H. C. Heffner
O diretor, principalmente em um teatro não-comercial, embora interessado em todos que tenham uma parcela de responsabilidade na produção de um espetáculo, dispende a maior parte de tempo e energia com os atores. O bom diretor é um professor da arte de representar e um preceptor dos atores. Portanto, um diretor deve reconhecer a arte, as técnicas de representação e o modo de transmitir estas informações de modo a obter o máximo rendimento dos atores.
No mundo teatral o diretor deve ajudar o ator na criação do personagem e na aquisição e domínio das técnicas de representação, através das quais o personagem é formado. Já que considerável parte do tempo e da energia de um diretor é dedicada ao ensino da arte, à técnica de representação e ao monitoramento dos atores dentro destas técnicas, o assunto deverá ser explorado em todos os aspectos da direção.
Talvez não seja necessário comentar que esse tipo de abordagem não implica numa discussão completa sobre a arte de representar, mas os problemas básicos provenientes das relações de um diretor ao trabalhar com os atores devem ser resumidos. O trabalho do diretor naturalmente irá variar de ator para ator e dependerá do treinamento e da experiência do ator, do seu papel no espetáculo, da sua personalidade e atitudes. Um professor não conseguirá obter bons resultados utilizando o mesmo método com todos os alunos.
A arte e a técnica de representar é complexa e exige, além de aptidão, anos de treinamento e experiência. No curto período de ensaios, o diretor não pode esperar ensinar toda arte para uma pessoa inexperiente. Ele deve, portanto, concentrar-se em cada ator e nas técnicas essenciais para o papel e para superar as falhas de desempenho.
No teatro moderno realístico as técnicas de representação têm sido quase que suplantadas e descartadas para serem substituídas por um certo tipo de exibcionismo. Durante a distribuição dos papéis em peças e filmes, procura-se um indivíduo que possua exatamente o físico, a expressão facial e a personalidade adequada para cada papel; tão logo seja encontrado, simplesmente é treinado para apresentar suas próprias peculiaridades e excentricidades.
Se o que se quer é um gangster durão, procura-se alguém com traços e características semelhantes as de Humphrey Bogart. Se o que se quer é um homem idoso com modos educados e refinados, tal tipo de pessoa será encontrada. Às vezes, estas pessoas, que se adequam perfeitamente a um único papel devido a sua aparência e temperamento, não tiveram nenhum tipo de treinamento ou experiência anterior na arte de representar. Se obtêm sucesso neste tipo de papel, provavelmente continuarão a representá-lo em sucessivos espetáculos ou filmes.
Eles estão, em outras palavras, constantemente representando eles mesmos e seriam um total fracasso caso tivessem que interpretar um personagem de uma peça de Molière ou de Shakespeare. Este tipo de distribuição de papéis e representação, pode ser às vezes, e em certas peças o é, extremamente convincente e bem sucedida. Todo diretor, ao procurar atores para um espetáculo, emprega até certo ponto tais procedimentos para a distribuição dos papéis ao elenco.
Entretanto, tais procedimentos não produzirão um ator versátil com total domínio da arte, pois através de tal tipo de distribuição é difícil, senão impossível, desenvolver uma representação mais abrangente. Um ator que só sabe exibir suas características pessoais não conseguirá se adaptar aos diversos estilos de caracterização do drama grego, de Shakespeare, Molière e Ibsen.
Por outro lado, o ator-artista com o seu total treinamento e através do domínio da técnica está equipado para, dentro dos limites de variação, interpretar diversos personagens em muitos estilos diferentes. Até mesmo dentro de um restrito âmbito de realismo, a técnica é importante e essencial para uma boa representação.
Para obter sucesso em cada papel, o ator deve aprender os recursos e os métodos de sua profissão. A grande quantidade de pequenos recursos e técnicas promovem a certeza, a facilidade e o êxito na interpretação de um papel, e só são adquiridos através de um treinamento constante e da experiência. Não há uma fórmula-chave para a arte de ser ator e nenhum método que garanta o sucesso.
Além das técnicas de formação, o grande ator deve adestrar a imaginação, se ele já não a possui em boa dose; e se a possui, deve constantemente desenvolvê-la. A imaginação do ator é, antes de tudo, o dom de penetrar intuitivamente nas personalidades de muitos indivíduos diferentes; a técnica do ator se revela através dos recursos, dos meios pelos quais ele seleciona e aperfeiçoa o que é significativo para compor intuitivamente a personalidade imaginada para o papel. Junto com esta imaginação intuitiva é encontrado no grande ator um senso de estilo de caracterização que consegue discernir as diferenças, por exemplo, entre o Duque de Orsino em "Noite de reis" e Alceste em "O misantropo".
A arte de representar, tal como é discutida aqui, pode ser definida como a arte de compor um personagem através dos recursos vocais e visuais, a fim de convencer e sensibilizar a platéia. Os dois instrumentos da arte do ator no palco são sua voz e corpo. No cinema, a arte de representar possui um outro instrumento, a câmera, a qual de certo modo serve para diferenciar da representação no teatro; e as mesmas diferenças se aplicam, embora um tanto diferentemente, na representação na televisão.
Então, obviamente, na representação teatral, há duas categorias de técnicas, voz e corpo, as quais o ator deve dominar. Do mesmo modo que a câmera é um fator determinante na representação em um filme, o teatro e a platéia são determinantes no desempenho de um ator experiente. Este ator não representa simplesmente um papel; ele também "eleva" a sua interpretação às condições de um teatro específico. Um ator que interpreta um personagem dentro de um mesmo teatro da Broadway durante toda a temporada da peça ou que sempre atua em um mesmo teatro pode não perceber o nível para o qual a interpretação de um papel deve ser "elevado".
Se, entretanto, ele participa de uma turnê, representando em teatros diferentes durante semanas consecutivas, logo perceberá a influência do tamanho do teatro sobre a sua técnica. As intrínsecas e sutis técnicas convenientes para a projeção de um papel em um teatro com um palco central pequeno seriam totalmente perdidas em um teatro grande com mais de três mil lugares.
Um dos fatores que mantém um ator experiente sempre motivado em suas constantes interpretações, noite após noite, durante uma longa temporada de uma peça, é o conhecimento, a satisfação para com o seu papel e o prazer de atuar para uma platéia de teatro. Neste aspecto, ele pode ser comparado a um pescador experiente tentando fisgar uma truta grande com um caniço e um samburá. Um pescador sabe que não se pode segurar exatamente do mesmo modo nem dois peixes, nem dois potes d'água. Alguns são fáceis, enquanto outros exigem toda destreza, atenção e inteligência.
Do mesmo modo que, sem deixar transparecer, o ator observa as platéias, orienta as suas reações e as utiliza para construir outros efeitos. Este ator "sente" a platéia do mesmo modo que um orador público experiente sente a sua platéia. Esta representação para uma platéia e o sentir de suas reações são um grande estímulo para o ator em uma temporada. A falta desta capacidade é um dos fatores que diferencia o amador do profissional. O ator iniciante possui tantas dificuldades na simples interpretação de seu papel e no trabalho de palco que ele pode se esquecer completamente da existência da platéia, se o diretor não o relembra constantemente de que ele está representando para uma.
DOMÍNIO DA CARACTERIZAÇÃO
A primeira tarefa do ator é conhecer totalmente o personagem que ele irá representar e fazer com que este personagem pareça ser uma pessoa real. Para fazer isto ele deve criar mentalmente uma imagem do tipo de pessoa que está retratando, e identificar-se com esta pessoa. Os atores variam muito nos métodos utilizados para realizar esta tarefa. Alguns são altamente intuitivos e trabalham melhor através de sugestões do que por meio de uma análise direta; outros são mais intelectualizados: precisam primeiro analisar detalhadamente o papel que representarão antes de compô-lo.
O diretor pode ser útil para cada um destes tipos de ator ao esclarecer o máximo possível o tipo de personagem exigido para a ação na peça. Ele pode indicar os traços específicos com os quais o dramaturgo contemplou o personagem, tornando as suas ações verossímeis. À medida que o diretor conhece o ator, pode sugerir atributos subsidiários e maneirismos que possam melhorar a caracterização e ajudar a torná-los reais no palco. Entretanto, tem que ter o cuidado de não impor uma interpretação do papel rígida demais, pois deve encorajar o ator a desenvolver o personagem à medida que o vai incorporando.
Os traços externos de um personagem - idade, altura, postura, andar, vestir e maneirismos gestuais, e assim por diante - são relativamente fáceis de serem analisados, e não são difíceis de serem dominados. São os aspectos internos - atitude, emoção, pensamento e decisões que são mais difíceis de serem discernidos e transmitidos. Um bom conselho para se penetrar no interior de um personagem, por assim dizer, é, como já sugerimos, perguntar o que ele quer: Quais são os seus desejos? O que ele pretende? Qual é o desejo ou força que o impulsiona? Às vezes, este desejo ou força impulsora é facilmente verbalizável, mas é difícil identificá-la. O exemplo de "Fedra", de Racine, impulsionada por uma paixão proibida pelo seu enteado, ilustra bem este aspecto. Seu desejo proibido, como a ambição de Macbeth, a leva a seu terrível conflito interno.
Em certos casos, especialmente em personagens secundários,o desejo ou força propulsora não é o ponto central da caracterização. Às vezes, ajuda o ator imaginar uma força interna que o conduz para tal papel. É claro que esta força interna concedida ao personagem deve ser compatível com o papel na peça.
Outro recurso para dominar e penetrar em um personagem é o de construir ou inventar uma biografia para o mesmo. O diretor criativo ou o ator podem facilmente construir um esboço adequado ao passado de qualquer personagem, embora este passado apareça muito pouco ou nem mesmo apareça na peça. Sabemos que certos dramaturgos, inclusive Ibsen, trabalharam desta maneira ao desenvolverem seus personagens.
Ao delinear este esboço em cima dos seus conhecimentos, personagens de livros e romances, e através da livre imaginação, o ator pode cercar o seu papel com uma grande quantidade de detalhes que servem para conceder a este personagem estatura, peso e verossimilhança. Este recurso deve ser incentivado desde que os detalhes da biografia inventada estejam em total conformidade com o papel na peça. O objetivo é o de fazer com que o personagem da peça adquira vida no palco em toda a sua plenitude.
Outro recurso que auxilia o ator em seu trabalho de composição é determinar e identificar-se com as atitudes do personagem e com sua reações para com os outros personagens da peça. Com alguns ele pode ser totalmente indiferente; com outros pode ser abertamente ou secretamente hostil; enquanto que para com outros, ser em diversos níveis amigável e solidário. O ator deve procurar avaliar estes relacionamentos muito embora, às vezes, seja difícil declarar explicitamente o simples motivo de uma pessoa reagir de um ccerto modo para com outra.
Estas reações de um ser humano para com outro são material básico para a construção do drama; daí o ator ter que compreender, sentir e utilizar tais reações. Ele tem à sua disposição uma variedade de recursos - tom de voz, escolha das palavras, o modo que deve olhar outra pessoa, o balançar dos ombros, o gesto das mãos, a postura do corpo - através dos quais pode transmitir ao público a sua atitude para com outro personagem; mas primeiro ele deve "sentir" tal atitude.
Neste processo de reação para com os outros, o ator deve encontrar em seu papel um tipo de auto-justificação. Muito embora ele possa estar representando um completo vilão, do tipo Iago, deve encarar as atitudes e reações com os olhos de Iago. Não deve ver o Iago através dos olhos de um leitor objetivo da peça. Deve sim procurar sentir o ódio de Iago por Othelo e o prazer que sentia ao aprontar-lhe uma cilada. Representar Iago sem esta identificação e auto-justificação é apenas representá-lo externamente. Embora este retrato esteja tecnicamente perfeito, lhe faltará grandeza e convicção.
Nisto, como em outros recursos utilizados para dominar o personagem, o diretor pode ser de grande ajuda, especialmente para o ator inexperiente. Durante os ensaios ele pode repetidamente enfatizar as reações dos atores entre si. Outro recurso no início da criação do personagem é estudar o aspecto exterior do personagem. Geralmente ajuda o ator a penetrar no personagem - praticar o andar, tipos de postura, gestos, voz e o modo de vestir do personagem.
Ele poderá começar a captar a essência do papel através da postura, do modo de ficar em pé, de falar, tal como o personagem faria na vida real. Mas o ator não deve apenas se satisfazer com estes aspectos exteriores do personagem. Ele deve fazer com que estes aspectos exteriores o conduzam à natureza interior do personagem.
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Artigo extraído - e aqui um pouco reduzido - da revista Cadernos de Teatro nº 121/1989. O original está publicado em "Modern Theatre Practice", 6ºth ed. 1973, N.Y. Appleton Century. Tradução de Verônica E. Moura.