sábado, 22 de maio de 2010

História do Teatro

(Lionel Fischer)

O que se segue é um resumo (e bota resumo nisso!) da História do Teatro desde sua criação até o início do século XX. Este texto é dirigido sobretudo a jovens estudantes que, com uma constância comovente, têm me pedido para colocar neste blog "uma geral do que rolou desde o começo". Após relutar o quanto pude, acabei me rendendo aos múltiplos apelos. Mas no tocante ao século XX e XXI, fica para uma próxima ocasião - digamos, daqui a uns 10 anos...

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O Nascimento

Tudo se inicia na praça do velho mercado de Atenas, a mais importante cidade-Estado da Grécia no século VI a. C. Contra a vontade de Sólon, tirano e legislador eficaz mas nem sempre dedicado às sutilezas da sensibilidade, o povo preferiu acreditar em cada gesto de Téspis - um homem estranho, que ousava imitar os deuses e os homens.

Grossa túnica nos ombros e tosca máscara sobre o rosto, Téspis desceu solene e grave os degraus do altar que improvisara sobre uma carroça. E sem esperar que os circundantes se refizessem do inesperado, afirmou: "Eu sou Dionisio". Foi um sacrílego e surpreendente momento das festas que a tradição reservava ao deus da alegria; foi também o instante em que, pela primeira vez, um obscuro e arrogante grego se fez aceitar como deus de carne e osso pelos atenientes do mercado. E foi o começo de uma aventura espiritual que atravessaria os séculos, mesclando - à imagem do próprio homem - verdade e fantasia, risos e lágrimas: o nascimento do Teatro.

No século seguinte, V a. C., quando a democracia se instalou na Grécia, começaram a ser organizados concursos que premiavam quem melhor falasse a sua linguagem e distraísse a multidão.


A tragédia grega

Na Atenas democrática do século V a. C., os grandes autores trágicos usariam de maneira mais racional, embora carregados de emocionalismo, os elementos que Téspis desorganizadamente vislumbrara nas suas imitações. À túnica, à máscara, à luz das tochas e aos eventuais recursos de encenação improvisada incorporou-se a poesia como núcleo. Ao mesmo tempo, em substituição à pequena carroça de Téspis, implantou-se a grande plataforma fixa, um palco verdadeiro sobre o qual já se podia organizar um espetáculo, com atores, coro e arquibancadas, anualmente levantadas para um imenso público.

Esse dimensionamento ganhou ainda maior proporção quando se escolheu um local para as representações: o terreno consagrado a Dionisio na encosta sudeste da Acrópole. Ali Ésquilo, Sófocles e Eurípedes tiveram encenadas quase todas as suas tragédias, sempre marcadas pelo mesmo tom ritualístico com que os clãs da Grécia arcaica celebravam Dionisio, a boa divindade da paixão e da embriaguez, capaz de traduzir a ilusão mágica de que os mortais comungam com a natureza divina.


Como eram as tragédias

Versando sobre realidades e mitos, as histórias das tragédias eram conhecidas de todos. Falavam de heróis legendários em luta contra o Destino inexorável, e dos deuses, sempre presentes para recompensar a coragem e punir a rebeldia. A partir do comportamento do herói diante das imposições do Destino, organizava-se toda a ação dramática.


A Catarse

A catarse foi definida pelo filósofo Aristóteles como um fenômeno que purifica a alma das paixões sufocantes. De acordo com ele, "ao inspirar, por meio da ficção, certas emoções penosas ou malsãs, especialmente a piedade e o terror, a catarse nos liberta dessas mesmas emoções".


A primeira estética
da arte dramática

Baseado na observação crítica das tragédias, Aristóteles construiu a primeira estética da arte dramática: a "Poética". Nela acham-se definidos o pensamento, a fábula, o caráter, a linguagem, a melodia e a encenação - os seis elementos essenciais da obra teatral. Todos eles deveriam estar subordinados à regra das três unidades - ação, tempo e lugar - observadas de certa maneira pelos autores gregos e pelos clássicos franceses muitos séculos depois. Uma curiosidade: o teatro grego é responsável pela invenção de dois termos para designar caracteres opostos: "protagonista" (herói) e "antagonista" (vilão).


Comédia: o Teatro
como brincadeira

Originada da parte mais alegre do ditirambo - cântico improvisado das primitivas procissões dionisíacas - a comédia encerrava os festivais atenienses mostrando aos espectadores que o teatro é uma grande brincadeira.

Os gregos associavam a comédia a personagens ridículas representadas como pessoas absurdas e ofensivas. Apresentada como uma forma burlesca da tragédia que a precedera, a comédia nem por isso deixava de dirigir críticas mordazes às instituições e às pessoas notáveis. Os próprios deuses eram objeto de sua contundente jocosidade. O maior comediógrafo grego foi Aristófanes, e dentre os romanos citamos Plauto e Terêncio.


Roma domina o mundo e
o Cristianismo se impõe

Durante todo o período de expansão política de Roma e na fase em que o império mostrava sinais de decadência, a comédia popular manteve um público certo. E nem mesmo a adoção do Cristianismo - impondo seus valores a um mundo que se fragmentava - foi suficiente para mudar de imediato os costumes. O povo continuava vibrando com a licenciosidade do mimo e da pantomima, forma dramática sem palavras, baseada na imitação mais ou menos estilizada. No século V, numa de suas primeiras manifestações de autoridade, a Igreja acabaria por excomungar os atores, medida que não foi suficiente para terminar com os espetáculos. Assim, no século seguinte, os teatros foram rigorosamente proibidos de funcionar.


Teatro Medieval: uma
fantástica visão de sonho

Nessa época, a Igreja detinha o monopólio da educação. Mas os espetáculos profanos não perderam sua força, apenas eram confinados no interior dos feudos, mais precisamente dentro dos castelos senhoriais. É aí que surge a figura do Menestrel. Ele era um misto de cantor da corte da primitiva Idade Média e do antigo jogral dos tempos clássicos. Dotado de impressionante versatilidade, o Menestrel ocupou o lugar do poeta culto, especializado na balada heróica. Mas não assumiu apenas a função de poeta e cantor. Era a um só tempo músico, dançarino, dramaturgo, ator, palhaço e acrobata, executando divertimentos de todos os gêneros, desde as canções de baile às histórias de fadas e lendas dos santos. O Menestrel tentava o sensacional, as grandes tiradas, a poesia viva. O Menestrel também sofreu a hostilidade do clero, diante do qual sucumbiram os cantores nos séculos VII e IX. Assim, a partir dessa época, multiplicaram-se os artistas errantes e vagabundos, que se viam obrigados a procurar seu público nas estradas e feiras.


Cultura: patrimônio da Igreja

Aos camponeses convocados para festejar as datas católicas, eram didaticamente apresentadas as chamadas Moralidades, em que abstrações como a gula e a luxúria, consideradas pecados capitais, surgiam na forma de terríveis demônios. Esse apavorante teatro a serviço de idéias religiosas continha ao mesmo tempo rústicos traços de tragédia, comédia e farsa. O programa cultural da Igreja atingiu completamente seu objetivo no fim do século X. Com a aproximação do ano 1.000 passou-se a pregar o fim do mundo, o julgamento final e o terror da morte. Os homens viviam em constante estado de excitação religiosa, com peregrinações, cruzadas e excomunhões de imperadores e reis.

O incipiente teatro medieval de inspiração religiosa é o resultado de uma fantástica visão de sonho. Com o reflorescimento do comércio e da vida urbana, no século XI, aparecem novas cidades e mercados, novas ordens e escolas, mas por muito tempo ainda se respirou a atmosfera apocalíptica do Juízo Final. Sobretudo na Espanha, a técnica das Moralidades passou a ser utilizada no drama litúrgico que se desenvolveu entre os séculos XII e XIII. O mais antigo exemplo que se conhece em língua castelhana é o "Auto dos Reis Magos", peça que integrava o ciclo de Natal.

Objetivando indicar os caminhos de salvação da alma, os Autos falavam dos episódios bíblicos e exaltavam a vida dos santos e mártires que haviam tombado em nome da fé. Eram geralmente peças em um ato, com indisfarçável caráter alegórico, que integravam as encenações cíclicas; na Espanha, tornaram-se famosos os ciclos de "Corpus Christi" (que celebrava o mistério do Eucaristia) e o da "Paixão" (quando se rememorava a tragédia de Cristo). As representações da "Paixão" compunham-se de numerosas cenas em seqüência, com centenas de atores. Elas duravam diversos dias e seus episódios, muito mais do que simples situações dramáticas, demonstravam o gosto pelo espetacular e pelo movimento.


O espaço de representação
na Idade Média

A Idade Média não criou um edifício teatral próprio. No início, os espectadores se confundiam com o próprio ofício religioso. Tinham lugar dentro ou diante do pórtico das igrejas. Mais tarde, foram transferidos para a praça pública. Uma tela imensa, fixada por cordas, cobria os espectadores. Os privilegiados dispunham de camarotes especiais, mas essa hierarquia não destruía o espírito de celebração de caráter eminentemente religioso. A praça estimulava o comparecimento do povo, que se mostrava arredio a locais fechados. Assim, o drama religioso estava destinado a se fundir com os gêneros profanos.

Os Autos Sacramentais começaram a ser montados sobre carroções, nos quais se armavam complicados cenários e engenhosos maquinismos, capazes de proporcionar a ilusão de milagres e aparições de santos e diabos. E, além dos truques técnicos, o teatro incorporou o luxo dos figurinos. Renovado anualmente, o traje dos atores era então de uma riqueza extraordinária. Embora os artistas itinerantes se vissem obrigados a atuar nessas peças didáticas e maniqueístas, em que o catolicismo levava à salvação e a irreligiosidade à danação eterna, muitos deles já começavam a ganhar certo prestígio em repertórios que prenunciavam a liberação renascentista.


Renascença: o homem como
medida de todas as coisas

Desde o final da Idade Média, as grandes casas senhoriais contratavam seus próprios atores em substituição aos antigos menestréis. Nas datas festivas, sobretudo no Natal e nos casamentos, esses comediantes encenavam peças especialmente escritas para a ocasião. Mas mesmo quando se organizavam em companhias independentes, continuavam respeitando a relação de serviço, pois submetendo-se ao patronato ganhavam proteção contra a animosidade das autoridades da cidade. Além disso, recebiam uma pequena anuidade e somas extras quando representavam na casa do amo.

Os atores domésticos são herdeiros diretos dos menestréis e bobos da corte e estabelecem o elo com os artistas profissionais da Renascença, do Barroco e da Idade Moderna. Com a gradual decadência das velhas famílias e o fortalecimento do poder real, os comediantes tiveram a princípio que se sustentar por si mesmos. No entanto, a centralização da vida cultural e palaciana em cidades como Florença, Londres, Madri e Paris serviu de poderoso incentivo para a formação de companhias regulares de teatro. Os países europeus achavam-se então em plena Renascença quando as artes começaram a se emancipar dos dogmas eclesiásticos para se ligar intimamente à filosofia humanista.

O teatro sofreu de alguma forma essa evolução, embora o drama religioso despontasse ainda com certa insistência na obra de portugueses (com Gil Vicente) e espanhóis do chamado "Século de Ouro" (XVI e XVII), sendo os mais renomados Lope de Vega e Calderón de la Barca - o Brasil também conheceu esse drama teatral didático e religioso na época da colonização, através dos Autos do jesuíta e poeta espanhol José de Anchieta. Instrumento de catequisação, o teatro jesuíta apoiava-se nas lendas dos mártires e dos santos, incluindo histórias do Velho Testamento e da mitologia clássica, mostrando em cenas horripilantes as conseqüências da heresia e da maldade.


Lope de Vega: criador da
moderna dramaturgia

A Lope de Vega se deve o estabelecimento das fórmulas da Comedia Nueva, que reduziu a três o número de atos, fundiu os elementos trágicos e cômicos, dinamizou a ação e a intriga, e repeliu as unidades aristotélicas de tempo e lugar. A Comedia Nueva era encenada nos corrales, teatros públicos urbanos surgidos na Espanha. Consistiam de um pátio cercado de casas, que as ordens religiosas alugavam às companhias. Tratava-se de um teatro a céu aberto, com um pequeno palco coberto e um cenário simples. As funções duravam duas ou três horas, terminavam antes do pôr-do-sol e eram repetidas três vezes por semana. Esse foi um dos primeiros teatros a se diferençar das representações da Igreja e dos espetáculos encenados na corte.


Commedia dell' Arte:
Teatro do povo

Na Itália, onde uma rica classe de banqueiros e comerciantes havia estabelecido as premissas do desenvolvimento capitalista do Ocidente, a nova cultura artística aflorou mais rapidamente. Assim, já em meados do século XVI, os atores e as companhias se profissionalizaram através da Commedia dell' Arte, uma forma de teatro popular surgida em oposição à comédia literária e erudita de autores como Ariosto, Aretino e Maquiavel, que seguiam fielmente o modelo clássico romano estabelecido por Paluto e Terêncio.

A Commedia dell' Arte vulgarizou a trama, as intrigas e as situações, aproveitando máscaras e trajes carnavalescos e os grandes recursos da pantomima popular. Permitindo ao ator ilimitados recursos de improvisação, o gênero fez do intérprete o mais importante elemento do gênero teatral. Embora os intérpretes devessem seguir os achados cômicos (lazzi) e respeitar os roteiros básicos (canovacci), havia extrema liberdade de variações. Assim, era válida a idéia de que os diálogos se conjugassem de acordo com a fantasia do momento.

Essa liberdade criadora, paradoxalmente, confina-se por outra limitação: os atores fixavam-se sempre numa "máscara", especializando-se em determinado papel, pelo qual ficavam famosos até a morte. Com base num esquema, os cômicos davam largas à sua imaginação. Mas, na realidade, eles acabavam por ser autores de um só tipo. Geralmente, o espetáculo mostrava um casal de namorados em luta contra a proibição dos pais, em meio a intrigas e acrobacias dos criados e intervenções do Arlequim, da Colombina, de Pantaleão, do Doutor e do Capitão.

As companhias itinerantes fizeram da Commedia dell' Arte um dos gêneros mais populares de toda a Itália, com profundos reflexos no teatro europeu da época. Contudo, a pobreza do texto, provocando desequilíbrios no espetáculo, constituiu o principal fator de sua decadência. No século XVIII, Goldoni, autor máximo do teatro veneziano, iria se inspirar na Commedia dell' Arte para escrever suas principais peças de costumes, mas teria o cuidado de limitar a palhaçada gratuita e a improvisação arbitrária. De qualquer forma, a Commedia dell' Arte pode ser considerada o ponto de partida das diferentes e posteriores formas de teatro do povo, que culminaram no drama shakespeariano.


O Teatro Elisabetano

O drama medieval, que consistia principalmente em festas públicas e pantomimas, fora transformado pelos humanistas num trabalho de arte literária. Shakespeare - que dispensa maiores apresentações - adotou essa inovação, conservando ainda a separação medieval entre palco e platéia, além da mobilidade de ação do drama religioso. Mas no conteúdo e na tendência, seu teatro foi determinado pela estrutura social e política da época - época do realismo político, que leva o conflito dramático da própria ação à alma do herói.

Um fato importante aconteceu com a dramaturgia inglesa: os primeiros dramaturgos profissionais do país já não escreviam exclusivamente para a corte e passaram a apresentar suas peças nos pequenos teatros londrinos recém inaugurados: The Theatre, The Rose, The Globe e The Fortune. E a platéia era bastante heterogênea, embora as classes superiores constituíssem a grande maioria.


O Classicismo francês

No mesmo momento em que o teatro renascia em Londres, os autores franceses lançavam sérias críticas à obra de Shakespeare, a quem não perdoavam o desprezo pelas regras aristotélicas, principalmente à unidade de tempo e espaço e à nítida separação de elementos trágicos e cômicos. Ou seja: os dramaturgos franceses do século XVII seguiam fielmente as regras estabelecidas pela "Poética" de Aristóteles. Mas sua obra, quando comparada à dos gregos, é repleta de artificialismo e arbitrariedade, pois faltava-lhe o sentido trágico que os atenienses haviam encontrado naturalmente em sua comunidade. Apesar de tudo, o teatro de Corneille e Racine atingiu momentos de grande perfeição formal.


Molière

É o maior nome do teatro francês da época. Embora pertencesse à classe média, como a maioria dos escritores do período, Molière conquistou os salões porque não era um simples executante de trabalho manual, a cujo respeito a nobreza nutria seu mais antigo preconceito. Além disso, não punha em xeque a instituição da monarquia, a autoridade da Igreja e os privilégios da corte. Mas, ao colocar em cena heróis que reagiam com empenho diante de um problema - Em "O tartufo", diante da religião; em "Don Juan", diante do amor; em "O misantropo", diante da sociedade - e ao descrever impostores, falsos devotos e maus cristãos, Molière angariou a fúria dos censores. Suas peças continham mais verdade do que seria desejável. Mas, sempre que pôde, o autor de "O burguês fidalgo" não deixou de criticar a estupidez dos nobres com a mesma irreverência com que mostrou a vulgaridade de camponeses, pequenos comerciantes e burgueses.


Século XVIII: dramas burgueses
e tragédias político-históricas

Neste século surge o drama burguês. Esse teatro exprimia anseios romântico-emocionais, mas acaba insistindo nas convenções herdadas do classicismo. Sem compreender a verdadeira diferença entre tragédia e tristeza, o público preferia sempre um desenlace satisfatório. Os principais nomes do drama burguês - Lilo, Diderot e Lessing - escreveram peças em que o indivíduo era condicionado pela realidade do cotidiano. Ao mesmo tempo, na corte de Weimar (Alemanha), Schiller e Goethe desenvolviam o classicismo alemão, criando dramas e tragédias político-históricas movidos por intenções idealistas.


Século XIX

Neste século, numa tentativa de desmistificar a figura do herói romântico e idealista, e certamente visando conferir à cena uma maior carga de verdade e atualidade, surge o Naturalismo. Um dos pilares desse movimento foi o escritor francês Émile Zola, que dizia que o artista deveria descrever objetivamente a realidade, transformando-se em verdadeiro pesquisador com intenções pedagógicas e críticas. O primeiro grande dramaturgo a trabalhar com conceitos naturalistas foi o sueco Strindberg em obras como "O pai" e "senhorita Julia". Esse naturalismo foi convertido mais adiante em Realismo, cujo maior nome é o norueguês Ibsen - temos também Gogol, Shaw, Tchecov etc.


Qual a diferença entre
Naturalismo e Realismo?

O conceito de Naturalismo pressupõe uma cópia fiel da realidade. O Realismo dispensa essa rigidez quase que fotográfica.


Antoine:
encenações naturalistas

Um dos primeiros grandes encenadores do teatro moderno foi Antoine (1859-1943). Fundador do Teatro Livre de Paris e do Teatro Antoine, ele introduziu o Naturalismo na encenação. Ele pretendia copiar a vida em todas as suas minúcias, empregando para isso recursos de iluminação e cenários que transformavam o palco numa grande fotografia. Se a ação se desenrolava num açougue, por exemplo, fazia do palco um verdadeiro açougue. Dos atores exigia não apenas que interpretassem, mas que vivessem os personagens com total identificação. A ele se deve a introdução do conceito de "quarta parede", um dos pontos básicos da interpretação naturalista: os atores deveriam considerar a boca de cena como a quarta parede do cenário, a fim de ignorarem o público e atingirem a plena verdade dos personagens.


Os simbolistas:
rejeição ao Naturalismo

Mas essa obsessão por copiar a realidade acabou sendo contestada pelos adeptos do Simbolismo - escola literária que pregava a expressão subjetiva através de símbolos. No teatro, os artistas contrários aos naturalistas sustentavam que eles, no fundo, padeciam de falta de imaginação. Ao invés, por exemplo, de copiar em cena um açougue, os simbolistas achavam muito mais válido e teatral apenas sugeri-lo por meio de abstrações, ou seja, apresentar uma idéia estilizada que dele se fazia. Essas idéias, que também seriam aproveitadas pelos expressionistas, possibilitaram o nascimento de uma estética teatral que utilizava muito mais recursos de luz, som, movimento, cor e volume como instrumentos a serviço da projeção da ação dramática.

E os maiores responsáveis pela rejeição ao rígido esquema naturalista foram encenadores como Stanislavski, Meyerhold, Max Reinhardt, Adolphe Appia, Gordon Craic, Jacques Copeau, Artaud, Brecht, Piscator, Dullin, Jouvet, Jean Louis Barrault, Jean Villar, Roger Planchon, Gaston Baty e mais adiante Victor Garcia, Julien Beck e Judith Malina, Tadeuz Kantor, Eugenio Barba e o maior de todos, Peter Brook.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Diretor e o Ator

H. C. Heffner
O diretor, principalmente em um teatro não-comercial, embora interessado em todos que tenham uma parcela de responsabilidade na produção de um espetáculo, dispende a maior parte de tempo e energia com os atores. O bom diretor é um professor da arte de representar e um preceptor dos atores. Portanto, um diretor deve reconhecer a arte, as técnicas de representação e o modo de transmitir estas informações de modo a obter o máximo rendimento dos atores.

No mundo teatral o diretor deve ajudar o ator na criação do personagem e na aquisição e domínio das técnicas de representação, através das quais o personagem é formado. Já que considerável parte do tempo e da energia de um diretor é dedicada ao ensino da arte, à técnica de representação e ao monitoramento dos atores dentro destas técnicas, o assunto deverá ser explorado em todos os aspectos da direção.

Talvez não seja necessário comentar que esse tipo de abordagem não implica numa discussão completa sobre a arte de representar, mas os problemas básicos provenientes das relações de um diretor ao trabalhar com os atores devem ser resumidos. O trabalho do diretor naturalmente irá variar de ator para ator e dependerá do treinamento e da experiência do ator, do seu papel no espetáculo, da sua personalidade e atitudes. Um professor não conseguirá obter bons resultados utilizando o mesmo método com todos os alunos.

A arte e a técnica de representar é complexa e exige, além de aptidão, anos de treinamento e experiência. No curto período de ensaios, o diretor não pode esperar ensinar toda arte para uma pessoa inexperiente. Ele deve, portanto, concentrar-se em cada ator e nas técnicas essenciais para o papel e para superar as falhas de desempenho.

No teatro moderno realístico as técnicas de representação têm sido quase que suplantadas e descartadas para serem substituídas por um certo tipo de exibcionismo. Durante a distribuição dos papéis em peças e filmes, procura-se um indivíduo que possua exatamente o físico, a expressão facial e a personalidade adequada para cada papel; tão logo seja encontrado, simplesmente é treinado para apresentar suas próprias peculiaridades e excentricidades.

Se o que se quer é um gangster durão, procura-se alguém com traços e características semelhantes as de Humphrey Bogart. Se o que se quer é um homem idoso com modos educados e refinados, tal tipo de pessoa será encontrada. Às vezes, estas pessoas, que se adequam perfeitamente a um único papel devido a sua aparência e temperamento, não tiveram nenhum tipo de treinamento ou experiência anterior na arte de representar. Se obtêm sucesso neste tipo de papel, provavelmente continuarão a representá-lo em sucessivos espetáculos ou filmes.

Eles estão, em outras palavras, constantemente representando eles mesmos e seriam um total fracasso caso tivessem que interpretar um personagem de uma peça de Molière ou de Shakespeare. Este tipo de distribuição de papéis e representação, pode ser às vezes, e em certas peças o é, extremamente convincente e bem sucedida. Todo diretor, ao procurar atores para um espetáculo, emprega até certo ponto tais procedimentos para a distribuição dos papéis ao elenco.

Entretanto, tais procedimentos não produzirão um ator versátil com total domínio da arte, pois através de tal tipo de distribuição é difícil, senão impossível, desenvolver uma representação mais abrangente. Um ator que só sabe exibir suas características pessoais não conseguirá se adaptar aos diversos estilos de caracterização do drama grego, de Shakespeare, Molière e Ibsen.

Por outro lado, o ator-artista com o seu total treinamento e através do domínio da técnica está equipado para, dentro dos limites de variação, interpretar diversos personagens em muitos estilos diferentes. Até mesmo dentro de um restrito âmbito de realismo, a técnica é importante e essencial para uma boa representação.

Para obter sucesso em cada papel, o ator deve aprender os recursos e os métodos de sua profissão. A grande quantidade de pequenos recursos e técnicas promovem a certeza, a facilidade e o êxito na interpretação de um papel, e só são adquiridos através de um treinamento constante e da experiência. Não há uma fórmula-chave para a arte de ser ator e nenhum método que garanta o sucesso.

Além das técnicas de formação, o grande ator deve adestrar a imaginação, se ele já não a possui em boa dose; e se a possui, deve constantemente desenvolvê-la. A imaginação do ator é, antes de tudo, o dom de penetrar intuitivamente nas personalidades de muitos indivíduos diferentes; a técnica do ator se revela através dos recursos, dos meios pelos quais ele seleciona e aperfeiçoa o que é significativo para compor intuitivamente a personalidade imaginada para o papel. Junto com esta imaginação intuitiva é encontrado no grande ator um senso de estilo de caracterização que consegue discernir as diferenças, por exemplo, entre o Duque de Orsino em "Noite de reis" e Alceste em "O misantropo".

A arte de representar, tal como é discutida aqui, pode ser definida como a arte de compor um personagem através dos recursos vocais e visuais, a fim de convencer e sensibilizar a platéia. Os dois instrumentos da arte do ator no palco são sua voz e corpo. No cinema, a arte de representar possui um outro instrumento, a câmera, a qual de certo modo serve para diferenciar da representação no teatro; e as mesmas diferenças se aplicam, embora um tanto diferentemente, na representação na televisão.

Então, obviamente, na representação teatral, há duas categorias de técnicas, voz e corpo, as quais o ator deve dominar. Do mesmo modo que a câmera é um fator determinante na representação em um filme, o teatro e a platéia são determinantes no desempenho de um ator experiente. Este ator não representa simplesmente um papel; ele também "eleva" a sua interpretação às condições de um teatro específico. Um ator que interpreta um personagem dentro de um mesmo teatro da Broadway durante toda a temporada da peça ou que sempre atua em um mesmo teatro pode não perceber o nível para o qual a interpretação de um papel deve ser "elevado".

Se, entretanto, ele participa de uma turnê, representando em teatros diferentes durante semanas consecutivas, logo perceberá a influência do tamanho do teatro sobre a sua técnica. As intrínsecas e sutis técnicas convenientes para a projeção de um papel em um teatro com um palco central pequeno seriam totalmente perdidas em um teatro grande com mais de três mil lugares.

Um dos fatores que mantém um ator experiente sempre motivado em suas constantes interpretações, noite após noite, durante uma longa temporada de uma peça, é o conhecimento, a satisfação para com o seu papel e o prazer de atuar para uma platéia de teatro. Neste aspecto, ele pode ser comparado a um pescador experiente tentando fisgar uma truta grande com um caniço e um samburá. Um pescador sabe que não se pode segurar exatamente do mesmo modo nem dois peixes, nem dois potes d'água. Alguns são fáceis, enquanto outros exigem toda destreza, atenção e inteligência.

Do mesmo modo que, sem deixar transparecer, o ator observa as platéias, orienta as suas reações e as utiliza para construir outros efeitos. Este ator "sente" a platéia do mesmo modo que um orador público experiente sente a sua platéia. Esta representação para uma platéia e o sentir de suas reações são um grande estímulo para o ator em uma temporada. A falta desta capacidade é um dos fatores que diferencia o amador do profissional. O ator iniciante possui tantas dificuldades na simples interpretação de seu papel e no trabalho de palco que ele pode se esquecer completamente da existência da platéia, se o diretor não o relembra constantemente de que ele está representando para uma.


DOMÍNIO DA CARACTERIZAÇÃO

A primeira tarefa do ator é conhecer totalmente o personagem que ele irá representar e fazer com que este personagem pareça ser uma pessoa real. Para fazer isto ele deve criar mentalmente uma imagem do tipo de pessoa que está retratando, e identificar-se com esta pessoa. Os atores variam muito nos métodos utilizados para realizar esta tarefa. Alguns são altamente intuitivos e trabalham melhor através de sugestões do que por meio de uma análise direta; outros são mais intelectualizados: precisam primeiro analisar detalhadamente o papel que representarão antes de compô-lo.

O diretor pode ser útil para cada um destes tipos de ator ao esclarecer o máximo possível o tipo de personagem exigido para a ação na peça. Ele pode indicar os traços específicos com os quais o dramaturgo contemplou o personagem, tornando as suas ações verossímeis. À medida que o diretor conhece o ator, pode sugerir atributos subsidiários e maneirismos que possam melhorar a caracterização e ajudar a torná-los reais no palco. Entretanto, tem que ter o cuidado de não impor uma interpretação do papel rígida demais, pois deve encorajar o ator a desenvolver o personagem à medida que o vai incorporando.

Os traços externos de um personagem - idade, altura, postura, andar, vestir e maneirismos gestuais, e assim por diante - são relativamente fáceis de serem analisados, e não são difíceis de serem dominados. São os aspectos internos - atitude, emoção, pensamento e decisões que são mais difíceis de serem discernidos e transmitidos. Um bom conselho para se penetrar no interior de um personagem, por assim dizer, é, como já sugerimos, perguntar o que ele quer: Quais são os seus desejos? O que ele pretende? Qual é o desejo ou força que o impulsiona? Às vezes, este desejo ou força impulsora é facilmente verbalizável, mas é difícil identificá-la. O exemplo de "Fedra", de Racine, impulsionada por uma paixão proibida pelo seu enteado, ilustra bem este aspecto. Seu desejo proibido, como a ambição de Macbeth, a leva a seu terrível conflito interno.

Em certos casos, especialmente em personagens secundários,o desejo ou força propulsora não é o ponto central da caracterização. Às vezes, ajuda o ator imaginar uma força interna que o conduz para tal papel. É claro que esta força interna concedida ao personagem deve ser compatível com o papel na peça.

Outro recurso para dominar e penetrar em um personagem é o de construir ou inventar uma biografia para o mesmo. O diretor criativo ou o ator podem facilmente construir um esboço adequado ao passado de qualquer personagem, embora este passado apareça muito pouco ou nem mesmo apareça na peça. Sabemos que certos dramaturgos, inclusive Ibsen, trabalharam desta maneira ao desenvolverem seus personagens.

Ao delinear este esboço em cima dos seus conhecimentos, personagens de livros e romances, e através da livre imaginação, o ator pode cercar o seu papel com uma grande quantidade de detalhes que servem para conceder a este personagem estatura, peso e verossimilhança. Este recurso deve ser incentivado desde que os detalhes da biografia inventada estejam em total conformidade com o papel na peça. O objetivo é o de fazer com que o personagem da peça adquira vida no palco em toda a sua plenitude.

Outro recurso que auxilia o ator em seu trabalho de composição é determinar e identificar-se com as atitudes do personagem e com sua reações para com os outros personagens da peça. Com alguns ele pode ser totalmente indiferente; com outros pode ser abertamente ou secretamente hostil; enquanto que para com outros, ser em diversos níveis amigável e solidário. O ator deve procurar avaliar estes relacionamentos muito embora, às vezes, seja difícil declarar explicitamente o simples motivo de uma pessoa reagir de um ccerto modo para com outra.

Estas reações de um ser humano para com outro são material básico para a construção do drama; daí o ator ter que compreender, sentir e utilizar tais reações. Ele tem à sua disposição uma variedade de recursos - tom de voz, escolha das palavras, o modo que deve olhar outra pessoa, o balançar dos ombros, o gesto das mãos, a postura do corpo - através dos quais pode transmitir ao público a sua atitude para com outro personagem; mas primeiro ele deve "sentir" tal atitude.

Neste processo de reação para com os outros, o ator deve encontrar em seu papel um tipo de auto-justificação. Muito embora ele possa estar representando um completo vilão, do tipo Iago, deve encarar as atitudes e reações com os olhos de Iago. Não deve ver o Iago através dos olhos de um leitor objetivo da peça. Deve sim procurar sentir o ódio de Iago por Othelo e o prazer que sentia ao aprontar-lhe uma cilada. Representar Iago sem esta identificação e auto-justificação é apenas representá-lo externamente. Embora este retrato esteja tecnicamente perfeito, lhe faltará grandeza e convicção.

Nisto, como em outros recursos utilizados para dominar o personagem, o diretor pode ser de grande ajuda, especialmente para o ator inexperiente. Durante os ensaios ele pode repetidamente enfatizar as reações dos atores entre si. Outro recurso no início da criação do personagem é estudar o aspecto exterior do personagem. Geralmente ajuda o ator a penetrar no personagem - praticar o andar, tipos de postura, gestos, voz e o modo de vestir do personagem.
Ele poderá começar a captar a essência do papel através da postura, do modo de ficar em pé, de falar, tal como o personagem faria na vida real. Mas o ator não deve apenas se satisfazer com estes aspectos exteriores do personagem. Ele deve fazer com que estes aspectos exteriores o conduzam à natureza interior do personagem.

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Artigo extraído - e aqui um pouco reduzido - da revista Cadernos de Teatro nº 121/1989. O original está publicado em "Modern Theatre Practice", 6ºth ed. 1973, N.Y. Appleton Century. Tradução de Verônica E. Moura.
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