Uma contribuição ao debate
sobre espetáculos de teatro
na internet: o ponto de vista
histórico e crítico
Aderbal Freire-Filho
O teatro na internet não é teatro, mas é uma rima e pode ser uma solução.
O teatro, essa arte ao mesmo tempo antiquíssima e supernova, surgida após a explosão da grande estrela dramática que produziu também o cinema, pode assim ser identificada no céu da internet e salva da geléia geral, meu santo Torquato Neto.
Tão sensacional quanto a invenção do cinema falado foi a invenção que veio depois, a do teatro. O cinema falado matou o velho teatro que encontrou no caminho: três tiros do John Wayne no peito do ensaiador português que tomava seu drinque no saloon e pronto, acabou-se o velho teatro.
Pois esse teatro "inventando-se" já tem história, algumas eras em poucas décadas. Como é impossível um acompanhamento ordenado dessa história, o progresso do teatro emperra na repetição. E um avanço antigo de linguagem é saudado como novo, como se Joyce e Elliot, desconhecidos, estivessem sempre surgindo e muitas vezes em subprodutos. Nada contra a recriação, falo contra o retrocesso. Como diz Lúcio, da seleção brasileira, o passado não é sofá, é trampolim.
Imagine um crítico literário que não tivesse a possibilidade de ler os clássicos, nem a literatura produzida fora do seu país, a não ser em excepcionais viagens ao estrangeiro, quando leria os romances "em cartaz" naquele momento. Ou um crítico de música que só pudesse ouvir os músicos de sua vila. Ou um crítico de cinema que só conhecesse Orson Welles e Chaplin pela leitura de ensaios e biografias, e Glauber Rocha pela fama deDeus e o diabo na terra do sol, um filme perdido para sempre. Pois é com esses supostos críticos que se precisa comparar os críticos de teatro. É extraordinário que ainda assim existam bons críticos.
Posso falar de um autor novo para deixar mais claro o que quero dizer com o teatro "inventando-se". Vamos lá. O melhor desses caras da nova dramaturgia é um inglês de brinquinho na orelha, Bill Shakespeare. Às vezes, um espetáculo "atualiza" as peças dele contentando-se em vestir os atores com roupas moderninhas, paletó e gravata, pasta de executivo etc. A invenção do teatro passou por aí nos anos 50 do século passado, mais ou menos. Claro, não estou defendendo uma reprodução rigorosa dos vestidos da época, não se trata disso. Mas o novo em teatro, a arte do homem e da mulher vivos, não está propriamente nos seus vestidos.
Pra começar, a vida é o presente ou, como diz Gilberto Gil, com um marênteses meu, o melhor lugar do mundo (o teatro) é aqui e agora. Já vi espetáculo com texto pós-becktiano, cenário pós-expressionista, roupas pós-kiwi e, por outro lado, atores no passado, declamando como no século XIX. E muitas vezes críticos pedem isso, dizem: faltou solenidade para dizer as palavras do poeta.
Quando o meu Artaud grita: chega de literatura no teatro!, não fala contra os textos, contra os autores, sejam dramaturgos, poetas ou narradores. Fala contra os mortos-vivos em cena.
Então, vamos navegar no grande mar do teatro. O teatro moder.net contra o teatro modernete. Talvez seja a grande saída para a crítica e a história do teatro do futuro. Para a juventude twitterista, ou seja, para os que vão conhecer primeiro o teatro moder.net, é bom lembrar que ele só vale como incentivo ao salto para uma sala mágica de teatro.
Senão, vão continuar sem-teatro. E sem movimento.
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Artigo extraído da Revista de Teatro da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores), nº 521, setembro/outubro 2010.