Jerzi Grotowski
O ator é o homem que trabalha em público com seu corpo, oferecendo-o publicamente. Se seu corpo se restringe a demonstrar o que é - algo que qualquer pessoa comum pode fazer - ele não é, então, um instrumento obediente capaz de realizar um ato espiritual. Se ele é explorado por dinheiro e para ganhar favores da platéia, então a arte do ator beira a prostituição. É fato que durante muitos séculos o teatro esteve associado à prostituição num sentido da palavra ou n'outro. As palavras "atriz" e "cortesã" foram sinônimas. Hoje são distintas por uma linha ainda mais clara, não pela mudança no mundo do ator, mas porque a sociedade mudou. Hoje, é a diferença entre a mulher respeitável e a cortesã que ficou obscurecida.
Choque
O que choca quando se olha o trabalho de um ator como é praticado hoje em dia é a miséria dele: a barganha de um corpo explorado por seus protetores - diretor, produtor - criando em volta uma atitude de intriga e revolta. Justamente porque apenas um grande pecador pode se tornar um santo de acordo com os teólogos (Não esqueçamos a Revelação: "Porque és morno e não frio nem quente, eu te vomitarei de minha boca"), da mesma maneira a miséria do ator pode transformar-se numa espécie de santidade. A história do teatro tem inúmeros exemplos disso.
Desafio
Não me interpretem mal. Falo de "santidade" como um ateu. Quero dizer "santidade secular". Se o ator, ao se desafiar publicamente desafia outros, e através do excesso, profanação e sacrilégio ultrajante se revela, deixando cair sua máscara cotidiana, torna possível ao espectador empreender um processo similar de auto-penetração. Se ele não exibe o corpo, mas aniquila-o, fá-lo queimar, liberta-o de toda resistência a qualquer impulso físico, então ele não está vendendo seu corpo, mas sacrificando-o. Ele repete a expiação, está próximo da santidade. Se tal ato não é algo passageiro e fortuito, um fenômeno que não pode ser previsto no tempo ou no espaço, se desejamos um grupo de teatro cujo pão de cada dia é essa espécie de trabalho - devemos seguir, então, um método especial de pesquisa e treinamento.
Clichês
Há um mito que diz que um ator com um considerável fundo de experiência pode criar aquilo que podemos chamar de seu próprio "arsenal" - isto é, um acúmulo de métodos, artifícios e truques. Daí ele pode tirar um certo número de combinações para cada papel, atingindo, assim, a expressividade necessária para prender o espectador. Esse "arsenal" ou depósito nada mais é que uma coleção de clichês, e nesse caso o método é inseparável da concepção ator-cortesão.
Diferença
Se a diferença entre o "ator-cortesão" e o "ator-santo" é a mesma que a diferença entre o cérebro de um cortesão e a atitude de dar e receber que brota do verdadeiro amor: em outras palavras, o auto sacrifício - a coisa essencial, no segundo caso, é estar apto a eliminar quaisquer elementos perturbadores a fim de poder ultrapassar toda a limitação concebível. No primeiro caso, é uma questão da existência do corpo; no outro, é antes a sua não-existência. A técnica do "ator santo" é uma técnica indutiva (isto é, a técnica da eliminação), enquanto a do "ator-cortesão" é a técnica dedutiva (isto é, uma acumulação de habilidades).
Impulso
Um ator que empreende um ato de auto-penetração, que se revela e sacrifica o mais íntimo de si mesmo - o mais doloroso, aquilo que não é apreendido pelos olhos do mundo - deve ser capaz de manifestar o mínimo impulso. Ele deve ser capaz de expressar, através do som e do movimento, aqueles impulsos que vagueiam na linha limite do sonho e da realidade. Em resumo, deve ser capaz de construir sua própria linguagem psico-analítica de sons e gestos da mesma maneira que um grande poeta cria sua linguagem própria. Se tomarmos, por exemplo, o problema do som, a plasticidade respiratória do ator, o seu aparelho respiratório deve ser infinitamente mais desenvolvido do que aquele do homem da rua. Ainda mais, esse aparelho deve ser capaz de produzir reflexos sonoros tão rapidamente que o pensamento - que remove toda espontaneidade - não tenha tempo de interferir.
Investigação
O ator devia ser capaz de poder decifrar todos os problemas do seu corpo que lhe são acessíveis. Devia saber como dirigir a coluna de ar às partes do corpo onde o som deve ser criado e amplificado pelo ressonador. O ator comum conhece apenas o ressonador da cabeça; isto é, ele usa a cabeça como ressonador para amplificar a voz, fazendo que ela soe mais "nobre", mais agradável ao público. Ele deve mesmo, às vezes, fazer uso do ressonador do peito. Mas o ator que investiga com cuidado as possibilidades de seu próprio organismo, descobre que o número de ressonadores é praticamente ilimitado.
Possibilidades
Pode explorar não só a cabeça, mas o corpo, e também as costas e a parte ocipital da cabeça, o nariz, os dentes, a laringe, o estômago, a espinha, como um ressonador total que compreende atualmente todo o corpo, e muitos outros, muitos dos quais nos são ainda desconhecidos. Ele descobre que não é bastante fazer uso da respiração abdominal no palco. As várias fases de sua ação física exigem diferentes espécies de respiração se ele quiser evitar dificuldades com o fôlego e a resistência física. Descobre que a dicção que ele aprendeu na escola de teatro provoca muitas vezes o fechamento da laringe. Deve adquirir a habilidade de abrir a laringe conscientemente, e de testar de fora se ela está aberta ou fechada. Se ele não resolver esses problemas, sua atenção estará tomada por dificuldades que encontrará e o processo de auto-penetração falhará fatalmente.
Liberdade
Se o ator está consciente de seu corpo, não pode penetrá-lo e revelar-se. O corpo deve estar livre de toda resistência. Deve, virtualmente, cessar de existir. Como para a voz e a respiração, não é bastante que o ator aprenda a usar os vários ressonadores para abrir a laringe e selecionar o tipo certo de respiração. Ele deve aprender a realizar tudo isso inconscientemente nas fases culminantes de sua ação e isso, por sua vez, é algo que exige uma nova série de exercícios. Quando ele estiver trabalhando o papel, deve aprender a não pensar em acrescentar elementos técnicos (ressonadores etc.), mas deve conseguir eliminar os obstáculos concretos que aparecem (por exemplo, resistência vocal).
Sucesso
Isso não é perder-se em minúcias. É a diferença que decide o grau de sucesso. Significa que o ator nunca possuirá uma técnica permanentemente "fechada", porque cada estágio de seu aperfeiçoamento, cada desafio, cada excesso, cada quebra de barreiras ocultas, ele encontrará novos problemas técnicos num nível mais elevado. Ele deve, então, aprender a superá-los com o auxílio de certos exercícios básicos. Isso quanto a movimento, plasticidade do corpo, gesticulação, construção de máscaras por meio da musculatura facial e, de fato, para cada pormenor do corpo do ator.
Penetração
Mas o fator decisivo nesse processo é a técnica de penetração psíquica. Ele deve aprender a usar seu papel como se fosse o bisturi de um cirurgião, a dissecar-se. Não é uma questão de retratar-se sob certas circunstâncias dadas ou de "viver" o papel; nem apresentar o tipo distante de interpretação comum ao teatro épico e baseado em cálculo frio. O importante é usar o papel como um trampolim, um instrumento com o qual estude o que está oculto atrás da máscara diária - o âmago mais íntimo de nossa personalidade - de maneira a sacrificá-lo, expô-lo.Isso é um sucesso, não só para o ator como também para o público.
Convite
O espectador compreende, consciente ou inconscientemente, que tal ato é um convite que lhe fazem para dar o mesmo, e isso muitas vezes levanta oposição e indignação, porque nossos esforços diários são para esconder a verdade sobre nós mesmos, não só diante do mundo, mas também de nós próprios. Tentamos fugir à verdade a nosso respeito, enquanto aqui somos convidados a parar e olhar mais perto. Temos medo de sermos transformados em estátuas de sal se virarmos a cabeça como a mulher de Lot.
Mobilização
A realização desse ato a que nos referimos - de auto-penetração, exposição, exige uma mobilização de todas as forças físicas e espirituais do ator, que está num estado de prontidão inútil, uma disponibilidade passiva, que torna possível uma ação ativa. Deve-se recorrer a uma linguagem metafórica para dizer que o fato decisivo nesse processo é a humildade, uma predisposição espiritual: não fazer alguma coisa, mas evitar fazer algo, de outra forma o excesso se torna impudência e não sacrifício. Isso significa que o ator deve agir em estado de transe. Transe, como o entendo, é a habilidade de se concentrar em um recurso teatral particular e pode ser alcançado com um mínimo de boa vontade.
Doação
Se fosse expressar tudo isso numa sentença, diria que tudo é uma questão de dar-se. Deve-se dar-se totalmente, na mais profunda intimidade, com confiança, como quando se dá a alguém no amor. Aí está a chave. Auto-penetração, transe, excesso, a própria disciplina formal - tudo isso pode ser realizado, desde que a gente se dê inteiramente, humildemente, sem defesa. Esse ato culmina num climax. Traz apaziguamento. Nenhum dos exercícios nos diversos campos do treino do ator deve ser exercício de habilidade. Eles levariam a um sistema de alusões que conduzem a um processo enganoso e incrível de auto-entrega.
Anatomia
Acho que se deve desenvolver uma anatomia especial do ator; por exemplo, encontrar os diversos centros de concentração do corpo para as diferentes maneiras de agir buscando áreas do corpo que o ator às vezes sente serem suas fontes de energia. A região lombar, o abdome, e a área em volta do plexo solar muitas vezes funcionam como uma fonte.
Guia
Um fator essencial é, nesse processo, a elaboração de um guia de controle para forma, a artificialidade. O ator que realiza um ato de auto-penetração inicia um ato que é marcado através de vários reflexos sonoros e gestuais, formulando uma espécie de convite ao espectador. Mas esses sinais devem ser articulados. A expressividade está sempre conectada com certas contradições e discrepâncias. Uma auto-penetração indisciplinada não é liberação, mas é percebida como uma forma de caos biológico.
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(Towards a Poor Theatre, Clarion Book, Edit. Simon & Schuster - New York. Este artigo está publicado na revista Cadernos de Teatro nº 51/1971, edição já esgotada)
quinta-feira, 30 de abril de 2009
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Modos de definir o teatro em que creio
Domingos Oliveira
1) O teatro é a sujeição do trágico (Nietsche). Toda arte é isso, significa o seguinte: que a vida é muitas vezes insuportavelmente dura. É preciso que este impacto seja sentido através do prisma da arte para que seja alcançada a própria compreensão da realidade. No teatro até tragédia é sublime. O homem necessita da arte para que a vida seja suportável. Assim sendo, o teatro é a sujeição do trágico, a festa, a propaganda da vida, ela mesma.
2) O teatro ensina ao homem o que é a filosofia. Explicamos: certas pessoas sentem ou pressentem, olhando o mundo, a existência de algo por trás das aparências. Diz-se que estas pessoas têm o espírito filosófico. Foram elas que criaram todas as filosofias, das quais se derivaram todas as ciências. Este sentimento filosófico básico encontra no teatro sua metáfora genial. Diante de uma peça, devemos acreditar nela, embora sabendo que se trata de uma aparência, tramada pelos artistas. Assim sendo, é o teatro que expõe ao homem, de modo vivo e direto, a experiência filosófica básica. Portanto, todo teatro é originalmente filosófico.
3) Ele é a mais eficiente forma da didática. O mais direto modo inventado até hoje de transmitir uma lição, ensinamento, mensagem. Humanizando a teoria, ele pode ser usado, sempre que preciso, como divulgador da idéia humanamente útil. Lembremos que sempre funcionou como tribuna, que não há movimento mais libertário da História que não passe pelo teatro, que nos intervalos os poetas liam seus versos e os políticos seus manifestos. Esta função de tribuna, perdida modernamente, nescessita resgate.
4) Atividade comunal, neste ponto levando enorme vantagem sobre o livro, o cinema e a TV, o teatro é o homem diante do homem. Nenhuma outra atividade (talvez, a guerra) demonstra de modo mais inequívoco os valores da colaboração. Nesta medida tem efeito moral, é indicador de caminho.
5) Ultimamente tem estado muito em voga a discussão do teatro dentro do espetáculo teatral. A pesquisa de linguagem. A linguagem como valor maior, além do discurso a que ela serve de veículo. Pela repetição e insistência, esses movimentos voltaram-se certamente em direção ao umbigo. Fazemos ao teatro atual uma acusação de máxima gravidade: acusâmo-lo de esquecer da platéia. Esquecida, ela vai embora. E cada vez mais representamos apenas pra nós mesmos, para aqueles poucos que fazem ou desejam fazer o mesmo. Basta de discutir o teatro: voltemos a fazê-lo.
6) Uma afirmativa insidiosa, de aparência inteligente, chega a mim das mais variadas fontes. "Não é preciso contar histórias no teatro. Porque não há mais histórias para contar. As histórias são todas iguais e todas já foram contadas". Este tipo de afirmativa, que encerra um tédio digno de piedade, é falso. Ou melhor, esperamos que seja falso. Posto que se não há mais histórias para contar, não há mais histórias para viver...
7) O único verdadeiro problema do teatro é a falta de público. Excluímos aqui os três tipos de espetáculo que, por vezes, ainda têm público: a) o sub-produto da TV; b) as produções que compram o público com grandes orçamentos; c) aqueles incensados pela mídia imbecil.O único verdadeiro problema do teatro é a falta de público. Se público houvesse, como somos artistas, arte haveria. Por que foi embora o público? A TV? A ditadura? Sim, mas não apenas. Acuso o teatro de esquecimento da platéia. Objetivemos perigosamente: o bom teatro é feito para divertir e comover. De preferência divertir e comover.
8) Somente a boa diversão e a grande emoção fazem pensar. Caso contrário, permanecemos indiferentes. O pano cai e vamos embora, um tanto aborrecidos. Mas não pensamos. Procurar diretamente um teatro de reflexão é procurar onde não está. A reflexão no teatro é um sub-produto. Sub-produto da emoção e do divertimento. Nossa corrida é atrás do inesquecível.
9) O teatro é sobretudo sábio. Todas as sabedorias do mundo convergem para o ensinamento do aqui-agora. O teatro é o aqui-agora. A arte viva por excelência.
10) Obscuridade ou clareza? Certo jovem diretor de teatro um dia me confessa: exige que pelo menos 30% de seu espetáculo deve permanecer obscuro e incompreensível, caso contrário, no seu entender, perde-se a própria profundidade! Respondi que ele jamais teria seus 30% de obscuridade caso não alcançasse os 100% de clareza, posto que o mistério está além da luz. Somente quando o discurso é claro, esgotado o campo do possível, poderá o mistério ser tocado. A obscuridade, a falta de clareza, vem, por vários motivos, sendo cultuada nos tempos recentes. Isto, além de tolice, é talvez a principal causa do afastamento do público. Não se pode pedir de sã consciência a um espectador que pague seu ingresso, assista a peça, não entenda e saia satisfeito...É pedir demais. É preciso resgatar os valores apolíneos do teatro em sua origem. A clareza, a retidão do discurso. O teatro é uma representação apolínea de sentimentos dionisíacos.
11) Chegamos assim a uma afirmação radical: o teatro é o primado da narrativa. Teatro não é palavra, não é imagem, não é espetáculo nem ator. Mais que tudo isso, é narrativa. A narrativa usa a palavra, a imagem, o espetáculo, o ator em movimento. A narrativa pode ser lógica ou delirante, mágica ou objetiva, irada ou serena, mas sempre será o principal. Teatro é narrativa. Fluxo, como a vida, puro fluxo.
12) Quando a narrativa, ela mesma, contém o conteúdo, o clímax do teatro é alcançado. A narrativa é maior que a forma, maior que o conteúdo, contém ambas. A narrativa é o continente.
13) Para um bom diretor de teatro, o discurso paralelo é inevitável, justifica sua função. Mas sempre será secundário, mesmo quando é maior. Somente poderá atingir o espectador se o discurso principal, a narrativa, o fizer.
14) O moderno diretor de teatro não pode ser um autor frustrado e, sim, um leitor pleno, criativo e pensante.
15) Disse Engels que, mais do que supunha Marx, a dialética não é apenas uma lei dos homens e sim de toda a natureza. A dramaturgia nada mais é que uma emocionante exposição desta verdade geral. A dramaturgia é dialética, um exemplo vivo da própria dialética. Toda peça de teatro consiste numa síntese, à qual se antepõe uma antítese, gerando uma síntese, que fecha o pano.
16) Não sabemos ainda armar o caminho de volta do público ao teatro. Sabemos porém que nome ele tem: generosidade. Mozart, que era de palavras, deixou-nos a melhor definição de "gênio"". Disse que um gênio não é apenas uma grande inteligência, nem quando esta se alia a um grande talento. É preciso também um grande amor.
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Artigo extraído da revista Cadernos de teatro nº 126/1991, edição já esgotada.
1) O teatro é a sujeição do trágico (Nietsche). Toda arte é isso, significa o seguinte: que a vida é muitas vezes insuportavelmente dura. É preciso que este impacto seja sentido através do prisma da arte para que seja alcançada a própria compreensão da realidade. No teatro até tragédia é sublime. O homem necessita da arte para que a vida seja suportável. Assim sendo, o teatro é a sujeição do trágico, a festa, a propaganda da vida, ela mesma.
2) O teatro ensina ao homem o que é a filosofia. Explicamos: certas pessoas sentem ou pressentem, olhando o mundo, a existência de algo por trás das aparências. Diz-se que estas pessoas têm o espírito filosófico. Foram elas que criaram todas as filosofias, das quais se derivaram todas as ciências. Este sentimento filosófico básico encontra no teatro sua metáfora genial. Diante de uma peça, devemos acreditar nela, embora sabendo que se trata de uma aparência, tramada pelos artistas. Assim sendo, é o teatro que expõe ao homem, de modo vivo e direto, a experiência filosófica básica. Portanto, todo teatro é originalmente filosófico.
3) Ele é a mais eficiente forma da didática. O mais direto modo inventado até hoje de transmitir uma lição, ensinamento, mensagem. Humanizando a teoria, ele pode ser usado, sempre que preciso, como divulgador da idéia humanamente útil. Lembremos que sempre funcionou como tribuna, que não há movimento mais libertário da História que não passe pelo teatro, que nos intervalos os poetas liam seus versos e os políticos seus manifestos. Esta função de tribuna, perdida modernamente, nescessita resgate.
4) Atividade comunal, neste ponto levando enorme vantagem sobre o livro, o cinema e a TV, o teatro é o homem diante do homem. Nenhuma outra atividade (talvez, a guerra) demonstra de modo mais inequívoco os valores da colaboração. Nesta medida tem efeito moral, é indicador de caminho.
5) Ultimamente tem estado muito em voga a discussão do teatro dentro do espetáculo teatral. A pesquisa de linguagem. A linguagem como valor maior, além do discurso a que ela serve de veículo. Pela repetição e insistência, esses movimentos voltaram-se certamente em direção ao umbigo. Fazemos ao teatro atual uma acusação de máxima gravidade: acusâmo-lo de esquecer da platéia. Esquecida, ela vai embora. E cada vez mais representamos apenas pra nós mesmos, para aqueles poucos que fazem ou desejam fazer o mesmo. Basta de discutir o teatro: voltemos a fazê-lo.
6) Uma afirmativa insidiosa, de aparência inteligente, chega a mim das mais variadas fontes. "Não é preciso contar histórias no teatro. Porque não há mais histórias para contar. As histórias são todas iguais e todas já foram contadas". Este tipo de afirmativa, que encerra um tédio digno de piedade, é falso. Ou melhor, esperamos que seja falso. Posto que se não há mais histórias para contar, não há mais histórias para viver...
7) O único verdadeiro problema do teatro é a falta de público. Excluímos aqui os três tipos de espetáculo que, por vezes, ainda têm público: a) o sub-produto da TV; b) as produções que compram o público com grandes orçamentos; c) aqueles incensados pela mídia imbecil.O único verdadeiro problema do teatro é a falta de público. Se público houvesse, como somos artistas, arte haveria. Por que foi embora o público? A TV? A ditadura? Sim, mas não apenas. Acuso o teatro de esquecimento da platéia. Objetivemos perigosamente: o bom teatro é feito para divertir e comover. De preferência divertir e comover.
8) Somente a boa diversão e a grande emoção fazem pensar. Caso contrário, permanecemos indiferentes. O pano cai e vamos embora, um tanto aborrecidos. Mas não pensamos. Procurar diretamente um teatro de reflexão é procurar onde não está. A reflexão no teatro é um sub-produto. Sub-produto da emoção e do divertimento. Nossa corrida é atrás do inesquecível.
9) O teatro é sobretudo sábio. Todas as sabedorias do mundo convergem para o ensinamento do aqui-agora. O teatro é o aqui-agora. A arte viva por excelência.
10) Obscuridade ou clareza? Certo jovem diretor de teatro um dia me confessa: exige que pelo menos 30% de seu espetáculo deve permanecer obscuro e incompreensível, caso contrário, no seu entender, perde-se a própria profundidade! Respondi que ele jamais teria seus 30% de obscuridade caso não alcançasse os 100% de clareza, posto que o mistério está além da luz. Somente quando o discurso é claro, esgotado o campo do possível, poderá o mistério ser tocado. A obscuridade, a falta de clareza, vem, por vários motivos, sendo cultuada nos tempos recentes. Isto, além de tolice, é talvez a principal causa do afastamento do público. Não se pode pedir de sã consciência a um espectador que pague seu ingresso, assista a peça, não entenda e saia satisfeito...É pedir demais. É preciso resgatar os valores apolíneos do teatro em sua origem. A clareza, a retidão do discurso. O teatro é uma representação apolínea de sentimentos dionisíacos.
11) Chegamos assim a uma afirmação radical: o teatro é o primado da narrativa. Teatro não é palavra, não é imagem, não é espetáculo nem ator. Mais que tudo isso, é narrativa. A narrativa usa a palavra, a imagem, o espetáculo, o ator em movimento. A narrativa pode ser lógica ou delirante, mágica ou objetiva, irada ou serena, mas sempre será o principal. Teatro é narrativa. Fluxo, como a vida, puro fluxo.
12) Quando a narrativa, ela mesma, contém o conteúdo, o clímax do teatro é alcançado. A narrativa é maior que a forma, maior que o conteúdo, contém ambas. A narrativa é o continente.
13) Para um bom diretor de teatro, o discurso paralelo é inevitável, justifica sua função. Mas sempre será secundário, mesmo quando é maior. Somente poderá atingir o espectador se o discurso principal, a narrativa, o fizer.
14) O moderno diretor de teatro não pode ser um autor frustrado e, sim, um leitor pleno, criativo e pensante.
15) Disse Engels que, mais do que supunha Marx, a dialética não é apenas uma lei dos homens e sim de toda a natureza. A dramaturgia nada mais é que uma emocionante exposição desta verdade geral. A dramaturgia é dialética, um exemplo vivo da própria dialética. Toda peça de teatro consiste numa síntese, à qual se antepõe uma antítese, gerando uma síntese, que fecha o pano.
16) Não sabemos ainda armar o caminho de volta do público ao teatro. Sabemos porém que nome ele tem: generosidade. Mozart, que era de palavras, deixou-nos a melhor definição de "gênio"". Disse que um gênio não é apenas uma grande inteligência, nem quando esta se alia a um grande talento. É preciso também um grande amor.
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Artigo extraído da revista Cadernos de teatro nº 126/1991, edição já esgotada.
RESULTADO DA SELEÇÃO DO FESTIVAL DE TEATRO CIDADE DO RIO DE JANEIRO 2009.
SELECIONADOS ADULTOS
12 de maio
Boca de ouro
De Nelson Rodrigues
Direção: Marcelo de Barros
Cia Teatro Arte Dramática
13 de maio
Anne Frank, o Musical
De Michael Cohen e Enid Futterman
Direção: Isaac Bernat
Cia Amigos de Anne
14 de maio
Mulher na TPM até o Diabo Treme
Texto e direção: Giane Carvalho, Márcia Venina e Marlei Braga
Cia As Bastianas
19 de maio
O AlienistaAdaptação da obra de Machado de Assis
Direção: Eduardo VaccariA
Incrível Companhia de Artes e Entretenimentos do Senhor Cosme
20 de maio
As Artimanhas de Scapino
De Molière
Tradução de Carlos Drummond de Andrade
Direção: Alceu Guilhen e K'dú Monteiro
Grupo Teatral Art&Fato
21 de maio
O Século do Artur
Texto e direção: Edvard Vasconcellos
Cia Estranho Teatro do Cotidiano
26 de maio
Campo Minado
De Ana Paula Chaib
Direção: Os Sem teatro
Cia Os Sem Teatro
27 de maio
Quadrilha
De Jomar Magalhães
Direção: Nelson Domingues
Cia Teatral Casa dos Azulejos
28 de maio
Aparente Mente
Texto e direção: Mauro Marques
Cia Teatro Os Filhos da Santa
Mulher: Feminino Plural
De Bruno Santoro
Direção: Grupo Teatral Mania dos Quatro
Grupo Teatral Mania dos Quatro
03 de junho
O Judas em Sábado de Aleluia
De Martins Pena
Direção: Guedes Ferraz
Centro de Pesquisas Teatrais de Duque de Caxias
04 de junho
Alice, A Sindrome
De Priscilla Matsumoto
Direção Christina Rodrigues
Companhia Teatral Lexovense
SELECIONADOS INFANTIS
09 de maio
Utopia, a Cidade dos Sonhos
De Érick Debossan
Direção: Bruna Campello e Bruno Quaresma
Cia Clã de nós
10 de maio
A Mágica dos Brinquedos
Texto e direção: Michely Victtorino
Cia In´cena
16 de maio
Aprendiz de Feiticeiro
De Maria Clara Machado
Direção: Patrícia Teles
Grupo Barnardina
17 de maio
O Corcunda de Notre Dame
De Alexandre Lopes
Direção: Alex Roger
Grupo Capa
23 de maio
Pinóquio - O Retorno
Direção e Adaptação: Diogo Nery
Cia Teatral Ratos de Palco
24 de maio
A Arca dos Bichos
Texto e direção: Renata Maia
30 de maio
Mirona, A Princesa Chorona
Texto e direção: Ed lopez
Grupo En cenando
31 de maio
Bobos
Texto e direção: Léo Oliveira
Companhia Atores de Oliveira
06 de junho
O Pierrô Apaixonado e a Bailarina sem Corda
Texto e direção: Anderson Alcantara e Léo Torres
Grupo Teatral Coxixo na Coxia
07 de junho
A Mágica dos Sonhos
De Reginaldo Celestino e Emanuel Duartt
Direção: Reginaldo Celestino
Cia de Teatro 3 Micos
terça-feira, 28 de abril de 2009
10 ITENS PARA SER UM ATOR:
1- Não mentir para si mesmo.
2- Ser caótico e tímido a ponto de precisar desesperadamente de uma mascara.
3- Não se satisfazer com a mascara social.
4- Depender de uma forma de beleza para entrar em harmonia com o caos.
5- Conhecer profundamente a própria língua e trabalhar a voz para emergir da subjetividade.
6- Embriagar-se de literatura, poesia e filosofia.
7- Suportar a angustia da escolha e exercer a liberdade
8- Ler os jornais todos os dias e manter viva a perseverança e a alegria.
9- Decorar o texto, respirar no ponto e não esbarrar no cenário.
10- Ter uma fé inabalável no departamento de milagres
(Camilla Amado)
2- Ser caótico e tímido a ponto de precisar desesperadamente de uma mascara.
3- Não se satisfazer com a mascara social.
4- Depender de uma forma de beleza para entrar em harmonia com o caos.
5- Conhecer profundamente a própria língua e trabalhar a voz para emergir da subjetividade.
6- Embriagar-se de literatura, poesia e filosofia.
7- Suportar a angustia da escolha e exercer a liberdade
8- Ler os jornais todos os dias e manter viva a perseverança e a alegria.
9- Decorar o texto, respirar no ponto e não esbarrar no cenário.
10- Ter uma fé inabalável no departamento de milagres
(Camilla Amado)
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