhorinha, Nonô, Jonas, Glorinha não são pessoas de carne e osso, são símbolos, são arquétipos, solenes e terríveis na sua grandeza e na sua miséria super-humanas, e o não-entendimento deste fato gera equívocos ingênuos e grosseiros - como o da estupidez policial que interditou a peça por considerá-la imoral.
O homem, na sua marcha para a consciência, ou melhor, na sua busca dos Logos, arranca sempre do mito, do chão fecundo e obscuro de sua alma, onde fervem as situações fundantes em toda a sua ingênua e terrível crueldade.

É esse mundo, e esse humus pré-lógico que Nelson Rodrigues, no seu esforço de estruturação de si mesmo e de sua obra, procura trabalhar e transcrever. Neste sentido, sua obra é tão imoral como a mitologia grega ou a mitologia de qualquer povo, crivada de incestos, de crimes, de sangue e excremento. E, ao chamar-se de tarados os personagens arquétipos de Nelson Rodrigues, cai-se no mesmo e profundo ridículo que corresponderia a uma acusação desse tipo feita a Édipo, no Édipo Rei, de Sófocles. A moral convencional se aplica aos humanos, não aos heróis míticos da espécie.

Eles são tão imorais ou tão elementares como um grande rio em plena enchente, destruindo casas, alagando campos, afogando crianças e rebanhos. E, ao mesmo tempo, esses heróis são profundamente morais, porque exemplares na sua coragem superhumana de descer aos abismos, clareando as trevas que dormem no fundo de cada ser humano e que nós - por não sermos heróis - não conseguimos suportar.

Do ponto de vista da linguagem, as peças míticas de Nelson Rodrigues se adequam à matéria-prima dramática que lhes dá substância. A linguagem é solene, poética, encantatória. O verbo do mito participa de sua condição supra-racional. As imagens e os símbolos verbais estão carregados de sentido intuiitivo, iluminante, supra-coloquial. Não há nada, nessas peças, da banalidade cotidiana do prosaísmo sufocante que, depois, na sua segunda fase criativa, será a matéria de trabalho do grande damaturgo.

Nelson Rodrigues, na fase inaugural de sua obra, persegue o "autêntico real absoluto", de Novalis, a poesia que se identifica à verdade ideal e, por isto mesmo, ultrapassa o homem de carne e osso, encravado dentro do mundo, pojado do cotidiano que revela a sua pequenez e, ao mesmo tempo, a sua grandeza. Os personagens míticos de Nelson Rodrigues são sempre grandes, desmesurados, uma vez que - habitantes do Olimpo - participam da perenidade dos deuses antigos. Eles são intemporais, pois lançam suas raízes na matriz da alma humana - também intemporal - e deles não se pode esperar que sejam o retrato do homem histórico, mas a sua transposição transfigurada para o plano do mito.

Já na segunda fase de sua obra, Nelson Rodrigues, tendo encontrado em si mesmo, através da vertente mítica, os temas fundamentais de sua equação pessoal e de sua dramaturgia, caminha ao encontro não do homem imortal, mas do homem que morre. "Esse bicho da terra tão pequeno", mergulhado na sua ecologia específica, morador do subúrbio, crivado de contradições, envenenado de banalidade, mas vivo, vivo na sua condição trágica de ser marcado pelo pecado e pela morte, será o barro a partir do qual Nelson Rodrigues, apos A falecida, passará a esculpir sua obra teatral.

É claro que existe uma unidade essencial entre ambos os movimentos dessa obra. A comédia mítica se sucede à comédia humana. Ao homem como pura interioridade, se sucede o homem carioca, o homem do subúrbio, o ser humano particularíssimo nascido do homem geral mitológico. Esta marcha para a realidade, cujo primeiro lance, como vimos, é expresso através de A falecida,não significa uma ruptura de significados, mas um desdobramento analítico dos significados anteriores.

Da síntese intuitiva, isto é, da poesia, Nelson Rodriges parte para a análise de caracteres, isto é, para a prosa. E esta passagem da poesia para a prosa corresponde ao domínio, conquistado pelo autor, de sua temática pessoal profunda, de tal forma que já lhe é possível surpreender a poesia na prosa, as situações exemplares dentro do que é peculiar, particular, específico. Como Balzac, Nelson Rodrigues sabe agora que, no ambiente provinciano, nos pequenos meios afogados pela rotina, no subúrbio - que é a província do dramaturgo - se escondem as mais intensas paixões humanas.

A partir de A falecida passamos a assistir, na obra de Nelson Rodrigues, ao desfile dramático dos mesmos temas que fazem a pletora de sua fase mítica, mas já com outra conotação, com outra estrutura, com outra linguagem. Amor e ódio, nascimento e morte, gênese e apocalipse continuam a ser os assuntos que o obsedam. Mas esses movimentos da alma estão encarnados, ganham finitude, miséria, cotitianeidade, através da galeria de tipos criados pelo autor. Seus personagens descem do Olimpo, se aproximam de nós, exprimem a presença, em nós, dos grandes temas configurados à nossa dimensão humana e, nesse sentido, nos comovem e nos horrorizam mais - pois já agora ouvimos, por intermédio deles, a voz de nossos próprios horrores pessoais.

A grande novidade, a meu ver, dessa fase "balzaqueana" na obra de Nelson Rodrigues reside na linguagem. É óbvio que, a uma guinada tão intensa, qual seja a passagem da comédia mítica para a comédia humana, correspondeu necessariamente uma mudança decisiva e orgânica da linguagem. É admirável a maneira pela qual essa mudança foi feita. A linguagem de Nelson Rodrigues, em sua segunda fase criativa, possui uma formidável plasticidade, participa intrinsicamente do processo vivo dessa fase, chega a exprimi-lo - e, nas suas peças sucessivas, cada vez com mais força.

Pode-se caracterizar a obra de Nelson Rodrigues, desde A falecida, a partir da linguagem. Esta, à semelhança de seus personagens, desceu do Olimpo e se plantou no subúrbio, criou raízes neste ambiente, desceu até a sua terra mais profunda para brotar com um vigor e uma originalidade absolutos. É magnífica a forma pela qual Nelson Rodrigues, abandonando a semântica solene e hierática do mito, chegou libérrimo à expressão coloquial que colhe a palavra na sua fonte popular mais pura, sem nenhum recurso "literário", sem qualquer contrafação que revele o artifício ou a busca da simplicidade.

Sua linguagem é simples, porque é perfeita. E nesta medida, sendo simples, é complexíssima, pois traz consigo os meios expressivos que lhe possibilitam a revelação dramática de caracteres humanos e de situações metafísicas profundas. Acredito que Nelson Rodrigues, para realizar uma tal proeza semântica, se apoiou na experiência literária que para ele representa A vida como ela é, crônica diária de gosto quase sempre duvidoso, mas que lhe serve às mil maravilhas para afiar seus instrumento verbal. E, assim, sua crônica tem, dentro de sua obra, um papel auxiliar de primeira importância.
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Extraído de Nelson Rodrigues - Teatro quase completo, volume IV (tempo brasileiro/1966)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Drica Moraes / Notícias recentes

Drica Moraes está preparada para ir para casa


Esta é a vontade da atriz Adriana Moraes Rego Reis, a Drica Moraes de 40 anos, uma das mais queridas atrizes da atualidade. Os amigos e fãs de Drica Moraes já receberam no dia 22/02 uma demonstração desta vontade. Drica demonstrou este desejo ao ligar para, Walcyr Carrasco, autor de algumas novelas estreladas pela atriz. Na oportunidade ela agradeceu o apoio dado por ele.




“Amigos, fiquei muito feliz! A Drica Moraes me ligou. Ela está ótima! A Drica quis agradecer as palavras que eu disse sobre ela ontem no Fantástico! E eu respondi que ela merece! Sempre terei um papel para ela!”, disse Carrasco.

Walcyr Carrasco acrescentou que sempre Drica Moraes estará em seus planos e que não espera a hora de vê-la atuando novamente. A cada dia é visível a melhora de Drica Moraes e a sua expectativa de ir para casa tem aumentado a cada visita médica.

No dia 10/02, a atriz deu entrada no Hospital Samaritano sentindo enjoos, fez alguns exames e foi constatado que estava com leucemia, a partir de então foram iniciadas sessões de quimioterapia aonde Drica Moraes vem reagindo bem ao tratamento.

“A Drica Moraes está otimista quanto ao tratamento e agradece aos amigos e fãs que estão sensibilizados, e é um momento em que ela necessita estar concentrada no tratamento por isso a visita não foi liberada pela equipe médica”, informou a sua assessoria.

Drica Moraes ainda está em tratamento quimioterápico naquele hospital e em alguns momentos foi feita transfusão sanguínea. Mesmo após receber alta médica Drica Moraes terá que ser monitorada e fará vários exames periódicos para acompanhar a evolução do tratamento.
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Carreira da Atriz

Sua estreia na televisão foi na Rede Globo, em 1986, no episódio “O sequestro de Lauro Corona” do Teletema, escrito por Ricardo Linhares e dirigido por Carlos Magalhães. Apesar de pequeno, o papel chamou a atenção do diretor Roberto Talma, responsável pelo seriado, que a convidou para fazer “Top Model”, de Walter Negrão, em 1989.



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Fonte: Blog Coisas de Teatro

segunda-feira, 1 de março de 2010

Estilo e caracterização

Martin Esslin


O drama é a mais social de todas as formas de arte. Ele é, por sua própria natureza, uma criação coletiva: o dramaturgo, os atores, o cenógrafo, o figurinista, o encarregado dos acessórios de cena, o iluminador, o eletricista e assim por diante, todos fazem sua contribuição, do mesmo modo que também o faz a platéia, por sua simples presença. A parte literária do drama, o texto, é fixo, uma entidade permanente, porém cada representação de cada produção daquele mesmo texto é uma coisa diferente, porque os atores reagem de forma diferente a públicos diferentes entre si, bem como, é claro, a seus próprios estados interiores.

Essa fusão de um componente fixo e outro fluido é uma das principais vantagens que o teatro ao vivo leva em relação aos tipos gravados de drama - o cinema, o radioteatro, o teleteatro. Ao fixar permanentemente a interpretação/representação, bem como o texto, esses veículos condenam seus produtos a um inevitável processo de obsolescência, simplesmente porque os estilos de interpretação, dos trajes e da maquilagem, bem como as próprias técnicas de fixação em um filme, disco ou tape, mudam também, de modo que antigas gravações de radioteatro ou filmes antigos levam a marca indelével de produtos ligeiramente ridículos de uma outra época. Só os grandes clássicos, como por exemplo O bulevar do crime, de Marcel Carné, ou as comédias de Charles Chaplin ou Buster Keaton são capazes de sobreviver àquela aura de época passada.

O componente mais importante de qualquer performance dramática é o ator. Ele é a palavra transformada em carne viva. E carne, aqui, é usada no sentido mais tangível do termo. As pessoas vão ao teatro, acima de tudo, para ver pessoas bonitas; e entre outras coisas os atores são, também, pessoas que se exibem por dinheiro. Negar um forte componente erótico a qualquer experiência dramática é a mais tola das hipocrisias.

Em verdade, uma das maiores forças do teatro - bem como de todas as outras manifestações do drama - é a de que ele opera em todos os níveis a um só tempo, desde os mais básicos até os mais sublimes, e que no melhor drama uns e outros alcançam fusão perfeita. Deleitamo-nos com a poesia de Shakespeare em uma peça como Romeu e Julieta não só por se tratar de poesia suprema, mas também porque tal poesia configura-se em uma linda jovem e um rapaz que despertam nossos desejos; o desejo estimula a poesia e a poesia enobrece o desejo e, assim, a divisão entre corpo e mente, entre terreno e espiritual - o que constitui, de qualquer modo, uma falsa dicotomia - é abolida e a natureza unificada do homem, animal e espiritual, reafirma-se.

Os atores corporificam e interpretam o texto fornecido pelo autor. E poderia parecer que eles são totalmente livres para fazê-lo do modo como bem entendessem. Mas isso só é verdade dentro de certos limites, já que o autor tem à sua disposição um instrumento muito poderoso para impor aos atores o modo de representação que deseja. Tal instrumento é o estilo. Suponhamos que um ator tenha que dizer a seguinte fala em uma peça:

"Diga-me, amigo, quais as suas novas!
Sou todo ouvidos, ânsias e temores
E pronto p'ra enfrentar o que vier..."

Ou que tivesse de expressar idéias idênticas em igual situação nos seguintes termos:

"Como é, Peter, vamos logo com essa história. Estou louco para saber as novidades...Sente-se aí...quer tomar alguma coisa?...Você sabe como isso é importante para mim...Estou tentando ser otimista sobre a resposta...mas não consigo deixar de ter dúvidas, também. Quer com água ou soda?...Como é, diga logo o que tem para dizer...pode deixar que eu agüento..."

É claro que a primeira passagem, sendo em verso e em linguagem ligeiramente literária, não pode ser interpretada com a aflição, o naturalismo, da segunda, que expressa pensamentos e circunstâncias perfeitamente semelhantes. Porém, ao compor a passagem em verso, o autor torna impossível, por exemplo, que o ator acompanhe sua ação oferecendo uma bebida qualquer ao seu visitante: pura e simplesmente não fica bem ficar perguntando a um amigo se ele prefere água ou soda nos ritmos um tanto solenes do verso branco (e se alguém o fizer, o resultado será um efeito um tanto ou quanto cômico, o que, obviamente não é o que se deseja aqui).

A passagem em linguagem literariamente enaltecida, portanto, obviamente terá de ser dita com o ator mantendo uma postura muito mais digna e despojada; seus gestos terão de ser infinitamente mais estilizados, sua máscara muito mais serena. Para que o ator use linguagem desse tipo, por exemplo, é inconcebível que fique coçando a cabeça ou esfregando o nariz enquanto fala. Porém, para o ator que estivesse dizendo a segunda fala, tudo isso seria perfeitamente possível: os ritmos são menos formais, mais quebrados, as palavras usadas mais corriqueiras. Brecht, um dramaturgo que era também soberbo diretor teatral, exigia que o autor usasse linguagem gestual, o que significa que deveria escrever de modo a impor ao ator o estilo correto do movimento e da ação, compelindo-o a restringir-se à idéia que o autor tinha do modo pelo qual suas palavras deveriam ser representadas.

Porém o estilo em que é escrito o texto dramático preenche igualmente uma outra função: a de informar a platéia. Pelo estilo no qual a peça foi escrita o público é imediata e, em grande parte, insconscientemente informado da maneira pela qual deverá aceitar a obra, o que deverá esperar dela e a que nível deverá a ela reagir. Pois a reação de uma platéia depende em grande parte de suas expectativas. Se estiverem sob a impressão de que a peça é para ser engraçada ficarão mais rapidamente predispostos a rir do que se souberem, de início, que a obra deve ser encarada com a mais profunda seriedade.

Parte disso é comunicado ao público pelo título, pelo autor, pelos atores, ou pelo fato de ela ser descrita no programa como comédia, tragédia ou farsa. No entanto, pode haver muita gente na platéia que não recebeu qualquer tipo de informação prévia, enquanto que, por outro lado, nem sempre se torna claro, mesmo após a leitura do programa, quais são as intenções do autor ou do diretor. Na primeira apresentação de Esperando Godot, de Beckett, peça escrita em um estilo extremamente insólito naquele tempo, o público não sabia como reagir, se devia rir ou chorar. Porém na maioria dos casos - e em relação a convenções já consagradas - o estilo das falas, da interpretação, o estilo do cenário e dos figurinos, transmitem imediatamente ao público as infomações necessárias, permitindo-lhe afinar suas expectativas com o nível adequado: esse estilo então lhe dirá, para permanecermos dentro dos limites de nosso exemplo, a que nível de abstração a peça se desenrolará.

Em uma tragédia de Racine, por exemplo, a própria natureza dos versos alexandrinos altamente formalizados torna imediatamente claro que a peça concentrar-se-á nas mais sublimes paixões de seus personagens. Nesse tipo de peça nada é dito a respeito das preocupações menores dos personagens envolvidos. Fedra ou Andrômaca jamais são vistas comendo ou em conversa fútil. O verso e o nível da linguagem em pouco tempo dão-nos consciência disso.
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Artigo extraído - e aqui bastante reduzido - do 2º capítulo do livro Uma anatomia do drama, cuja leitura consideramos indispensável (Zahar Editores, Rio de Janeiro/1978).
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